Redução de jornada de trabalho não garante novas vagas
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quinta-feira, 30 de março de 2000
Por Marcia Furlan
São Paulo, 31 (AE) - A redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, reivindicação que está sendo defendida novamente pelas centrais sindicais para estimular a geração de emprego, poderá ampliar as horas-extras nas indústrias e incentivar o duplo emprego em vez de abrir novos postos de trabalho. A advertência é do economista e professor da Unicamp Márcio Pochmann, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho. Segundo ele, a ação deveria se concentrar na eliminação do sobretrabalho. "Seria uma medida mais efetiva que a redução da jornada", pondera.
De acordo com dados de Pochman, baseados em números da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1998, o País tinha 7,7 milhões de desempregados, 42,8 milhões de trabalhadores cumprindo jornada de até 44h semanais e 27,2 milhões trabalhando acima de 44h, ou seja, fazendo hora-extra. Em 1988, antes da redução da jornada de 48h para 44h determinada pela Constituição daquele ano, o País tinha 12 milhões de pessoas trabalhando além da jornada oficial. "Se reduzíssemos as horas-extras hoje teríamos 3,7 milhões de novos postos de trabalho", afirma.
A proposta de redução da jornada está sendo defendida em conjunto pela CUT, CGT e Força Sindical. As centrais iniciaram há duas semanas campanha neste sentido, argumentando que 1,7 milhão de vagas poderiam ser geradas se cada empregado da indústria trabalhasse quatro horas a menos por semana. O cálculo foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), levando com consideração os 24 milhões de trabalhadores que estavam no mercado de trabalho formal (com contrato de trabalho) em 1998. Deste total, 70% (17 milhões) trabalhavam acima de 40h e teriam sua jornada reduzida.
No projeto de lei ainda em discussão pelas lideranças sindicais, as centrais querem incluir uma cláusula que limita a realização das horas-extras em uma hora por dia e com pagamento de 100% do valor. Atualmente são permitidas duas horas, pelas quais é pago 50% cada, de segunda a sexta-feira. "A inclusão deste item é justamente para impedir as horas-extras", explicou a diretora do Desep da CUT, Mônica Valente. Para os empregadores
o recurso é conveniente porque permite a utilização da mão-de-obra disponível em momentos de maior demanda e dispensa a contratação de mais funcionários - e o aumento dos encargos da admissão.
O diretor técnico do Desep, Carlos Augusto Gonçalves Jr.
acrescenta que a redução da jornada de trabalho corre o risco de não surtir efeito na geração de emprego porque as empresas poderão lançar mão de estratégias para poupar mão-de-obra, como a aquisição de mais equipamentos e até reformulando a organização do trabalho. Ou podem também optar pela informalidade para não se adequar à nova legislação. "As empresas podem simplesmente não cumprir a lei", ponderou Gonçalves. Seria preciso, segundo ele, que fosse criado algum mecanismo para cercear a informalidade, além de impedir a hora-extra.
Em 1989, um ano após a alteração de 48 para 44 horas na jornada de trabalho, foram criadas 1.894.000 novas vagas em todo País, diante das 1.318.000 abertas em 1988, de acordo com dados do IBGE. Descontando-se a influência do aumento da atividade econômica registrada naquele ano (o PIB subiu 3,2%), a redução da jornada acarretou uma elevação de 20% no número de postos de trabalho, segundo cálculos de Pochmann. "O aumento de postos de trabalho só não foi maior porque houve aumento das horas extras", lembrou ele.
Na região metropolitana de São Paulo, o número de pessoas ocupadas, apurado pela Fundação Seade, passou de 6.421.000 em 1988 para 6.594.000 em 1989. Este ano foi também o que registrou a menor taxa de desemprego, de 8,7%, nos 15 anos em que a pesquisa do Seade é realizada.
Economia do lazer - De acordo com estudos de Pochmann, ao longo dos últimos anos, as pessoas vêm aumentando a sua carga de trabalho. Existem hoje 3,3 milhões de pessoas com mais de uma ocupação, o que significa que um número igual de postos de trabalho poderiam ser abertos. Para o economista da Unicamp, com políticas públicas eficientes, outros 8 milhões de vagas poderiam estar disponíveis, já que existem 2,7 milhões de jovens até 14 anos trabalhando e outros 5,3 milhões de aposentados e pensionistas - 1/3 do total - que continuam no mercado de trabalho.
Para a redução da jornada de trabalho ter eficácia, na opinião de Pochmann, três condições deveriam ser satisfeitas: pressão da sociedade, imposição da legislação e interesse dos empregadores. As empresas teriam que enxergar pontos positivos na medida, já que seriam obrigadas a manter os níveis salariais, como reivindicam os sindicalistas, mesmo com a produção semanal reduzida em 10%. "As empresas poderiam ter algum estímulo fiscal para não adotar horas-extras", sugere.
Paralelamente, o Brasil teria que investir também na economia do lazer e em uma melhor distribuição de renda, para que o tempo livre do trabalhador não o levasse ao duplo emprego, inchando ainda mais o contigente de desempregados, ou às horas-extras. "Em um país de baixos salários, o tempo livre acabaria sendo usado para gerar mais renda, principalmente nas grandes cidades, que têm poucas opção de lazer", concluiu.
