São Luís, MA - Os impactos de queimadas na Amazônia entre 2001 e 2019 abrangeram grande parte do território da floresta, atingindo aproximadamente 90% das espécies de animais e plantas que ocupam esses locais, afirma um novo estudo publicado na revista científica Nature. A pesquisa também indica que a diminuição da fiscalização e o aumento do desmatamento são as razões principais dos novos casos de queimadas na maior floresta tropical do planeta.

A floresta amazônica não é um bioma com espécies que tenham adaptação ao fogo
A floresta amazônica não é um bioma com espécies que tenham adaptação ao fogo | Foto: Marcio Melo/Folhapress

O trabalho foi feito por pesquisadores de várias universidades americanas e brasileiras. Para realizá-lo, foi necessário compilar dados sobre as espécies de seres vivos da Amazônia e as características dos territórios que elas ocupam. Ao todo, foram mapeadas 14.593 espécies. A partir daí, foram feitas estimativas sobre outros locais em que essas espécies poderiam estar presentes na floresta. Por exemplo, se um animal é encontrado principalmente em ambientes secos, é possível identificar outros locais com essa característica e projetar, assim, que esse ser vivo possa também habitar esse outro território.

Essa técnica de estudo, chamada de modelo de distribuição potencial de espécies, é necessária porque o território amazônico ainda é pouco explorado, em razão de seu tamanho e da dificuldade de chegar a alguns pontos.

Os pesquisadores compararam esses locais estimados de ocupação das espécies com imagens de satélites das queimadas que ocorreram na Amazônia entre 2001 e 2019. Com esse cruzamento de dados, foi possível identificar o quanto o fogo impactou os territórios provavelmente ocupados por seres vivos. Dessa forma, os cientistas estimaram que aproximadamente 90% (entre 13.608 e 13.931 espécies) tiveram seu habitat natural queimado no período.

O estudo também indica que espécies raras são as mais prejudicadas pelas queimadas. "Boa parte das espécies impactadas perdeu mais da metade de suas áreas de ocorrência. Ou seja, se você é uma espécie rara, a chance de ter perdido todos os seus indivíduos e entrado em extinção local é muito alta", afirma Danilo Neves, professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A pesquisa ainda investigou como a queda na fiscalização e a disparada do desmatamento influenciam nos focos de fogo na região amazônica. Para isso, os cientistas dividiram o estudo em três períodos. O primeiro momento foi o da pré-regulamentação da fiscalização ambiental, entre os anos de 2002 a 2008. Esse intervalo de tempo é marcado por números altos de queimadas e desmatamento. O segundo período começa em 2009, com a implementação de regras mais rígidas e punitivas contra crimes ambientais. Como efeito, a partir de 2011, houve uma queda brusca em queimadas e desmatamento. O terceiro e último período analisado pelo estudo foi a partir de 2016. Neves afirma que a política de fiscalização rigorosa passou a ser desmantelada naquele ano, o que ocasionou aumento do desmatamento da floresta já em 2017.

A seca também é uma razão do aumento de incêndios, mas não é tão grave quando comparada com o deficit na fiscalização ou com o desmatamento para criação de gado, diz Mathias Pires, professor do Instituto de Biologia da Unicamp (Universidade de Campinas). Como exemplo, o professor cita que, no último trimestre de 2019, houve um incremento na ações de vigilância da Amazônia. Com isso, as queimadas diminuíram consideravelmente, resultando em números abaixo dos previstos mesmo para o período de seca da floresta. "O problema é que os incêndios continuam acontecendo e aumentando, então, ano após ano, nós temos novas áreas e espécies impactadas", resume Pires.

Outro aspecto crítico é que a floresta amazônica não é um bioma com espécies que tenham adaptação ao fogo, como é o caso do cerrado ou do Pantanal, ressalta o professor. "Quando o fogo passa, boa parte da vegetação morre. Isso, aliado ao desmatamento, vai comendo a Amazônia pelas bordas."