Imagem ilustrativa da imagem Queda na taxa de cobertura vacinal preocupa autoridades em saúde
| Foto: RAMON BITENCOURT/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO

Os mais jovens talvez nunca tenham visto as feridas avermelhadas que o sarampo causa, vieram de uma infância livre de doenças que os mais velhos temiam quando criança. Como se o vírus tivesse se tornado lenda, o medo diminuiu e a prevenção também. De acordo com o os dados do PNI (Programa Nacional de Imunizações), no DataSUS, a taxa de cobertura vacinal no Brasil caiu de 95% em 2015 para 71% em 2018. No Paraná, a Tríplice Viral, que imuniza contra caxumba, rubéola e sarampo é a que menos alcança a meta determinada pelo governo (95%). Segundo estatísticas da Sesa (Secretaria Estadual de Saúde), desde 2012, quando chegou à média de 99% entre as regionais, a vacina nunca mais alcançou a meta, caindo para 85% em 2017.

No boletim epidemiológico divulgado nesta semana pelo Ministério da Saúde, o Brasil apresentou 570 novos casos de sarampo. Com a atualização, são 3.906 confirmações, 97% ficam em São Paulo. Ao todo foram quatro óbitos, nenhuma das vítimas estavam vacinadas. Com vários países em alerta, o surto não se mostra uma particularidade nacional, mas a redução na taxa de vacinação coloca a Saúde em preocupação. Comparando a cobertura vacinal de 2012 com a de 2017, há quedas relevantes até para as vacinas que sempre tiveram alta taxa de cobertura, como a BCG, que foi de 106% para 97%. A redução se repete em outras imunoprevenções, a Hepatite B teve queda de 10%; Meningococo C, 9%; Poliomielite, 12% e Tríplice Viral, 9%.

Imagem ilustrativa da imagem Queda na taxa de cobertura vacinal preocupa autoridades em saúde

Fatores sociais, culturais e econômicos podem estar envolvidos na queda na imunização da população. O médico e professor José Cássio de Moraes, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo aponta alguns deles. “Uma questão é o acesso da população às unidades de saúde, que funcionam em horário comercial”, afirma.

O atendimento é realizado no mesmo tempo de expediente da maioria da população e o fechamento das unidades nos finais de semana dificulta ainda mais o acesso. O professor explica que esse fator atrelado à crise econômica gera uma redução na procura. “As pessoas têm dificuldade de faltar no serviço para levar o filho ou mesmo ser vacinadas. É um lado social recente que tem dificultado”, menciona.

Desta forma, determinar atividades extramuros seria fundamental para alcançar a população, mas o SUS (Sistema Único de Saúde) também enfrenta a falta de recursos para contratação de pessoal. “Os servidores têm dificuldade de fazer atividades, como campanhas em shoppings, escolas, não conseguem sair para realizar atividades e aumentar a cobertura vacinal”, menciona Moraes.

Embora o movimento antivacina tenha ganhado expressão no exterior, o professor avalia que esse fator não tenha tanta representação no Brasil. Aqui, a questão é justamente o sucesso do programa de vacinação, que fez com que muitas doenças desaparecessem da rotina do brasileiro, levando a acreditar que estavam erradicadas. “Perde-se o medo da doença. Porque uma das motivações de levar a criança para vacinar é o medo de que ela fique doente. Os pais vacinam com medo da paralisia, mas em relação ao sarampo há a falsa sensação de que ele está eliminado, que não temos mais esse problema”, afirma. A falsa sensação de segurança bota a Saúde em alerta no retorno de outras doenças. A própria Tríplice Viral aplicada contra o sarampo é a mesma que previne caxumba e rubéola, mostrando a fragilidade da população contra esses vírus.

SISTEMA

Entre os anos 2015 e 2016, houve mudança no sistema de informação das vacinas, o que apontou um forte desequilíbrio na taxa de cobertura. “Como é on-line, às vezes as unidades não têm internet, sabemos que a internet no Brasil não é muito confiável”, comenta. Para ele, a falta de conexão eficiente pode levar ao abandono de algumas anotações. “A gente tem uma hipótese, não uma afirmativa, que antes a gente tinha uma superestimativa por doses aplicadas e agora a gente tenha uma subestimativa da dose aplicada”, revela.

No entanto, o sistema se tornou mais eficiente na busca da população não vacinada, já que passou a ser nominal, com dados do cidadão e não por doses aplicadas, como era antes. Vera Rita da Maia, chefe da Divisão de Vigilância do Programa de Imunização da Sesa, conta sobre a mudança. “A partir de 2015, cada indivíduo tem um cadastro com toda a rastreabilidade necessária, é um cartão de vacinas digital”, exemplifica. “Melhorou, a tecnologia aumentou, nós temos computadores para fazer o registro”, afirma, argumentando que o Estado está equipado.

Com o novo sistema, fazer o registro se tornou mais complexo, é preciso colocar informações sobre o cidadão a ser vacinado, como o lote da vacina, a dose e aplicação em si, e outros dados. O número de vacinas também aumentou, mas o vacinador continua o mesmo. Para a chefe da Divisão, é uma transformação de rotina que fez despencar os dados entre os anos de 2015 e 2016. Contudo, o novo sistema permite encontrar os ausentes. “A Secretaria orienta fazer a busca ativa dos faltosos para oferecer a vacina. Quando a gente fala de calendário nacional de vacinação, que se faça acompanhamento, fazer com que, na minha unidade básica, eu saiba quais são as minhas crianças e adolescentes que não foram vacinados e faço uma busca ativa para a aplicação.”

FAKE NEWS

As informações falsas que circulam na internet foram citadas por Vera Rita da Maia como um fator que impede a atualização da carteira de vacinação. Para ela, esse é um dos fatores que prejudicam o acesso e afeta a adesão da população às vacinas. O Ministério da Saúde revelou que respondeu 11,5 mil dúvidas em um balanço divulgado no último dia 27. Vídeos, textos e imagens deturpando a informação, como argumentos sem fundamentação sobre falsos efeitos colaterais das vacinas, como “buraco” no braço e relação entre vacinas e autismo foram desmentidos.

Outra questão é a situação de desabastecimento de vacinas. O Paraná sofre com a falta de BCG e Pentavalente. “Em casos de desabastecimento pontuais é formada uma fila de espera para que se busque a pessoa e seja administrada assim que o Ministério da Saúde abastecer”, explica Maia.

Apesar dos fatores, a chefe da Divisão orienta que é primordial que as crianças sejam vacinadas e recebam a dose zero, mas que não é o suficiente. “A Secretaria alerta toda a população que cuide do seu cartão vacinal e procure uma unidade para fazer a atualização. A nossa preocupação é que tenhamos uma cobertura homogênea de todas as vacinas em todas as unidades de saúde”, argumenta.