"Eu sempre falo que a saudade só aumenta. No início você fica eufórica, meio que fica anestesiada, e vai passando, caindo a ficha. É difícil falar". Com estas palavras, a gerente de loja Maria Cristiane Sartori, 45, definiu o que sente ao falar da morte do seu único filho, aos 17 anos, em uma abordagem policial. "Ele estaria fazendo 21 anos hoje (15/04). Para um homem, é uma data muito importante. Olho os amigos dele e meio que faço um comparativo, uns têm filhos ou já estão se formando", citou, enquanto tentava segurar o pranto.

Imagem ilustrativa da imagem Protesto lembra aniversário de jovem morto por PM
| Foto: Vitor Struck/Grupo FOLHA

Reunidos em frente ao Colégio Estadual Professora Maria José Balzanelo Aguilera, na zona sul de Londrina, amigos e familiares lembraram de Gabriel Sartori. Com fotos, uma vela e pedidos de justiça, cerca de 20 pessoas permaneceram em silêncio durante o ato.

O caso do jovem Gabriel Sartori é um dos mais emblemáticos em Londrina envolvendo agentes de segurança. Isso porque o policial militar Bruno Carnelos Zangirolami, 29, estava de folga e atirou em direção ao chão em forma de alerta. No entanto, conforme comprovou a perícia, o projétil ricocheteou na calçada antes de atingir o tórax do rapaz. O autor do disparo foi destacado das suas funções na rua e, atualmente, realiza atividades administrativas na 4ª Companhia Independente de Polícia Militar. Já na Justiça, um processo se estende até os dias de hoje ainda sem um julgamento.

A manifestação da noite desta quinta-feira foi também para pedir agilidade no agendamento do júri popular ao qual o PM foi sentenciado. "São quatro anos já", lamentou a mãe. Questionada se o policial militar entrou em contato ou fez alguma menção de que gostaria de falar com ela, Sartori explicou que não. "Nunca".

Recentemente, a mãe de Gabriel descobriu um mioma no ovário e teve que passar por uma cirurgia, há oito dias. Durante a manifestação, preferiu sentar em uma cadeira de rodas, atendendo à recomendação médica. "Há uma pesquisa muito grande que aponta que 90% das mães que perdem os filhos acabam tendo uma doença. Uma delas é o câncer. Creio muito que não vá ser, mas desenvolveu algo", lamentou.

A reportagem entrou em contato via aplicativo de mensagens com o policial militar. Ele preferiu não se manifestar na reportagem. Gabriel Sartori sonhava em seguir a carreira militar.

O CASO

Em seu depoimento à Justiça, Bruno Carnelos Zangirolami disse que estava indo à igreja com a esposa quando decidiu fazer uma ronda acompanhado do seu cachorro, na região da rua Tarcisa Kikuti, onde fica o colégio estadual. Ainda de acordo com ele, o animal teria puxado a coleira quando avistou Sartori e outros dois amigos em frente ao muro do colégio. O PM decidiu realizar uma abordagem e um dos jovens tentou pular para dentro da escola. “Foi aí que saquei a pistola e disse: Polícia, mão na Cabeça. Quando eles chegaram mais perto, atirei no chão para tentar impedir que me agredissem ou tomassem a minha arma. Depois que saí novamente, vi o garoto no chão”, disse à então juíza da 1ª Vara Criminal de Londrina, Elisabeth Kather. Na época do fato, o policial foi preso em flagrante, mas liberado em seguida. Ele também disse que tentou ajudar o jovem.

A reportagem ouviu o estudante João Vitor Oliveira, 22, um dos dois amigos de Gabriel que estavam ao lado dele no momento da abordagem. "Só o cachorro por si já assustava, na verdade. Parece que tudo ficou mudo e eu só ouvi o tiro, é o único som que consigo recordar", explicou.

Questionado, o jovem disse que o trio não caminhou na direção do policial. "Estávamos parados, ele foi até nós. Fomos meio que fugindo dele mesmo", explicou. "Poderia ter sido eu, qualquer pessoa. Na verdade, não era para ser ninguém", lamentou.

TRAMITAÇÃO

Zangirolami foi sentenciado a um julgamento perante o Tribunal do Júri em novembro de 2018. Para a magistrada, houve o cometimento de homicídio doloso, quando há a intenção de matar. A Defesa recorreu ao TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná), alegando que o PM agiu em legítima defesa. No entanto, o tribunal manteve a decisão de pronúncia do réu ressaltando que não houve a comprovação do excludente de ilicitude.

Desta forma, o advogado de defesa do PM, Eduardo Miléo, ingressou com um recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça) para tentar mudar a tipificação adotada pela primeira instância e excluir o dolo eventual. Se este recurso fosse deferido, o Zangirolami poderia ser julgado por homicídio culposo, o que não ocorreu na visão do relator no STJ, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca. "Houve um ricocheteio dos mais tristes que já vi, infelizmente", disse Miléo.

De acordo com ele, "o STJ não negou ter existido o homicídio culposo e não diz ter existido o doloso. Diz que quem tem que dizer isso é o conselho de sentença", explicou.

Com a decisão, o processo retornou para o juízo da 1ª Vara Criminal de Londrina, que precisa agendar uma data para o julgamento.

Questionado se irá pleitear a prorrogação do julgamento utilizando o cenário epidemiológico e as condições desfavoráveis da sala do Tribunal do Júri após o agendamento, Miléo disse que isso soa como se a defesa estivesse "fugindo" do processo. "E não é o caso. Obviamente, vamos observar a situação da pandemia porque não vamos colocar os jurados em risco. Não adianta acelerar o julgamento, é um processo que está longe de prescrição, enfim. E o juiz tem sido muito prudente. Os próprios jurados se sentem desconfortáveis, isso acaba atrapalhando a própria qualidade do julgamento", completou.