O governador Ratinho Junior (PSD) assinou dois projetos de lei embasados em sugestões da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Paraná que afetam o trabalho dos operadores jurídicos. Um deles propõe mudanças na advocacia dativa no estado e o outro estabelece regras para processos administrativos e até introduz a possibilidade de utilização de videoconferência em diversos procedimentos. Este foi elaborado em conjunto com a Controladoria-Geral do Estado, Procuradoria-Geral e o Instituto Paranaense de Direito Administrativo, ligado à OAB.

Com relação à advocacia dativa, o projeto prevê a substituição da expressão "réu pobre" por "hipossuficiente", o que, de acordo com a Ordem, é importante para assegurar a assistência jurídica a todo os cidadãos que comprovem a necessidade independentemente de figurar como autores ou réus do processo judicial. O projeto de lei também visa substituir as expressões "sentença judicial" por "decisão judicial", o que asseguraria a realização de atendimentos em situações como audiências de custódia feitas após a sentença. Caso aprovada a mudança, a OAB também prevê maior agilidade no pagamento dos honorários advocatícios.

Os advogados dativos são pagos pelo estado para atuar em casos de interesse público em favor de pessoas que não possuem condições de arcar com despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou de suas famílias, como garante a Constituição, um "espaço" antes mais "ocupado" por defensores públicos.

Outra mudança no texto da legislação que regulamenta a atuação dos dativos no Paraná, a lei 18.664/2015, é que o cadastro dos advogados possa ser feito a qualquer momento em uma lista de inscrição disponibilizada em sistema eletrônico da OAB-PR para os magistrados. A lei atual determina a criação de duas listas por ano, sob coordenação de comissão específica da Ordem, no caso de Londrina, a Comissão da Advocacia Dativa da OAB-PR sediada no município.

A FOLHA entrou em contato com a OAB-PR para comentar o assunto, mas não obteve retorno. No ano passado, a OAB-PR pediu o descontingenciamento de R$ 8,2 milhões à Procuradoria-Geral do Estado para o pagamento de honorários dos dativos. Já em setembro, a diretoria da OAB-PR se reuniu com a Casa Civil para pedir suplementação orçamentária de R$ 35 milhões para o mesmo fim. Também segundo a Ordem, em 2019 foram atendidas mais de 96 mil pessoas e R$ 72 milhões foram liberados para o custeio das despesas pagas após a autorização da Procuradoria-Geral do Estado.

Em outubro de 2019 houve a atualização da tabela de remuneração, o que segundo a Procuradoria-Geral do Estado foi importante para corrigir distorções já que havia procedimentos com valores considerados altos e outros mais complexos com valores baixos. Para se ter uma ideia, agora o valor pago pelo estado para a elaboração de uma petição para o relaxamento de flagrante, revogação de prisão preventiva ou decretação de liberdade provisória é de até R$ 400. A remuneração mais alta é para a defesa no Tribunal do Júri, de R$ 5 mil.

Diante desta nova realidade, com o estado efetivamente pagando os dativos, paralelamente ao aumento da concorrência entre advogados, o interesse na advocacia dativa cresceu exponencialmente. Enquanto no primeiro semestre de 2016 menos de 5 mil advogados demonstraram interesse, no segundo semestre deste ano a quantidade disparou para mais de 21 mil que realizaram a inscrição após a abertura das listas.

Nomeações geram polêmica em Londrina

No final do ano passado, a FOLHA recebeu uma denúncia anônima sobre um suposto "favorecimento" a alguns advogados que atuam como dativos, o que não estaria em conformidade com a legislação. Segundo a lei 18.664/2015, os servidores do Poder Judiciário que realizam as nomeações devem obedecer a ordem de inscrição dos advogados “podendo ser repetida, desde que observada a mesma ordem”, diz a lei.

De acordo com o grupo de advogados que procurou a reportagem, há casos em que os mesmos recebem até quatro nomeações por mês nas mesmas varas, "passando à frente" da ampla maioria dos interessados. Este seria o caso de uma advogada que entre 12 de setembro de 2018 e 3 de dezembro do ano passado teria sido nomeada 20 vezes, sendo 19 na mesma Vara. No entanto, nem todas nomeações são apontadas no portal da Advocacia Dativa da OAB-PR, de modo que a disparidade poderia ser maior, aponta o grupo. Somente em 2019, a advogada teria executado o estado do Paraná a remunerá-la em mais de R$ 60 mil em honorários advocatícios por conta destas nomeações.

Para o grupo, membros da Comissão da Advocacia Dativa da OAB-PR, subseção Londrina, também acabam sendo beneficiados, o que é até motivo de uma ação por danos morais com pedido de retratação pública contra cinco advogados por conta de cobranças e insinuações feitas nos grupos de WhatsApp, encaradas como tentativa de censura.

A insatisfação chegou a ser comunicada ao procurador-chefe da Procuradoria de Honorários da Gratuidade da Justiça, Luiz Fernando Baldi, que no dia 24 de junho deste ano respondeu por e-mail afirmando que um levantamento seria feito para se apurar possíveis discrepâncias, o que, segundo apurou a FOLHA, ainda não ocorreu.

A reportagem entrou em contato com o Fórum e foi informada que o juiz responsável pela Vara em questão não tinha interesse em comentar o assunto. Também procurado, o Tribunal de Justiça do Paraná não retornou até o fechamento desta edição.

Para a coordenadora da Comissão da Advocacia Dativa de Londrina, Erica Costa Alves, é natural que alguns advogados tenham mais nomeações uma vez que estão atuando há mais tempo. "É uma luta da comissão, batalhamos para que esta lista seja seguida. Por outro lado, existe a Lei Orgânica da Magistratura Nacional que fala no artigo 35, inciso 1º, que a nomeações dos profissionais deve seguir a lista, todavia ressalvadas as hipóteses específicas, em razão de urgência e desde que devidamente justificada pelo magistrado, é possível sair da lista a qualquer momento desde que fundamentado", explica.

Para a coordenadora, 95% nas nomeações estão em consonância com a ordem da lista, que tem cerca de 1.500 advogados cadastrados. "Nas primeiras páginas da consulta pública da número 1 até a 140 você percebe que já tem de uma até quatro, cinco, nomeações. Então isso já foi um grande avanço para a nossa comissão", comemora.

Já a presidente da subseção, Vânia Queiroz, avalia que, de fato, existem magistrados que se recusam a seguir a lista, no entanto, são embasados em um histórico de advogados que são nomeados e acabam se recusando a fazer o atendimento. "Muitas vezes aquele cidadão que necessita de audiência vai ser relegado para um ano depois, imagine um réu preso. Eu vejo que grande parte dos juízes tem razão. Tem uma parte que aí é outra situação", avalia. Sobretudo, a presidente avalia que os "problemas" da advocacia dativa em Londrina são "mínimos" se comparados aos avanços trazidos com a comissão criada há apenas dois anos.