Uma experiência que está sendo acompanhada pela ONU (Organização das Nações Unidas) no sul da África Oriental - um dos pontos mais críticos no mapa global de eventos naturais extremos como ciclones, inundações gigantescas e secas devastadoras - pode ser a inspiração da implantação de um centro de estudos de gerenciamento de riscos no país, com base em Londrina.

A proposta já está na mesa das autoridades e das principais instituições públicas e privadas da cidade, defendida com bom português em apresentações detalhadas feitas por Nuno Remane, um diplomata moçambicano de 45 anos, graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), casado com Tarita, uma bancária nascida em Paranavaí e graduada pela Unifil em Psicologia.

Separados por 8.300 quilômetros de longitude, com um ligeiro desnível de latitude, o Norte do Paraná e o Canal de Moçambique - braço do Oceano Índico que influencia o clima da costa da República de Moçambique e o regime de ventos e umidade da República de Malawi (vizinho sem saída para o mar), além de abrigar dois outros países insulares especialmente vulneráveis, a pequena União das Comores e a extensa República de Madagascar - podem se alinhar em torno de uma ideia comum: a proteção das populações mais vulneráveis contra os rigores da crise climática que assombra a Terra depois de mais de 200 anos de um incessante processo de carbonização da atmosfera.

Nuno se diz otimista com a formação de um arranjo regional capaz de fundar um centro de inovação climática com estudos, planos e projetos para incrementar o sistema de prevenção contra eventos extremos. Ele acredita que a realização da COP 30 em Belém em novembro pode ser uma oportunidade mais que apropriada para levantar fundos internacionais para a iniciativa.

Diretor executivo da DiMSUR (Disaster Risk Management, Sustainability and Urban Practice), um centro técnico sediado num campus universitário de Maputo que presta assistência técnica qualificada e organiza ações comunitárias a partir de encontros de moradores e autoridades, Nuno está na linha de frente do desenvolvimento de dezenas de projetos focados em definir prioridades, sob orientação direta do corpo técnico da ONU Habitat, programa das Nações Unidas que trabalha para dar sustentabilidade e resiliência aos moradores das cidades nos cinco continentes.

Um típico líder da geração X, o ativista de temperamento solar, fã de fotografia, passeios de bicicleta, da fabulosa literatura da compatriota Paulina Chiziane, dos versos do persa Omar Khayyam (1048-1131), Remane conversou com a reportagem da FOLHA no seu período de férias em Londrina. Abaixo, os principais trechos.

O que é o DiMSUR?

O DiMSUR é um centro técnico, intergovernamental, apolítico, diplomático, que faz a capacitação de comunidades e governos para reagirem às questões climáticas. Colocamos no mesmo ambiente as comunidades e as autoridades para debaterem os desastres climáticos. Neste ambiente, identificamos todos os riscos de desastre e priorizamos as soluções. Nosso papel é apontar qual é a melhor técnica para obter aquela solução, com foco e sem desperdício de recursos. Também apoiamos governos com conhecimento científico para que eles aprimorem a legislação ambiental de acordo com a realidade local. Por fim, atuamos para que as informações necessárias à prevenção e às respostas aos desastres climáticos sejam compartilhadas no ambiente local a partir de uma plataforma abastecida por estudos e dados de todas as partes do mundo. É possível acessar milhares de estudos e relatórios gratuitamente nesta plataforma, com experiências que podem ser valiosas para resolver um problema.

Como surgiu a ideia deste centro?

O DiMSUR surgiu após um pedido dos governos de Moçambique, Madagascar, União das Comores e Malawi à ONU. Estes países precisam de ajuda para combater os efeitos dos desastres naturais que ocorreram naquela região. Desde o início deste século, os impactos destes eventos têm sido maiores e o intervalo de ocorrência tem diminuído, afetando mais pessoas e comprometendo mais a infraestrutura. A ONU decidiu apoiar com a condição de que fosse criada uma agência com autonomia administrativa e financeira gerida pelos próprios países após um período de implantação e maturação liderado pela equipe da ONU Habitat, o que aconteceu entre 2013 e 2022. Trabalhava no planejamento de estruturas de grande porte para o setor de petróleo e gás até 2016 quando eu passei em um concurso internacional para dirigir uma fundação tutelada pelo governo da Dinamarca que tinha o propósito de melhorar o ambiente de negócios em Moçambique. Colhemos bons resultados em sete anos de atuação, graças a uma equipe extraordinária, severamente auditada neste período. E acredito que isso foi preponderante para minha indicação para liderar o DiMSUR.

O que a experiência africana nos ensina?

Os técnicos, pensadores e cientistas quando desenham soluções não incluem as comunidades que serão beneficiárias destas soluções. É um ponto de partida que certamente leva ao insucesso. É fundamental que a própria comunidade identifique seu problema e faça um contraponto ao diagnóstico das autoridades. É uma garantia que a solução vai beneficiar a maioria. Isso empodera os moradores, valoriza o conhecimento empírico e gera um envolvimento natural para a busca da solução. O conhecimento científico não pode prevalecer quando comparado com as experiências ancestrais de uma comunidade. As duas coisas são importantes e isso deve ficar claro no debate da solução por parte das autoridades. O planejamento deve ser participativo e direcionado a questões prioritárias do ponto de vista dos moradores. A priorização é a melhor forma de lidar com a escassez de recursos. Começar, continuar e concluir cada ação é importante inclusive para convencer investidores e doadores que o trabalho está sendo bem realizado.

Na sua visão, o que é possível melhorar rapidamente no Brasil neste tema?

O Brasil ainda é muito acanhado para buscar recursos e enfrentar a crise climática. Acredito que há um espaço muito grande de crescimento na modalidade de parcerias público-privada, que soma forças e divide responsabilidades. É preciso formar fundos climáticos que tornem as políticas de enfrentamento sustentáveis. Só um exemplo: este problema que ocorreu no Lago Igapó, com o vazamento da barragem, poderia ser solucionado com muito mais rapidez se já houvesse um fundo e um protocolo de acesso a estes recursos.

Qual é sua relação com Londrina e como você enxerga a possibilidade da cidade se tornar uma referência em inovação climática?

Conheci minha mulher em Londrina, durante o período em que fui estudante de Arquitetura da UEL. Ela é nascida em Paranavaí, mas vive aqui desde os 13 anos. Temos três filhos e faz um ano que eles voltaram a viver na cidade. Meus laços com Londrina são muito estreitos. Foi assim que conheci o advogado Fábio Theófilo, que ao saber de como o DiMSUR funcionava ficou convencido que Londrina poderia ter um centro de inovação climática. Desde então, estamos conversando com líderes como Alex Canziani (Secretário de Estado da Inovação, Modernização e Transformação Digital) para implantar aqui um centro capaz de, a partir de pesquisas, agregar tecnologias na busca por soluções práticas para os impactos do clima. Conversamos também com a Fundação Araucária, com o Fórum Desenvolve Londrina, secretários municipais e outras tantas instituições importantes. Todos estes atores já estão cientes que queremos fazer como em Moçambique, um centro com autonomia administrativa, patrocinado por um fundo comum com muitos doadores, inclusive de investidores internacionais interessados em acompanhar casos que possam ser replicados em outras regiões do mundo. Londrina é um centro de inovação, um polo universitário importante, sede de instituições de pesquisa de nível internacional e muito capaz de ajudar o Brasil neste propósito.

A realização da Cop 30 na Amazônia brasileira pode acelerar a implantação do Centro de Inovação?

Sim. A Cop também é o maior road show global de fundos climáticos. Os investidores estarão lá e eles querem apoiar os melhores projetos. E eles tem que desfilar pelo evento como pavões, para que sejam comprados por estes investidores. Se quisermos que o DiMSUR se instale em Londrina, teremos que correr e empacotar esta ideia a tempo de participar deste grande evento em Belém. Se tudo correr bem e a mobilização que está em andamento resultar num projeto sólido nos próximos meses, o DiMSUR não só pode como vai apresentar Londrina como nosso maior projeto, capaz de captar um montante 10 vezes maior que os investimentos iniciais apenas no primeiro ano. Isso é plenamente possível. Só depende da vontade dos líderes da cidade.