São Paulo - Uma fala machista e um beijo no rosto sem consentimento resultaram no mês passado na condenação de um homem a 1 ano e 8 meses de prisão, em regime fechado, por importunação sexual.

O caso de Santa Cruz do Rio Pardo, no interior de São Paulo, se soma ao crescente número de ações protocoladas na Justiça desde entrada em vigor de uma lei, em setembro de 2018, que tornou crime práticas como passada de mão, apalpada maliciosa, abraço indesejado, beijo sem permissão, masturbação em público e assédio no transporte, com penas de até cinco anos de cadeia.

Conforme o último Anuário Brasileiro da Segurança Pública, publicado em 20 de julho, todos os Estados brasileiros apresentaram alta no número de registros de importunação sexual em 12 meses.

Na sentença do mês passado no interior paulista, o juiz Igor Canale Peres Montanher disse não ter tido dúvidas quanto à prática de importunação sexual.

"Não se mostra viável que, numa sociedade estruturada, ordenada e fundada no Estado democrático de Direito, possamos normalizar um indivíduo qualquer, andando na rua, dar um beijo numa mulher desconhecida, simplesmente porque a achou bonita", escreveu em sua sentença.

No caso de Santa Cruz do Rio Pardo, a vítima aguardava o marido no local de trabalho dele, quando o réu se aproximou e disse palavras machistas. Em seguida, puxou a mão da mulher e a beijou no rosto sem consentimento, dizendo que seu real desejo era beijá-la na boca, conforme descreve o TJ.

O processo é mantido em segredo de Justiça e o réu pode recorrer em liberdade.

A Lei 13.718/18, que está completando cinco anos, foi uma resposta ao caso de um homem preso após ejacular em uma mulher em um ônibus na avenida Paulista, em São Paulo. Ele foi liberado pouco depois, após um juiz avaliar que não tinha havido estupro, mas sim importunação ofensiva ao pudor. A decisão gerou polêmica.

Até 2018, não havia no ordenamento jurídico brasileiro crimes para situações que não eram de estupro e também não poderiam ser consideradas simples contravenções penais, como o caso da masturbação no ônibus, em que agressor muitas vezes saía da polícia antes da vítima, explica a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher no estado de São Paulo.

A lei estabeleceu um crime que era necessário, afirma a policial, que já viu as mais variadas desculpas de agressores atônitos com a notícia de que não sairiam da delegacia, como a de que não estavam em sã consciência por causa de uso de remédio controlado.

"Há tolerância social muito grande para violência contra mulheres, e isso faz com que homens sintam à liberdade de tomar qualquer tipo de conduta", afirma Carmela Dell'Isola, coordenadora da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), reforçando a importância da lei, que tem a ausência de consentimento como ponto central.

"A liberdade sexual é protegida. Se não há consentimento, há importunação sexual", diz.

Dell'Isola lembra que não há situações que justifiquem a importunação, como o consumo de álcool pela vítima ou a roupa que ela estava vestindo.

Mesmo com o amparo policial e jurídico existente, é comum vítimas que não sabem o que fazer na hora ou se dão conta da violência depois, como explica a delegada Ferrari. Outras vezes, não conseguem denunciar o caso porque o agressor, desconhecido, sumiu.