Passados oito anos da implementação da Política de Cotas Raciais para o ingresso em cargos efetivos da administração direta e indireta do município, o perfil dos servidores concursados demonstra que o serviço público municipal ainda não é capaz de reproduzir a estratificação social da população de Londrina.

Para a Secretaria de Recursos Humanos, a política pública que visa a compensação das profundas desvantagens sociais está no caminho certo
Para a Secretaria de Recursos Humanos, a política pública que visa a compensação das profundas desvantagens sociais está no caminho certo | Foto: iStock

Enquanto a parcela de moradores que se autodeclara preta ou parda já superava um quarto da população (26%), conforme o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, o índice de servidores efetivos que se autodeclararam negros em 2020 foi de 18%. Já quando levado em consideração que a população preta e parda do Paraná alcançou 3,8 milhões de pessoas em 2018, ou seja, 33% do total, a disparidade é ainda maior.

Entretanto, isso não significa que a política pública que visa a compensação das profundas desvantagens sociais não esteja no caminho certo, avalia a Secretaria Municipal de Recursos Humanos.

Gestora municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina, Maria de Fátima Beraldo, lembra que a Política de Cotas Raciais no Poder Executivo surtiu os primeiros efeitos ainda em 2013, quando da contratação de agentes de endemias. “Depois, foi em um grande concurso, em 2015, com mais de 50 mil inscrições. De lá para cá, também houve influência para testes seletivos”, lembra.

Sancionada pelo então prefeito Alexandre Kireeff, então no PSD, a Lei Municipal 11.952 estabeleceu que a efetivação da medida ocorrerá no processo de nomeação do candidato aprovado. Além disso, se a décima parte do número total de vagas ofertadas resultar em fração, o total de vagas reservadas será o número inteiro mais “próximo”.

Como exemplo, no concurso recém-anunciado para a contratação de 35 guardas municipais, quatro vagas deverão ser reservadas para pessoas pretas ou pardas. Além disso, a lei também criou a Comissão de Acompanhamento do Ingresso de Afro-Brasileiros.

Servidora do município desde 2012 e integrante do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, Beatriz Batista da Silva acredita na efetividade do mecanismo de reparação, mas reconhece que oito anos ainda é "muito pouco tempo" para a consolidação de mudanças, avalia.

"A ponto de que não vemos pessoas negras ocupando cargos de decisão", pontua a servidora. "Quando partimos de muitos estudos, vemos que a formação do Brasil partiu de uma perspectiva eugenista e não adianta querer falar que isso aconteceu no passado e que a população atual não tem nada a ver", conclui Silva, que é graduada em Ciências Sociais e atua na Secretaria de Gestão Pública.

FALTAM DADOS

Se a "noção de que pessoas negras são seres humanos é uma descoberta relativamente nova em todo o Ocidente moderno", defendeu o filósofo e ex-professor da Universidade de Harvard, Cornel West, a política pública ainda "engatinha" pelos municípios da Região Sul do último país a abolir a escravidão. No artigo intitulado "Genealogia do Racismo Moderno", West aborda os fatores que, para ele, sustentaram o racismo como estrutura social e produziram formas de racionalidade, cientificidade e objetividade, além de ideais estéticos e culturais que há algumas décadas uma parcela da população busca desconstruir.

Deste modo, até mesmo a ausência de um olhar apurado e embasado em dados para a análise da efetividade de uma política pública, apenas colabora para que o tema seja alvo de "opiniões e preconceitos", concorda a servidora Beatriz Batista da Silva.

De acordo com a secretária de Recursos Humanos, Juliana Faggion Bellusci, a autodeclaração racial no âmbito do município passou a existir com a implantação do eSocial, sistema informatizado utilizado pela ampla maioria dos servidores há poucos anos. Entretanto, o índice de 18% de autodeclarados pretos e pardos na Prefeitura foi obtido na declaração do patrimônio dos servidores, cujo cadastro também passou a cobrar a cor da pele.

Para ela, esses dados demonstram que parte da população negra é contratada "também através da ampla concorrência", diz. "Em tese, como o maior empregador do município, estaríamos rumando para um caminho certo, pelo menos", avalia, levando em conta, também, que no Sul do País, a parcela da população preta e parda é inferior à média nacional, de 56%.

Ainda assim, em 2021, o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina colocou em pauta a ampliação da política, tanto em concursos efetivos como para a seleção de estagiários. O objetivo é equiparar a política municipal com a Lei Federal 12.990/14, que prevê a reserva de 20% das vagas para cargos na administração pública federal, e cuja validade foi reconhecida por unanimidade pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em 2017.

“O ideal é que seja através de Projeto de Lei porque esta é a garantia. O entendimento é que essas políticas públicas são avaliadas no sentido de não recuar. Segundo o que temos ouvido do Judiciário, o entendimento é que devem permanecer porque tiveram um resultado bastante afirmativo”, avalia a gestora municipal, Maria de Fátima Beraldo.

Questionada, a secretária lembra que a discussão ainda é bastante "embrionária", especialmente diante da urgência, também, de se discutir a inclusão de Pessoas Com Deficiência nas estruturas do Poder Público. “As discussões não se pautam só neste sentido, mas em demandas de outras populações também, então precisamos ver isso de forma equânime", pondera. Atualmente, 5% das vagas são reservadas para Pessoas Com Deficiência.

UEL

Para marcar o mês da Consciência Negra, o NEAB (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros), da UEL (Universidade Estadual de Londrina), realizou uma série de debates entre pesquisadores de instituições públicas.

Neste ano, as sete instituições estaduais do Paraná (UEL, UEM, Unicentro, UEPG, Unespar, Uenp e Unioste) passaram a integrar o Projeto "Cátedra Unesco - Universidades Estaduais do Paraná na luta contra o racismo", cujo objetivo é levar adiante discussões sobre inclusão no ambiente acadêmico de forma conjunta.

Em 2021, o Cepe (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) da UEL aprovou a adoção do sistema de cotas para os cursos de Mestrado e Doutorado da instituição. A proposta nasceu de um Grupo de Trabalho formado há um ano para propor ações afirmativas de inclusão social também na Pós-Graduação, onde o pagamento de mensalidades também passou a ser permitido, ainda antes do início da pandemia.

Entretanto, a ausência de um diagnóstico recente também tem sido um desafio para a elaboração de soluções práticas que visam a mitigação dos prejuízos causados pela pandemia na aprendizagem da parcela mais pobre dos alunos de graduação, que é formada, majoritariamente, por estudantes pretos e pardos, lembra a docente e pesquisadora, Maria Nilza da Silva. "Penso que sem um diagnóstico, é impossível ter uma política pública efetiva", lamenta.

"Quantos alunos desistiram? Quais são os índices de evasão, reprovação e adoecimento? Precisamos conhecer os gargalos. Quais são as disciplinas que reprovam mais? Diante disto, o que a universidade pode fazer? Existe algum recurso que pode ser disponibilizado para os estudantes", questiona, quando aborda a permanência no ensino superior, uma das principais demandas para a efetivação da política da cotas raciais.

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