Enquanto o Brasil e o mundo conheciam a história de sucesso do catador Tião Santos, do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), por meio do premiado documentário “Lixo Extraordinário”, o governo federal instituía a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010. No entanto, os avanços trazidos com a legislação e que demandaram longas duas décadas de discussões políticas não foram concretizados.

Desde o dia 3 de agosto, o Aterro Botuquara não é mais destino final dos resíduos sólidos urbanos em Ponta Grossa
Desde o dia 3 de agosto, o Aterro Botuquara não é mais destino final dos resíduos sólidos urbanos em Ponta Grossa | Foto: Anderson Coelho/11-9-2017

No início de agosto daquele ano, o problema dos lixões já demandava medidas profundas do poder público. Nove anos depois da aprovação, o que se pode concluir é que, mesmo com avanços, a lei 12.305/2010 não cumpriu alguns objetivos importantes, sendo o principal a substituição de lixões por aterros sanitários em todo o País.

Para o promotor de Justiça do Centro Operacional das Promotorias de Proteção ao Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Paraná, Alexandre Gaio, a política nacional trouxe diretrizes importantes no sentido de frear a produção de mais lixo. Entretanto, Gaio lamenta a pouca efetividade de Estados e municípios no cumprimento das medidas. “Conseguimos verificar que o Paraná não destoa da realidade nacional no que tange a defasagem da aplicação da Política Nacional”, lamenta.

Já para a professora do Departamento de Administração da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Lilian Aligleri, uma das coordenadoras do Nier (Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos), que reúne 12 pesquisadores de sete áreas do conhecimento, os Estados e municípios não estão conseguindo cumprir a Política Nacional em “nenhuma das suas dimensões”. O objetivo é que a expertise do Núcleo seja aproveitada pelo Poder Público.

Aligleri salienta que, embora a lei federal tenha evidenciado a prioridade de atuação das cooperativas na gestão dos resíduos, a legislação não definiu um único modelo para a estruturação da gestão. “É muito interessante que tenhamos a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Por um lado isso ótimo, por outro é um problema porque se é compartilhado, é de todo mundo. E se é de todo mundo não é de ninguém”, aponta.

Segundo dados fornecidos pelos municípios paranaenses no Plano Estadual de Resíduos Sólidos, a situação irregular dos lixões persiste em pelo menos 50% das cidades do Estado.

De acordo com os dados da Abetre (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos Efluentes), a Região Sul é a mais avançada na destinação correta dos resíduos, com 80% do material sendo depositado em aterros. As regiões do País que inspiram medidas mais urgentes são o Centro-Oeste, Norte e Nordeste, com média de mais de 80% dos resíduos indo parar em lixões. Em seguida vem a região Sudeste, com cerca de 40%.

Já de acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações de Saneamento, com base em respostas de 3.556 municípios, existem ainda hoje 1.667 lixões e 640 aterros em todo o País. No entanto, mais de 2 mil municípios não declararam a destinação final dos seus resíduos. Diante deste cenário, a Abetre estima serem necessários investimentos na ordem de R$ 2,6 bilhões para a construção de 500 aterros no País.

A FOLHA questionou diversas vezes a Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente) sobre em qual etapa o programa se encontra, no entanto não recebeu respostas. Em relação aos consórcios, Gaio apontou a importância da realização de estudos ambientais, sociais e econômicos prévios para se analisar a viabilidade de cada consórcio. “Considerando as áreas adequadas para a implantação dos aterros, a distância de transporte, afinal um dos principais fatores que elevam os custos é o transporte de resíduos, então não há razoabilidade em municípios se consorciarem se eles estão muito longe do município que vai concordar em receber estes resíduos”, elenca.

A Política Nacional aprovada em 2010 estipulou que cada prefeitura deveria desenvolver até 2012 o seu Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e o ano de 2014 como o primeiro prazo para a erradicação dos lixões. A constituição do Plano Municipal é uma condicionante para os municípios terem acesso aos recursos de programas federais.

A CÉU ABERTO

Onze mil toneladas de lixo. Esse é o volume de resíduos gerado diariamente no Paraná. No entanto, apenas 224 dos 399 municípios do Estado possuem aterros sanitários adequados e em funcionamento para a destinação correta dos materiais.

Segundo dados repassados pelo coordenador da Divisão de Resíduos Sólidos da Sedest (Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo), Laerty Dudas, há lixões a céu aberto em 163 municípios do Paraná. “Se você deixar o lixo de 15 a 30 dias sem monitoramento adequado, aquele destino final vira um lixão. Você tem que estar lá todos os dias para que o aterro também não se transforme em um lixão. O monitoramento não é barato. Para enterrar o lixo, você precisa de toda uma estrutura, maquinários, pessoal para trabalhar, solo disponível para fazer a cobertura e não é tão fácil assim”, afirma.

As dificuldades financeiras dos municípios estão entre as justificativas para a destinação inadequada. Porém, o governo do Estado estimula a formação de consórcios. Ao todo, 47 prefeituras fazem a gestão conjunta por meio de sete consórcios intermunicipais. “Um município sozinho pode não gerar volume de resíduos suficiente para fazer negócio, gerar emprego e renda. Mas, quando você faz o consórcio, o cenário muda”, destaca Dudas.

Outras cidades fazem uso das 44 unidades de transbordo itinerantes em pontos estratégicos do Estado. As estações permitem uma destinação final compartilhada e adequada, sem danos ao meio ambiente, conforme o coordenador do setor na Sedest.

Desde o dia 3 de agosto, o Aterro Botuquara não é mais destino final dos resíduos sólidos urbanos em Ponta Grossa (Campos Gerais). Com a contratação de novos destinos finais, por meio de credenciamento de empresas com aterro sanitário privado e licenciado, a administração municipal encerrou as operações no local. O funcionamento do aterro foi alvo de questionamento do Ministério Público por vários anos por desrespeitar legislação ambiental.

Levantamento feito pela Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) apontou que 3.352 municípios (ou 60% das cidades do país) despejaram 29 milhões de toneladas de resíduos em lixões ou aterros controlados que não atendiam às normas ambientais. Os dados de 2017 constam no estudo Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil. Outras 6,9 milhões de toneladas de resíduos nem chegaram a ser coletadas naquele ano no País.

Em maio, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Programa Nacional Lixão Zero. O objetivo é fazer um diagnóstico do cenário nacional e viabilizar recursos e linhas de financiamento para estados e municípios investirem no setor. O programa estimula a formação de consórcios para o manejo de resíduos e estuda formas de solucionar o problema ambiental. O Paraná deve pleitear recursos por meio do Lixão Zero. Os valores necessários para as melhorias ainda não foram estimados.

LONDRINA

Em Londrina, em abril de 2018, um decreto-lei criou o Comitê Diretor e o Comitê de Sustentação do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. À época, o objetivo era contratar uma empresa que elaboraria o termo de referência do Plano Municipal. Mas, de acordo com o secretário municipal do Meio Ambiente, José Roberto Behrend, essa ideia foi abandonada e, por enquanto, não há data prevista para a conclusão.

Com a verificação que temos uma equipe de excelência dentro do quadro da própria administração, um Plano construído internamente é muito mais propício de ser implementado na sua íntegra em vez de ser feito por uma empresa terceirizada”, explica.

Em maio deste ano, o deputado federal Fernando Monteiro (PP-PE) protocolou na Câmara dos Deputados o projeto de lei 3189/2019, que estipula o período entre 2020 e 2024 como data limite para o fins dos “lixões” a depender do tamanho de cada município. Segundo o texto, baseado no relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), os primeiros a apresentarem resultados seriam as capitais.

Para o promotor Alexandre Gaio, a aprovação do PL acabaria colaborando com a manutenção de uma ilegalidade ambiental em âmbito nacional. “A existência de um lixão é um ilícito permanente. Não tem como se pensar em estender os prazos. O que a Política Nacional estabeleceu foi um prazo máximo para fins, inclusive, de recebimento de financiamentos do governo federal, mas em nenhum momento disse que é legal permanecer com os lixões. Por mais que se estabeleça um prazo estendido, isso não quer dizer que não persista uma situação de ilegalidade, de dano ambiental e eventual prejuízo ao patrimônio público”, aponta.