Por que a polícia paranaense matou 4,5 vezes mais que a gaúcha em 2022? Por que, em Londrina, foram mortas mais pessoas durante ações das forças de segurança que em todo o estado de Santa Catarina? Por que morreram mais paranaenses que paulistas nas mãos dos policiais no ano passado?

Essas foram algumas das perguntas que a empresária londrinense Hayda Mello fez durante a audiência ‘Letalidade policial e o uso de tecnologias na segurança pública’, realizada quarta-feira (16), na Assembleia Legislativa, em Curitiba.

Hayda participou da mesa de debates representando o Movimento ‘Justiça por Almas – Mães de Luto em Luta’, formado por familiares de pessoas mortas pelas polícias na região de Londrina. Seu único filho, Willian Jones Faramilio da Silva Junior, foi baleado pela PM próximo à UEL dia 6 de maio de 2022. O jovem tinha apenas 18 anos. Junto com ele, foi morto Anderbal Campos Bernardo Júnior, de 21 anos.

No total, 10 familiares londrinenses foram até a capital participar da audiência.

Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), 488 pessoas foram mortas pelas forças de segurança no Paraná no ano passado, sendo 50 em Londrina. Quase a totalidade dos casos ocorreram em ações da Polícia Militar. Mas também entram nessa conta mortos pela Polícia Civil e pelas guardas municipais.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública traz um número um pouco menor. Segundo a entidade, o Paraná teve 479 Mortes em Decorrência de Intervenção Policial (MDPIs) em 2022, sendo o quinto maior número de ocorrências, atrás da Bahia (1.464), Rio de Janeiro (1.330), Pará (621) e Goiás (538).

No Paraná, as MDIPs vêm aumentando ano a ano, tendo crescido 77% desde2017, quando foram 276 casos. Em São Paulo, que adotou as câmeras corporais nos uniformes da PM, as estatísticas estão em queda. No ano passado, pela primeira vez, foram registradas menos mortes de paulistas (419) que de paranaenses. A população de São Paulo é quatro vezes maior que a do Paraná.

No Rio Grande do Sul, que tem população do mesmo tamanho que a paranaense, foram 106 mortes. E, em Santa Catarina, 44.

Imagem ilustrativa da imagem Polícia do Paraná matou 4,5 vezes mais que a gaúcha

OLHO VIVO

O proponente da audiência pública, deputado Renato Freitas (PT), disse ser necessário que a sociedade fiscalize a atividade policial. “O uso da tecnologia ajuda muito, e isso já está demonstrado, como é o caso das câmeras corporais no fardamento policial. Exemplo é o Batalhão do Programa Olho Vivo, em São Paulo. Após a instalação das câmeras, houve uma redução de 85% da violência letal”.

A Polícia Militar alega que as mortes são decorrentes de confrontos. Que, durante abordagens, os civis reagem armados e os agentes não têm alternativa a não ser atirar para se defender.

Mas, os familiares organizados pelo Justiça por Almas, de Londrina, e pelo Movimento Nenhuma Vida a Menos, de Curitiba, alegam que seus filhos foram executados. Dizem que os confrontos são forjados pelas policiais. Muitas mães sustentam ter informações de que os filhos estavam desarmados e que as armas localizadas nos locais das mortes foram “plantadas” pelos agentes de segurança.

Prisões de policias paranaenses suspeitos dessa prática em operações do Gaeco levam os familiares acreditarem ainda mais nessa hipótese.

SÓ GAECO

Sem representantes do governo do Estado, que não foram convidados, nem de deputados da situação, que apesar de convidados não compareceram, sobrou para o promotor do Gaeco em Curitiba, Denilson Soares de Almeida, responder às queixas dos familiares.

“Meu filho era estudioso e o sonho de ele de formatura foi impedido. A lembrança de formatura dele que ficou para mim é a do prezinho. O senhor é feliz por ter a formatura do filho para ir”, disse a agente de saúde comunitária londrinense Marilene Ferraz da Silva Santos, cujo filho Davi Gregório Ferraz dos Santos foi morto pela PM na Vila Recreio, com apenas 15 anos, dia 15 de junho de 2022.

A mãe se irritou com o fato de o promotor ter iniciado sua participação na audiência dizendo que não poderia ficar até o final pois iria à formatura do filho. “Minha pergunta é quem vai corrigir esse erro de eu não poder ir na formatura do meu filho?”, questionou Marilene.

“Antes de mais nada, estou do lado de vocês. Eu entendo a dor de todos”, disse o promotor. Ele afirmou que o Ministério Público vem se empenhando em reduzir letalidade policial no Estado. Disse que na maioria dos casos é difícil produzir provas. E que a tecnologia, como as câmeras de segurança nos uniformes dos policiais, é uma aliada importante.

Almeida lembrou do esforço do Gaeco na operação Fish, que culminou na prisão dos PMs gêmeos, em Guaratuba. A dupla era muito temida no Litoral e, entres os crimes que cometiam, estão as fraudes processuais. Eles forjavam confrontos para executar pessoas.

O promotor ressaltou que não é fácil encontrar provas quando se trata de mortes em ações policiais, já que normalmente elas ocorrem em locais isolados. Mas, na operação Fish, havia materialidade evidente nos celulares dos presos.

Além disso foi encontrado com eles um saco com a inscrição: ‘kit primeiros-socorros’. Dentro, estavam drogas e armas que usavam para colocar junto aos corpos das pessoas que executavam.

A londrinense Anna Paula da Silva, que também foi à audiência, teve seu filho Matheus Henrique da Silva morto pelos gêmeos aos 17 anos, em Guaratuba. Ela havia mudado para litoral porque o adolescente estava sendo ameaçado de morte em Londrina.

FICHA CRIMINAL

O promotor também foi questionado pela mãe Hayda Mello sobre a postura dos investigadores, tanto da Polícia Civil, quanto do Ministério Público que, segundo ela, estão mais preocupados em investigar os “antecedentes criminais” dos mortos que a postura dos policiais. Ele negou que isso aconteça no Gaeco. “Para nós, não importam os antecedentes de quem morreu. Pode ter um km de antecedentes que não vai ser diferente”, garantiu.

Almeida diz que não ser possível zerar as mortes em confrontos porque o Brasil é um país violento com mais de 40 mil mortes violentas intencionais por ano. E que, em muitas situações, as polícias precisam agir com mais força. “Mas temos de zerar as execuções. Pessoas que não reagiram armadas não podem ser mortas pelas polícias.”

Representante da Rede Nenhuma Vida a Menos e professora da Rede Municipal de Piraquara (Região Metropolitana de Curitiba), Suzete dos Santos, também participou da mesa de debate. Ela contou que espera para breve o julgamento dos policiais que mataram seu filho, Ruhan Luiz dos Santos Machado, 20 anos de idade, em outubro de 2018. “Um será julgado por homicídio e outro por fraude processual. Eles plantaram a arma no local onde meu filho foi morto.”

E criticou a fala do promotor de que parte das mortes são inevitáveis. “Se é normal ter tantas mortes, não precisa ter Gaeco. A gente volta à barbárie. Olho por olho, dente por dente.”

DEFENSORIA

A defensora pública Andreza Lima de Menezes, responsável pelo Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (Nupep) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), também participou da mesa da audiência. Ela contou que o órgão publicou uma nota técnica com diversas sugestões para combater a letalidade policial no Paraná.

O documento é resultado de um estudo de mais de 300 casos de mortes decorrentes de intervenção policial no Paraná em 2022. “As investigações via de regra começam pela própria Polícia Militar. São os IPMs (inquéritos policiais militares). Normalmente a Polícia Civil passa a investigar na sequência”, disse.

Para ela, investigações feitas pela própria corporação carecem de isenção e, por isso, sugere que seja adotada uma prática já existente em Goiás, na qual só a Polícia Civil e o Ministério Público investigam as mortes em ações policiais.

Entre as conclusões do estudo feito por ela, também estão a de que, em mais de 50% dos casos, os policiais alteraram a cena da morte, o que dificulta ou inviabiliza as investigações.

Além disso, segundo o estudo, 38% dos mortos pela polícia no Paraná em 2022 nunca tiveram passagem pela polícia e menos de 1% dos casos geraram processo na Justiça.

Número de mortes já caiu, diz promotor

O promotor Denilson Soares de Almeida, do Gaeco, diz que os números de mortes em ações da polícia terão uma redução significativa pela primeira vez desde 2017 neste ano. Danos preliminares fornecidos pela Rone, segundo ele, já mostram queda.

Ele comparou estatísticas entre dois períodos: agosto de 2021 a julho de 2022 e agosto de 2022 a julho de 2023. “O número de confrontos da Rone caiu de 82 para 36 e o de mortes de 131 para 54”, contou.

A hipótese mais plausível para essa queda, segundo ele, foi o afastamento de 13 PMs da Rone em dezembro do ano passado na Operação Vehmico, nome referente aos tribunais secretos realizados na idade média, no qual a única pena possível era a morte. “Percebemos que após o afastamento os casos começaram a diminuir.”

Não que os 13 fossem responsáveis por todas as mortes. Mas a punição dada a eles teria feito com que a corporação como um todo ficasse mais cuidadosa. “Houve um efeito educativo.”

Para o promotor, é importante que a sociedade cobre que todas as viaturas sejam monitoradas pelo GPS. E que todas as comunicações realizadas pelos policiais sejam gravadas. Além, é claro, da adoção das câmeras nos uniformes dos PMs.

“Não podemos afirmar se esse resultado (de queda nas mortes) será permanente ou temporário. Temos a percepção de que, se todos os policiais utilizarem câmeras, esse efeito será mais robusto.”

Londrina no topo da letalidade policial

Londrina é uma das cidades com maior índice de mortes em ações policiais do estado. No período de 2017 a 2022, foram 226 casos. Isso representa um índice de 4,07 óbitos para cada grupo de 10 mil habitantes.

As vizinhas Cambé e Ibiporã também estão no topo da letalidade policial, com 4,01 e 5,23 mortes para 10 mil habitantes respectivamente.

Os municípios da região metropolitana de Curitiba, Colombo (7,67), Campo Magro (5,69) e Piraquara (5,56), são os mais violentos do Paraná.

A própria capital tem um índice menor que Londrina e região (3,15).

Outras cidades importantes do Estado como Foz do Iguaçu e Ponta Grossa apresentaram 2,31 e 1,09 mortes por 10 mil habitantes nesses seis anos.

Maringá e Cascavel estão entre os municípios com menos morte proporcionalmente ao tamanho da população. São respectivamente 0,9 e 0,8.

Governo ressalta eficiência da polícia

A reportagem solicitou uma entrevista na Secretaria do Estado de Segurança Pública (Sesp) sobre as mortes em ações policiais. Mas a assessoria enviou apenas um link para o site da Agência Estadual de Notícias (AEN):

https://www.seguranca.pr.gov.br/Noticia/Numero-de-homicidios-cai-87-no-semestre-no-Parana-segundo-menor-indicador-em-dez-anos

O texto trata da redução de crimes graves no Paraná neste ano. Entre eles os de homicídios dolosos, que caíram 8,7% no primeiro semestre. “A queda no número de homicídios neste primeiro semestre mostra que as polícias estão cada vez mais preparadas para combater ocorrências criminais”, afirmou o secretário de segurança, Hudson Leôncio Teixeira, segundo o texto da AEN.