Polícia de sutiã
A Polícia Militar do Rio de Janeiro, metendo-se a defensora do pundonor público e entendendo que exposição de seios na praia – no caso, o Recreio dos Bandeirantes – estaria configurando ultraje público ao pudor, na forma do artigo 233 do Código Penal, provocou o folclore policial da semana.
Toda vez que policial pensa que é jurista acontece isso. A rigor, já temos pouquíssimos juristas – refiro-me aos que são dignos de usar o título e não os meros integrantes da República dos Bacharéis, aquela que não consegue despertar a Nação dentro do País – mas o episódio carioca tranformou-se em vexame mundial.
Todo o poder excessivo dura pouco, diria Sêneca. Burke acrescentaria: quanto maior é o poder, tanto mais perigoso é o abuso. Napoleão Bonaparte, antes de Waterloo, disse, o que ele mais admirava neste mundo era a impotência da força. ‘‘Dos dois poderes, força e inteligência, é sempre a força que é vencida’’. Nosso Rui Barbosa – este sim, um jurista – ensinava que poder não é ter a obrigação de fazer alguma coisa, não é estar adstrito a praticar alguma ação. É ter o direito, a competência, a autoridade para uma função, para um ato, para uma coisa, observava a Águia de Haia. Assim, segundo Rui, se usará dessa autoridade, dessa competência, quando caiba, quando importe. Não obrigatoriamente.
Chega de citações, voltemos ao topless. Os juristas fardados, caminhando pela praia armados até de fuzis (foi cômico: arma possante contra seios) prenderam uma mulher, e também o marido dela, acusado de ‘‘resistência a um ato legal’’. Ah, Stanislaw Ponte Preta, você morreu mas uma de suas geniais criações - o Festival de Besteira que Assola o País (Febeapá) – continua sendo mais realidade do que ficção.
Os juristas fardados apoiados pelo bacharel delegado que enquadrou e arbitrou fiança, criaram uma embrulhada fantástica. O tal artigo 233 fala no ato obsceno em lugar público. Os falsos juristas confundiram nudez com falta de sutiã. Temos mais, porém: na madrugada dessa baixaria na praia, três mulheres que estavam na fila de uma escola para matricular os filhos, na Pavuna, foram atacadas por homens armados e estupradas. A Polícia nem pensou em aparecer no local. Não sei o que é mais vergonhoso: este caso, topless e Candelária, seios descobertos e Vigário Geral. Só sei que os policiais pisaram na bola na cidade cheia de estrangeiros neste janeiro, assistindo a essa palhaçada, mesmo porque eles não atacam ninguém na Marquês da Sapucaí. É tão ridículo que é melhor parar por aqui.
Na semana em que o Ministério da Defesa ficou sem Élcio Álvares (aquele que foi mas nunca deveria ter sido) é bom lembrar que na Constituição de 88 mudou-se um conceito ao se atribuir à PM a função de preservar (não mais manter, como antigamente) a chamada ordem pública, que em momento algum esteve ameaçada nas praias do Rio. Para os legalistas, importante acrescentar, ainda, que em casos como o do artigo 233, alguém precisa se considerar ofendido e representar formalmente contra quem estivesse ferindo seus princípios. Por causa de bobagens assim é que se repete na Justiça o que já se fez na Polícia. Quer dizer: pelos atos de alguns, a instituição inteira paga o pato, porque acaba levando a fama de não ser confiável, arbitrária e em relação a ela sempre ter um pé atrás. Quando não se usa o cérebro, a instituição padece. E como.
A propósito, a mudança no Ministério da Defesa – uma mera troca de seis por meia dúzia – está longe de atender as aspirações do povo brasileiro. Este, não se preocupa com invasões externas (embora nas nossas fronteiras contrabandistas traficantes deitem e rolem) mas com os graves problemas internos. Seria muito bom que se acostumasse a pensar em Defesa e Segurança Pública. As Forças Armadas, sabemos muito bem o que fazem e não fazem. A Polícia continua mergulhada em cisões, conceitos e palpites. Que geram episódios como o do topless. Queremos ser País do futuro? Desse jeito é que não seremos. O comando policial recuou para o vexame não ter repetição. Ainda bem que, no mais, o Rio continua lindo.