Uma das séries de televisão mais famosas do mundo, a americana CSI – Crime Scene Investigation – faz sucesso entre fãs do gênero policial. Nela, investigadores forenses são treinados para resolver crimes analisando minuciosamente diversas evidências e encontrando os culpados. Algumas situações parecem inacreditáveis, como as imagens de nitidez incrível vindas de absolutamente qualquer câmera de segurança perdida pelas ruas da cidade – é só dar um zoom e, pronto, detalhes distantes aparecem como mágica para os investigadores. Outras são exageradas. Os exames de DNA, por exemplo, saem em minutos, não há qualquer contaminação cruzada em amostras e, acima de tudo, nunca tem fila de espera. Mas o que há de real no mundo da ficção é a extrema importância da Polícia Científica e seus peritos na descoberta de provas fundamentais para auxiliar o trabalho da Justiça.

“O trabalho é de extrema responsabilidade. Uma prova pericial é muito mais forte que uma testemunhal”, destaca Bucharles
“O trabalho é de extrema responsabilidade. Uma prova pericial é muito mais forte que uma testemunhal”, destaca Bucharles | Foto: Fabio Alcover/15-3-2017

Um exemplo disso está no audiodocumentário “Banco dos Réus”, lançado em maio pela Folha de Londrina. O episódio três traz a história da professora de música Estela Pacheco, assassinada em outubro de 2000, em Londrina. O corpo foi encontrado caído no térreo do prédio do pecuarista Mauro Janene, que deu várias versões para a queda. Em uma, Pacheco teria se desequilibrado e caído; na outra, ele teria derrubado a professora acidentalmente. E foi o trabalho dos peritos que descobriu um elemento crucial para o caso: a análise da mancha hipostática, ou seja, a presença de sangue estagnado na pele do cadáver, permitiu concluir que a morte havia ocorrido horas antes da queda.

“Nosso trabalho é de extrema responsabilidade. Uma prova pericial é muito mais forte que uma testemunhal, por isso é bastante requisitada e importante para a Justiça. Muitas vezes, é aquilo que vai decidir se um cidadão vai ser condenado ou não”, destaca o diretor do Instituto de Criminalística de Londrina, Luciano Bucharles, que está há 28 anos na profissão.

Ao longo das quase três décadas, acompanhou de perto a evolução da tecnologia, que hoje faz a diferença no trabalho. “Nosso atendimento nos locais, a dedicação e atenção na busca dos detalhes durante uma perícia, é basicamente a mesma lá do início. Mas hoje temos equipamentos mais modernos, a parte de laboratório evoluiu muito, há a parte de informática, ao analisar informações de computadores e celulares. Tudo isso com certeza ajuda no dia a dia de agora”, avalia.

Já o presidente do Sinpoapar (Sindicato dos Peritos Oficiais e Auxiliares do Paraná), Alexandre Guilherme de Lara, perito criminal desde 2009, encara o trabalho como uma missão. “Além de ter um impacto psicológico na vida do perito, é uma missão importante. Às vezes somos a última voz da vítima, com um trabalho que pode elucidar ou trazer informações para uma investigação que ainda não tem a menor linha de orientação. E não é só condenar, às vezes é inocentar um inocente, que seria condenado por algo que não fez. Por isso, nosso trabalho precisa ser independente, sem sofrer influências”, afirma.

O IC (Instituto de Criminalística) foi criado em maio de 1935, com o nome de Laboratório de Polícia Técnica. Já o IML (Instituto Médico Legal), mais antigo, foi instituído no Paraná em 1892. Ambos ficaram integrados à Polícia Civil até o ano de 2001, quando uma Emenda Constitucional Estadual desvinculou a Polícia Científica da Civil, unindo as instituições e as subordinando apenas à Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública).

Em 2020, o IC recebeu 90.527 requisições de exames — 8.860 deles em Londrina. Entre os tipos mais requisitados estão os de lesão corporal, de substâncias químicas, balística e genética molecular forense, o popular DNA, uma das referências do órgão.

O Estado possui um banco de DNA integrado com laboratórios de todo o Brasil, que dispõe de mais de 110 mil perfis genéticos, sendo 5.582 mapeados pelo IC paranaense desde a criação do arquivo.

Foi essa tecnologia que permitiu, por exemplo, a solução do caso Rachel Genofre, garota encontrada morta dentro de uma mala, com sinais de violência sexual, na Rodoferroviária de Curitiba, em novembro de 2008. Após mais de dez anos, o caso foi elucidado quando um condenado por outro crime ingressou no banco de perfil genético pelo estado de São Paulo.

Outro caso emblemático foi o do menino Leandro Bossi, desaparecido em 1992. Uma nova análise genética de ossos encontrados há 30 anos permitiu a identificação do material, no início de junho.

“Apesar de ser a instituição mais jovem dentre as vinculadas à Segurança Pública do Estado, a Polícia Científica possui uma base muito sólida de conhecimento que está sendo alimentada por nossos profissionais. Através da ciência, temos alcançado bons resultados e desenvolvido nossos métodos, fazendo com que a justiça prevaleça. Nosso papel na sociedade tornou-se indispensável”, destaca o diretor-geral da Polícia Científica, Luiz Rodrigo Grochocki.

A rotina de trabalho é intensa, mas gratificante, segundo Bucharles. “É um trabalho atípico, porque a gente vê as coisas ruins da vida. Cenas que ninguém imagina que tenha, a gente vê e acabam sendo marcantes. Todo trabalho tem vantagens e desvantagens, eu acho que superei as desvantagens. Gosto muito do que faço. Mas com certeza uma pessoa sai diferente do que entrou passando por esse trabalho”, resume.

Para Lara, é preciso encarar ainda o “efeito CSI”. “A série cria uma expectativa muito grande em relação à perícia. Quando estamos coletando vestígios em uma cena de crime, às vezes já comemoramos ao achar dois ou três. Na série eles conseguem mais de 20, com uma facilidade extrema. Não é bem assim na vida real”, pondera.

Além dos impactos do cotidiano, Bucharles observa ainda os gargalos da atuação. “Pessoal e tecnologia são os maiores desafios hoje, não só aqui, mas no mundo todo. Em nenhum lugar no mundo existe o número ideal de funcionários para a demanda, por exemplo. Até no FBI existe demanda maior do que equipe, tem fila de espera. Então, da mesma forma que há carências em outras áreas, como saúde e educação, nós lutamos diariamente para dar conta do trabalho. Um perito aqui em Londrina emite mais de 400 laudos por ano, alguns demoram mais porque há uma demanda maior. Mesmo assim, superamos as dificuldades para entregar o melhor para a população”, argumenta.

Recentemente, a Sesp nomeou 91 novos servidores para atuar na Polícia Científica do Paraná. Segundo a pasta, em 2019 o efetivo era de cerca de 19% do quadro programado, que tem 1.478 vagas. Por conta da crise econômica mundial e da pandemia da Covid-19, houve restrições de contratação de servidores nos anos de 2020 e 2021. Nos últimos quatro anos, a instituição recebeu 315 novos profissionais.

“O concurso para integrar a Polícia Científica é muito difícil, muito concorrido, então são talentos que estamos recebendo. O curso de formação tem uma grade inédita, com trilhas de conhecimentos para que sejam desenvolvidas competências para chegarmos aos resultados que objetivamos, que são os exames periciais”, afirma Grochocki.

“Estamos defasados em pessoal e isso gera fila, demora, com uma demanda muito maior que a capacidade. É algo sério, porque se você precisa analisar vísceras, por exemplo, você tem um prazo para fazer, então a fila é inimiga da perícia, já que existe a possibilidade de se perder indícios”, lamenta Lara.

No último dia 21, uma manifestação reuniu a categoria em Curitiba, na cobrança por melhores salários. “Acumulamos mais de 35% de perdas salariais. Lutamos por um direito constitucional, que é a reposição inflacionária, temos conversado constantemente com o governo. A questão também não é só pagar mais, mas conseguir reter os bons quadros em uma carreira que desgasta muito. Apesar de tudo, a gente não deixa de lutar e fazer o melhor”, finaliza o presidente do Sinpoapar.

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