SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando a produtora audiovisual Patrícia Barretos, 50, começou a separar o seu próprio lixo para reciclagem –coisa de 20 anos atrás– coleta seletiva ainda era uma raridade. "Era muito difícil. Não tinha nem caminhão para recolher", diz. Por muitos anos, ela teve de levar todo o material até postos ou cooperativas que pudessem recebê-lo.

Ainda hoje em dia, no prédio em que mora, na Santa Cecília, centro de São Paulo, não há divisão dos resíduos –apesar dos seus insistentes pedidos. Pelo menos agora, afirma ela, o caminhão para reciclados passa na porta, e fica mais fácil o descarte.

Nestas duas décadas, Patrícia conta que foi ficando cada vez mais preocupada com o assunto. Na pandemia do coronavírus e passando mais dias em casa, isso se acentuou. "Se antes eu era a 'louca do lixo', agora virei a 'louca do plástico'"

Mais até do que reciclar, a produtora tem procurado reduzir a sua produção de lixo. Evita ao máximo, por exemplo, o consumo de produtos que tenham embalagens descartáveis, e muitas das suas compras são a granel. "É um caminho sem volta. Quanto mais você sabe sobre o assunto, mais consciente você vai ficando", afirma.

Segundo dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) de 2018, cada brasileiro produz por dia cerca de 1,039 kg de lixo. Grande parte disso vai para os aterros sanitários, já que só 22% das cidades brasileiras têm coleta seletiva, de acordo com pesquisa realizada pelo Cempre (Compromisso Empresarial pela Reciclagem).

Durante a pandemia, segundo levantamento da Abrelpe, o número de materiais recicláveis coletados pelos serviços de limpeza aumentou 28% em maio, e 30% em junho na comparação com o mesmo período de 2019. Para a entidade, isso evidencia o crescimento do consumo dentro das casas de alimentos prontos (os deliveries de restaurantes, por exemplo).

O problema é que isso não se reverteu em um aumento da reciclagem em si. "Já que boa parte do volume coletado tem sido encaminhado para unidades de disposição final [aterros sanitários] devido o fechamento ou diminuição da atuação nas unidades de triagem em diversas cidades”, diz Carlos Silva Filho, diretor presidente da Abrelpe.

São Paulo continuou com a coleta seletiva e e é um dos poucos locais que possui dois centros de triagem mecanizados que, portanto, não deixaram de funcionar durante a pandemia. As 24 cooperativas de reciclagem, porém, seguem fechadas como prevenção contra o coronavírus.

Em 2014, a designer Cristal Muniz, 29, leu uma reportagem sobre uma jovem americana, a Lauren Singer, do blog Thash for Tossers, que estava "vivendo uma vida lixo zero". Na mesma hora, ela conta que teve a ideia de seguir pelo mesmo caminho.

"Eu tinha ido morar sozinha e ficava muito incomodada com a quantidade de lixo que produzia sempre. Mesmo separando, a maior parte eram resíduos não-recicláveis dessa coleta seletiva que temos (embalagens de comida suja e impossíveis de limpar e reciclar, areia da gata, lixo do banheiro, lixo orgânico da cozinha) e isso me deixava muito incomodada, porque eu sabia que nada ia ser feito com isso depois", relata.

Para compartilhar o que estava aprendendo, Cristal criou o blog Um Ano Sem Lixo. Em pouco tempo, ela conta que o projeto cresceu e ficou inviável conciliar com o seu trabalho como designer. Decidiu, então, ficar só com o blog dando palestras, cursos e produzindo o conteúdo para todas as redes da iniciativa, que passou a se chamar Uma Vida Sem Lixo. Esse também é o nome do livro, que ela lançou em 2018. No Instagram, o projeto tem 252 mil seguidores.

Ela afirma que nunca teve nenhum "desafio gigante" no processo de reduzir ao máximo o que gerava de resíduos, porque o seu motivo por trás sempre "foi muito forte" e as mudanças foram acontecendo aos poucos. "Minha tática foi atacar o que menos gostava de produzir primeiro, troquei os absorvente pelo coletor menstrual, deixei de jogar 'fora' o lixo orgânico e transformo ele em adubo no apartamento com uma composteira doméstica", explica.

Para ela, a vida ficou mais simples e prática, porque foca no essencial. Embora veja que é importante reciclar, Cristal destaca que não se pode colocar todas as esperanças nisso. Para ela, é essencial gerar menos lixo. "A gente, enquanto pessoas, e a gente, enquanto empresas, precisa pensar em produzir menos lixo, pensando lá no projeto de design dos produtos e embalagens, que eles sejam feitos para serem reciclados ou reaproveitados, e em casa pensando no que dá para nem levar para casa", afirma.

Ana Maria Luz, do Instituto GEA - Ética e Meio Ambiente, compartilha de opinião semelhante. Para ela, é preciso reduzir o consumo em todos os aspectos, desde a comida que se faz a mais e acaba jogando fora até a aquisição de aparelhos eletrônicos. São também mudanças pequenas, do dia a dia, como deixar de pegar uma sacola a cada vez que vai à farmácia, e dispensar os talhares descartáveis e guardanapos quando pedir comida em casa.

"Cada produto que você comprou, usou e depois jogou no lixo, você usou recursos naturais do planeta. Toda vez que você retirou recursos naturais da terra e aquilo foi para o lixo e depois para o aterro, você está tirando elementos que são finitos na terra. Petróleo, areia, bauxita, por exemplo, são finitos", destaca ela.

Embora muitas ações precisem ser feitas pelo poder público, é importante que cada um faça a sua parte, reforça ela, reduzindo o consumo e reciclando o que é possível. "Não é tão difícil você separar e mandar para reciclar um produto, e você salvou um monte de coisa, água, energia, e ainda deu emprego para um monte de gente [catadores]. É uma escolha", conclui.

Para quem ficou assustado ao passar mais tempo em casa e se dar conta da quantidade de lixo que produz, a dica dos especialistas é começar pela separação dos resíduos. O jeito mais fácil e que também é eficaz é dividir em dois: orgânico e reciclável.

"São só duas lixeiras, não dá muito mais trabalho colocar na do reciclável as embalagens limpas e secas, e na outra os resíduos como resto de comida, papel higiênico [usado] ou absorventes", indica Cristal Muniz, autora do blog Uma Vida Sem Lixo, projeto em que se dedica a reduzir ao máximo a geração de resíduos.

Também é fundamental conferir se o lixo está indo para reciclagem de fato. "Se você separar, mas seu prédio não, foi esforço em vão. E isso não significa que você deve parar de reciclar, mas, sim, que você deve cobrar do prédio que passe a separar", disse. Mesmo em cidades que têm serviço de coleta seletiva, muitos condomínios não adotaram a ação.

A funcionária pública Daniela Padilha, 36, conta que desde que morava com a sua mãe já fazia a separação do lixo. Assim que casou, continuou com a iniciativa, mas logo descobriu que o seu condomínio não faz a divisão dos resíduos. "Eu e meu marido tentamos fazer certinho, pena que vai para a lixeira do prédio e não tem separação", diz ela, que mora em Guarulhos, na Grande SP.

O que fazer? Os especialistas indicam que o próprio morador pode levar até pontos de entrega voluntária (PEV) ou associações de catadores. Nesse quesito, o site Ecycle pode ajudar a encontrar esses locais de entrega. Há também o aplicativo Cataki, que conecta quem quer descartar com um catador. "É uma saída também para ajudar os catadores, já que muitos ficaram sem renda por causa da crise do coronavírus", diz a ambientalista Ana Maria Luz.

Segundo Cristal Muniz, uma das dúvidas que mais costuma receber de seguidores é como descartar algumas coisas específicas. De fato, diz ela, esse é um tipo de informação inconsistente e "difícil de achar mesmo".

"Como a coleta é em municípios e a reciclagem acontece de acordo com o que o mercado compra, em algumas regiões alguns materiais tem quase nenhum valor comercial e acabam sendo descartados, mesmo tendo uma reciclabilidade altíssima. É o caso do vidro: ele pode ser reciclado infinitas vezes, vidro novo pode ser feito exclusivamente de vidro velho, mas em muitas cidades do Brasil, por falta de mercado, esse material vai pros aterros e não é reciclado, mesmo sendo mais eficiente que o plástico na reciclagem."

Ana Maria Luz comenta também sobre o lixo eletrônico que é "hiper-complicado", especialmente pilhas. "Não tem valor econômico. Ao contrário, para dar uma destinação completa, precisa de um processo industrial super caro. É o negócio que ninguém quer", afirma. Em algumas cidades, existem projetos e lojas que recebem o produto e dão a sua destinação correta –serviço que ficou prejudicado agora na quarentena, diz ela.