Fenômeno registrado desde o início da pandemia da Covid-19, o crescimento do número de casos de violência contra a mulher não pode ser explicado apenas pelo maior tempo em que vítimas e agressores passaram juntos em casa. De acordo com uma pesquisa que ouviu mais de duas mil pessoas em 130 cidades do País, a dependência financeira, aliada à perda do emprego e da renda, foram os fatores que mais contribuíram para a exposição destas vítimas à violência.

Imagem ilustrativa da imagem Perda de emprego e renda deixa mulheres mais expostas à violência
| Foto: iStock

A correlação entre violência e dependência financeira se torna ainda mais recorrente no caso de vítimas que moram em periferias, conforme já apontavam coletivos e grupos que atuam na rede de proteção destas mulheres. Realizada a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a terceira edição da pesquisa “Visível e Invisível - A vitimização de mulheres no Brasil” ouviu 2.097 pessoas entre os dias 10 e 14 de maio.

Conforme apontou a diretora executiva do Fórum, Samira Bueno, o Brasil não foi o único país que registrou crescimento nos índices de violência. No entanto, pelo fato de não ter realizado um lockdown rígido, o que “pesou” mais foram mesmo os fatores de ordem financeira na comparação com o maior tempo de convivência.

“Temos um índice de desemprego recorde, metade da população em insegurança alimentar. Como a mulher coloca o marido para fora de casa se não tem dinheiro para os filhos comerem?”, questiona.

Dentre as vítimas de violência, 25% reconheceram que a perda do emprego e da renda e a impossibilidade de garantirem o próprio sustento foram os fatores que mais colaboraram para a concretização das agressões. Enquanto isso, 22% culparam o maior tempo de convivência com seus agressores. Por outro lado, menos de 10% apontaram a dificuldade de ir à delegacia para registro do Boletim de Ocorrência.

Segundo o Datafolha, a ampla maioria (74%) dos entrevistados não pôde migrar para o home office justamente por desempenhar funções consideradas essenciais ou que não possuem condições de serem realizadas de forma remota, caso das diaristas, por exemplo. Dos entrevistados que passaram a trabalhar remotamente, 41% possuem nível superior, 45% pertencem à classe A e 37% à B. “A mulher mais vulnerável, negra, periférica, em idade reprodutiva, não pôde se dar esse luxo”, afirma Bueno.

O apontamento também é compartilhado pela londrinense Sandra Aguilera, integrante do coletivo Black Divas. “A condição da mulher negra na sociedade brasileira é de invisibilidade e inferiorização. Corpos femininos negros sempre estiveram mais expostos e, dos anos 1970 para cá, o movimento feminista negro vem denunciando essa invisibilidade e produzindo uma vasta e ampliada discussão sobre o lugar da mulher negra na nossa sociedade”, afirma.

A pesquisa também revelou que a precarização das condições de vida foi maior entre as que sofreram violência: 62% das mulheres vítimas afirmaram que a renda familiar diminuiu. Entre as que não sofreram, o percentual foi de 50%. Além disso, 47% das que sofreram violência também perderam o emprego. A média entre as que não sofreram violência foi de 29,5%. A pesquisa não verificou diferenças entre as respostas de mulheres vítimas de violência e as demais sobre o tempo de permanência em casa.

Mulheres separadas e divorciadas (35%) foram as vítimas mais recorrentes. Este grupo ficou à frente do das solteiras (31%), viúvas (17%) e casadas (17%) no levantamento do perfil destas vítimas, demonstrando que muitas acabam sendo agredidas após ou durante o término do relacionamento.

Para a coordenadora do Numape (Núcleo Maria da Penha), da UEL (Universidade Estadual de Londrina), a professora do Departamento de Direito Privado, Claudete Canezin, é possível dizer que o momento em que a vítima decide romper com a violência é também o de maior vulnerabilidade. Embora o risco de ser agredida seja constante, o medo não pode impedir a separação. “É muito difícil. Por isso, a rede de proteção aqui em Londrina é muito atuante. Não tem em todas as cidades. Mas para termos uma medida para resolver esse momento, ir sedimentando a separação, isso ainda não tem jeito”, avalia.

O Núcleo atua em conjunto com a Delegacia da Mulher e a Patrulha Maria da Penha, da Guarda Municipal. Até maio de 2021, foram realizados 367 atendimentos via telefone e 565 por WhatsApp, que se tornou mais uma ferramenta de orientação às vítimas enquanto o atendimento presencial está restrito aos casos mais graves em razão da pandemia. O atendimento via Whatsapp pode feito através do (43) 3344-0929.

Atualmente, uma em cada quatro mulheres acima dos 16 anos afirma já ter sido vítima de violência física, psicológica ou sexual no Brasil. Se considerado um total de 4,3 milhões de mulheres que relataram já terem sido agredidas fisicamente, é possível afirmar que, a cada minuto, oito brasileiras foram agredidas no País durante a pandemia.

Acolhimento e independência financeira

Inaugurada no ano passado, na Avenida Santos Dummont, 408, o Cam (Centro de Atendimento à Mulher) oferece o atendimento psicossocial, além de orientações jurídicas às vítimas de violência doméstica. No local, as vítimas são atendidas de forma sigilosa e podem realizar até o Boletim de Ocorrência. As servidoras também auxiliam no encaminhamento à delegacia para solicitação da medida protetiva.

Até maio deste ano, 198 mulheres já procuram o atendimento. O número inclui vítimas de violência que procuraram o serviço pela primeira vez e vítimas recorrentes. Neste período, 1.569 atendimentos nas áreas da Psicologia, Assistência Social e Direito foram prestados.

Ainda de acordo com a diretora de Atendimento Especializado à Mulher, Lucimar Rodrigues, 455 mulheres foram atendidas em 2020 e 476 em 2019. Já o relatório de atendimentos prestados aponta para 3..406 e 2.017, respectivamente. O telefone do Cam é (43) 3378-0132.

Secretária de Políticas para as Mulheres do município, Liange Doy Fernandes avalia que o enfrentamento à violência doméstica é um dever coletivo. Para ela, um ponto positivo do serviço prestado pelo Poder Público de Londrina é comunicação entre as secretarias. "Trabalhamos juntos. Então quando a vítima de violência procura a Secretaria da Mulher, mas precisa de um serviço da Secretaria de Educação ou Assistência Social, fazemos este encaminhamento", explicou.

Dentre os serviços oferecidos, está um abrigo em um local sigiloso para mulheres, crianças e adolescentes que estão em iminente risco de morte ou sob grave ameaça. Batizada de Casa Abrigo Canto de Dália, o serviço atendeu 23 mulheres e 34 menores até maio deste ano. Em 2020, 45 mulheres e 60 menores foram atendidas. Já no ano anterior, foram 55 mulheres e 64 crianças e adolescentes.

À disposição destas mulheres também estão os cursos e palestras ofertados pela diretoria de Empreendedorismo e Ações Educativas da Secretaria no Com (Centro de Oficinas para Mulheres). Os cursos são realizados em parceria com a Faculdade Pitágoras/Unopar e UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná).

De acordo com a responsável por este serviço, Lisnéia Rampazzo, a secretaria tem atuado no sentido de auxiliar estas mulheres a se conectarem com ferramentas digitais, além de se prepararem para entrevistas de emprego, o que inclui a formatação de um currículo mais "atraente". "Muitas nunca haviam acessado a internet e com a pandemia tiveram que se reinventar na forma de vender seus produtos", lembra.

De acordo com ela, os cursos e oficinas são nas áreas de Marketing Digital e Plano de Negócios na área da alimentação. Entretanto, "conforme vamos percebendo a necessidade de criar algum novo tema, montamos estes cursos", afirmou.

Um dos projetos mais consolidados é a Feira Arte Mulher, realizada sempre no primeiro decêndio de cada mês no Calçadão de Londrina. Segundo a diretora, 24 artesãs estão participando ativamente.

"O projeto disponibiliza espaços para mulheres comercializarem seus produtos. Ele tem mais de 20 anos e com as pandemia, as mulheres que são grupo de risco não participam, eles têm vendido pela internet. Então, a Secretaria faz uma assessoria para divulgar as páginas delas nas redes sociais", explicou.

Para ela, outro fator que colabora para a concretização dos casos de violência é a dependência emocional das vítimas com seus agressores. Neste sentido, afirma, a Secretaria da Mulher também oferece palestras que buscam recuperar a auto-estima destas vítimas.

"Os temas envolvem tanto a área da saúde da mulher, quanto sobre os seus direitos, na área da violência também. O COM é um trabalho preventivo, então já tivemos conversas sobre auto-estima, importância do Pilates na saúde das gestantes", conta.

Mais informações podem ser encontradas através do número de Whatsapp (43) 9 9945-0056, ou no telefone fixo (43) 3378 - 0111.

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