Polícia de Jesus

Pressionado para apresentar resultados rápidos, difíceis de aparecer, o secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, Roberto Aguiar, professor aposentado de Filosofia do Direito na Universidade de Brasília, saiu-se com essa: ''Só Jesus Cristo é capaz de fazer milagre para resolver o problema da violência a curto prazo''. E sugeriu, para os que estão com pressa, que Jesus fosse nomeado secretário da Segurança.
Teologicamente, seria preciso saber se Aguiar estava falando a sério. Se pretendia simplesmente fazer ironia, foi infeliz. A declaração pode ser confrontada com a rodada de pesquisas eleitorais desta semana, na qual a gangorra das tendências provocou oscilações em relação aos candidatos que pretendem a Presidência da República. O secretário do Rio poderia estar falando a sério se usasse como fundamento os relatos das Sagradas Escrituras, segundo os quais por exemplo, Ezequiel 11.19 a transformação de corações de pedra (isto é, duros, indiferentes) em coração de carne (sensível aos valores superiores e éticos) configura um milagre que, este sim, é capaz de mudar muita coisa. Pareceu-me que o secretário, pretendendo ser pragmático, descartou essa hipótese. Nesse sentido, não teria dito nenhuma bobagem. Se quis fazer brincadeira, disse.
Quanto às pesquisas, os primeiros resultados aí estão. Como ninguém espera um milagre no sentido irônico do secretário da Segurança, alguns sintomas do que a população está pensando emergiram. Assim é que quem planta acaba colhendo o que plantou (na política, inclusive) e não dá mais para enganar seguindo a turba que deturpa as Escrituras para obter um outro milagre este da transformação das ovelhas do rebanho em gado de curral eleitoral. Não digo isso fazendo o papel de carola. Acontece que, entrando na área do secretário brincalhão em momento crítico, corações são importantes para as transformações sociais. Um jurista alemão, Friedrich Karl von Savigny, que deixou o nosso mundo em 1.861, brindou-nos com a inesquecível lição: as leis, através das quais muita gente acredita que possa resolver as coisas um tanto quanto milagrosamente, são desenvolvidas em primeiro lugar pelos costumes de uma sociedade. Depois é que as decisões judiciais ocupam o seu espaço. Jamais algo muda brusca ou definitivamente só porque o legislador quis assim. No papel, tudo é uma maravilha. Mas olhe para as ruas e veja se o que está escrito tem pleno vigor na sociedade. Assim, quando se fala em lei ''atualizada'' é preciso levar em conta que os costumes também precisam estar atualizados. Se não, convenhamos, toda lei está condenada a receber o carimbo de provisória. Até onde conheço os ensinamentos de Jesus, Ele não assumiria o cargo de chefe da Polícia. Porque, como disse Sartre, ''estamos condenados à liberdade''. Se as capas de justiça e cidadania vestem todos os impasses sociais (como lemos aqui, na Folha 2, domingo passado, na crítica de Marcos Losnak sobre o livro ''Vida Ética'', de Peter Singer), isso exige corações sensíveis na forma bíblica. Aí, então, o secretário da Segurança do Rio teria razão.