A promessa de neutralidade no Enem 2019 feita pelo governo federal se concretizou e o tema da redação do concurso deste domingo (3), a prova mais temida pelos alunos, passou longe de temas polêmicos e surpreendeu. A “Democratização do acesso ao cinema no Brasil” foi o mote da dissertação sobre o qual os alunos tiveram de discorrer. Por meio de um vídeo publicado em seu perfil no Twitter, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, divulgou o tema da redação, anunciando o “furo”. Alunos e professores estranharam e criticaram a escolha.

“A redação foi para acabar. Nada a ver, esse tema. Os textos de apoio também não ajudavam a criar uma redação. Foi uma palhaçada”, comentou Adrielly Rodrigues, 18. “Foi um dos temas mais fracos que já caíram em uma prova do Enem. Esperava alguma coisa sobre deficiência, preconceito racial, temas mais polêmicos. A prova em si foi boa, estava até um pouco fácil. Para quem se preparou foi tranquila, mas não consegui desenvolver bem a redação. Acredito que amanhã, no cursinho, isso vai ser muito comentado”, avaliou Sabryne Gabrielly Pereira de Souza, 18.

“Consegui desenvolver a redação, mas por causa de um conhecimento bem básico sobre o assunto, mas não foi um texto bom”, disse Davi Medeiros, 17. Os assuntos mais polêmicos, segundo ele, apareceram no restante da prova, nas questões objetivas. “Aí vieram as questões relacionadas com política, opinião”, destacou. “O tema da redação foi a parte mais difícil da prova. Eu não estava preparada. A gente sempre espera alguma coisa da atualidade”, disse Elen Sam, 18.

A estudante Lurian Cristina Braz Tito,18, também teve dificuldade de redigir o texto. Além da surpresa com o tema da redação, os textos de apoio não contribuíram muito para que ela pudesse embasar sua argumentação. “Não consegui extrair desses textos o que eu precisava para enunciar a redação. Tenho pouco conhecimento sobre o assunto e eles não ajudavam a entender sobre”, opinou. “Não gostei desse tema. Preferia algo mais alegre, mais alto astral. Mas também não me preparei muito. Eu tentei resolver as questões até o número 40. Depois, foi no chute”, disse João Victor Venâncio, 19, que espera um desempenho melhor na segunda fase do Enem, no próximo domingo. “Deve ser mais tranquilo porque eu gosto mais de exatas.”

SURPRESA

Os professores que acompanhavam desde o início da tarde as notícias sobre o Enem também ficaram surpresos com o tema da redação, que fugiu totalmente do que se esperava e do que já foi cobrado em anos anteriores. “Nunca fiquei tão surpresa na minha vida, para não dizer chocada. Se o objetivo do MEC era surpreender, ele conseguiu”, comentou a professora de redação e coordenadora do Curso Prime, Márcia Chiréia, sobre o tema da redação escolhido para esse ano. Ela considera a argumentação fácil, mas vê incoerência por parte de um governo que cortou verbas culturais e criticou a Lei Rouanet, criada para financiar projetos da área e que já viabilizou muitas produções cinematográficas no País. “Esse tema tem muito cara de campanha da esquerda. Tem cara de tudo o que eles (o atual governo) criticavam.”

A professora deixa claro que reconhece a importância da democratização do cinema, mas ressalta que há assuntos mais significativos para um aluno nessa faixa etária discutir em uma redação do Enem. “Não acredito que esse tema esteja no repertório dos alunos, considerando o contexto nosso”, avaliou Chiréia. Durante a preparação para o vestibular, os estudantes voltam suas atenções para temas da atualidade, com foco no panorama geopolítico interno e externo, com o tema escolhido, a professora acredita que a argumentação acaba transitando pelo senso comum.

Por outro lado, analisou Chiréia, há um fator positivo, que é fazer com que alunos, meios de comunicação e escolas parem de tentar adivinhar o tema das redações. “Isso é uma coisa que eu defendo há anos. Não aprenda redação a partir de adivinhar o tema. Aprenda a escrever com criticidade.”

DIREITOS HUMANOS

As questões do primeiro dia do Enem abordaram diversos temas ligados aos direitos humanos, como violência contra a mulher, racismo, refugiados, escravidão e discursos de ódio nas redes sociais. No entanto, nenhuma das 90 questões trouxe, por exemplo, a temática LGBT que foi criticada pelo presidente Jair Bolsonaro na edição passada. Neste domingo (3), os mais de cinco milhões de candidatos inscritos fizeram a redação e 90 questões de Linguagens e Ciências Humanas.

“Uma prova com bastante cara do Enem, sem nenhuma grande surpresa em termos ideológicos, como eles (líderes do atual governo) gostam de falar”, disse o coordenador editorial de Ciências Humanas do Sistema de Ensino COC, Fabio Romano. Ele destacou como positivo o fato de que não houve nenhuma questão polêmica para nenhum dos espectros políticos. “Não caiu nenhuma letra de música de Chico Buarque, Caetano Veloso ou texto de (Karl) Marx. Não caiu socialismo. Não teve texto de Olavo de Carvalho.”

Gerente pedagógico do Descomplica e professor de geografia e atualidades, Cláudio Hansen notou a ausência de alguns temas que foram recorrentes em anos anteriores, como o governo Vargas, Guerra Fria e a Segunda Guerra Mundial, problemas e conflitos urbanos. “Alguns dos medos que tínhamos em relação a conteúdos deixarem de estar presentes na prova por causa da nova formulação de governo acabaram não se confirmando. Houve questões que tratavam dos direitos das minorias, problemas da concentração de renda, uso dos agrotóxicos brasileiros, isso tudo apareceu na prova”, disse.

SEGUNDA FASE

Além da produção do texto, os alunos tiveram de responder a 90 questões objetivas, sendo 45 de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e 45 de Ciências Humanas e suas Tecnologias. Os portões dos locais de prova foram fechados às 13 horas e os participantes tiveram 5h30 para concluir o exame. Na segunda fase, marcada para o próximo domingo (10), serão 90 questões objetivas, divididas entre Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias, com cinco horas de duração.(Com Agência Estado)