Amanda Oliveira, 18, faz o mesmo caminho há três anos, mas em agosto foi vítima de assédio e, desde então, não passa desacompanhada pelo local. A insegurança nas ruas é comum a todos, mas as mulheres são os principais alvos. O debate sobre esse problema é defendido por arquitetas do CAU/PR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná), com destaque para a importância da presença da mulher nas tomadas de decisão para a construção de uma cidade mais segura para todos. Em evento em Londrina, foi lançada a Comissão Voluntária das Mulheres da CAU, a terceira no Paraná. A meta é incentivar a participação feminina no desenvolvimento de projetos urbanísticos das cidades.

É difícil encontrar quem não tenha medo de andar sozinho à noite pelas ruas
É difícil encontrar quem não tenha medo de andar sozinho à noite pelas ruas | Foto: Marcos Zanutto - Grupo Folha

Oliveira voltava da aula a pé, por volta das 22h40, e fez o mesmo caminho de sempre. Na avenida Duque de Caxias, Vila Brasil (centro), um homem desconhecido se aproximou, passou a mão em seu corpo e correu, rindo da situação. Já ela não tinha para quem pedir socorro. “Eu saí correndo, chorando, ligando para minha mãe no caminho, tentando explicar o que tinha acontecido”, revela. Ela ligou para a polícia, mas não teve retorno. “Depois desse episódio, eu pego carona com um amigo”, afirma a jovem, que diz ter mais medo de sofrer violência sexual do que de ser assaltada.

Após ser vítima de assédio, Amanda Oliveira não volta mais sozinha para casa depois da aula
Após ser vítima de assédio, Amanda Oliveira não volta mais sozinha para casa depois da aula | Foto: Laís Taíne

Essa realidade foi tema de estudo da arquiteta paranaense Lais Leão, integrante do CAU/PR e palestrante no lançamento da Comissão Voluntária das Mulheres da CAU de Londrina. Leão foi reconhecida pela União Europeia como uma das jovens mais influentes do mundo em 2018 por discutir a relação das mulheres com a cidade. Sua pesquisa foi incentivada por uma realidade muito parecida com a de Oliveira. “Eu morava muito perto da faculdade e mesmo assim não ia a pé, porque me sentia mal. Percebi que isso também acontecia com minhas colegas mulheres, mas não acontecia com meus amigos homens e quis estudar isso”, revela.

Leão chegou à conclusão de que é necessária uma mudança de pensamento para construção de uma cidade inclusiva para todos, identificando as razões da insegurança. “Todas as cidade do Brasil têm um problema muito sério de segurança pública para todo mundo, só que os medos são diferentes. Uma coisa é ter medo de ser assaltado e outra coisa é ter medo de ser assediada, estuprada. O medo é de todos, mas são medos diferentes”, afirma. A consequência da violência urbana, aponta, não é expressa em um olho roxo ou mutilação, mas no impacto coletivo da limitação da circulação. “Você deixa de sair por medo.”

PROPOSTAS

Leão explica que, do ponto de vista do urbanismo, as soluções são básicas, como melhoria da iluminação pública, calçadas de qualidade, criação de fachada ativa, pessoas na rua, questões que geram segurança para todo mundo, mas que, em geral, beneficiam muito mais as mulheres. Porém, afirma Leão, é preciso “ir além e dar espaço para que novas ideias floresçam”. A ideia da arquiteta é que haja mais discussão para o surgimento de soluções em termos de políticas públicas de segurança a serem contemplados nos projetos urbanísticos.

“Uma coisa é ter medo de ser assaltado e outra coisa é ter medo de ser assediada, estuprada”, alerta Laís Leão
“Uma coisa é ter medo de ser assaltado e outra coisa é ter medo de ser assediada, estuprada”, alerta Laís Leão | Foto: Marcos Zanutto - Grupo Folha

MULHER NA ARQUITETURA

Para a presidente do CAU no Paraná, Margareth Ziolla Menezes, essa questão envolve maior participação da mulher nas tomadas de decisão. Para isso, é preciso se aprofundar nos motivos que levam as mulheres a não ocuparem posições de liderança quando se trata de planejamento urbano.

Pensando nisso, quatro pautas foram levantadas pela Comissão Voluntária das Mulheres do CAU: produção feminina na arquitetura e urbanismo, valorizando o histórico da contribuição das mulheres; trocas de experiências entre profissionais de gerações distintas; a mulher no ambiente de trabalho (questões como salário, cargos de liderança, assédio moral e sexual e situações que impedem que elas tomem iniciativas em projetos); e a criação de espaços urbanos pensada por e para mulheres.

“A primeira leva da arquitetura foi para um espaço urbano voltado para o homem, a segunda foi feita para o automóvel, agora nós temos uma questão que está acontecendo no mundo inteiro, que é a mulher como chefe de família. No urbanismo, as coisas devem ser feitas também para dar apoio a essa mulher”, afirma.

Nesse quesito, Menezes destaca que a intenção não é diminuir a importância da participação masculina, mas fazer um trabalho em conjunto. De acordo com a presidente, aproximadamente 65% do conselho é formado por mulheres, porém elas não assumem a liderança e é preciso incentivá-las para que construam uma sociedade mais segura e inclusiva para todos. “Vamos formar grupos que vão tratar de cada pauta e, automaticamente, ter acesso a parlamentares que estejam interessados em defender a causa”, afirma.

Oliveira, que sofreu assédio na rua à noite, sugere mudanças de estrutura nas cidades e nas formas de agir. “Deveríamos ter mais câmeras de segurança nas ruas e uma polícia que dê retorno sobre o que foi feita após a denúncia”, defende.

A Comissão Voluntária de Mulheres do CAU/PR já foi montada também em Curitiba e Foz do Iguaçu. A ideia é ampliar a participação em outras cidades, como Maringá, Pato Branco, Cascavel, Guarapuava, Apucarana e Toledo.

MEDO NAS RUAS

A insegurança é um problema em todo o Brasil, mas a questão se tornou tão comum que é difícil encontrar quem não tenha medo de andar sozinho à noite pelas ruas. Em Londrina, as mulheres contam que, além do assalto, também têm medo de serem violentadas, e que evitam sair de casa sozinhas. Apesar de se sentirem mais vulneráveis à criminalidade, elas afirmam que toda a população perde com a insegurança nas ruas.

Rose Oliveira, 51, andava depressa no Bosque Central. Moradora da região, precisava correr para que pudesse voltar antes do anoitecer. “Aqui é perigoso, não é nem questão de iluminação, mas tem tráfico, pessoas violentas que circulam por aqui. Não adianta ter iluminação e não ter segurança ”, afirma, mostrando que não é só uma questão de projeto urbanístico, mas de política pública atrelada ao planejamento. A auxiliar veterinária conta que tem medo de ser assaltada, mas pior ainda ser atacada. “Esse medo é mais constante. Não dá para andar tranquilamente”, afirma.

Outra vizinha, a comerciária Vera Machado, 57, passeia com o cachorro sempre acompanhada do filho. “Tem muita gente que não respeita. Acredito que nesse ponto as mulheres estão em desvantagem, mas à noite você não vê ninguém na minha rua e é bem no centro da cidade. Tanto homem quanto mulher têm medo”, destaca.

A analista de mercado internacional Megumi Hayashi, 30, afirma que a cidade é perigosa para qualquer pessoa. “Muita gente vê a mulher andando sozinha como vulnerável, mas em questão de criminalidade, toda a população é prejudicada”, afirma. Fernanda Nunes, 22, já foi assaltada duas vezes e analisa os lugares em que pode ir sozinha. “Falta iluminação em alguns pontos e [deveria haver] mais policiais nas ruas. Isso ajudaria, tem lugares que não tem ninguém”, cobra. Após os episódios, a vendedora não saiu mais sozinha à noite e acredita que falar sobre o assunto e tornar a cidade mais segura são benefícios para todos.