Rio de Janeiro - O Censo Demográfico é considerado o retrato mais detalhado da população, mas não consegue entrevistar todos os habitantes do país. É o caso dos brasileiros em situação de rua sem qualquer tipo de domicílio improvisado.

Isso ocorre em razão das limitações metodológicas de um levantamento dessa natureza, que no país é realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de acordo com parâmetros internacionais.

A proposta de um recenseamento, não só no Brasil, é visitar a população em todos os domicílios para fazer as entrevistas. Mas, como é possível ver nos centros urbanos, parte da sociedade vive nas ruas, sem qualquer tipo de moradia. Assim, não é abordada diretamente pelos recenseadores.

"É uma população invisível ao olhar das estatísticas, mas que cresce a olhos vistos. Basta olhar para as cidades, para as calçadas. A gente vê pessoas dormindo nesses locais como não via tempos atrás", afirma o economista Marcelo Neri, diretor do centro de políticas sociais FGV (Fundação Getulio Vargas) Social.

"É um problema de invisibilidade das políticas públicas e, de algum modo, de subestimação da desigualdade", acrescenta.

De acordo com especialistas, a contagem da população em situação de rua é desafiada por diferentes fatores, incluindo a rotatividade dessas pessoas em razão da falta de um endereço fixo.

No Brasil, mapeamentos do tipo costumam ser realizados por prefeituras de grandes cidades, diz Neri. Ele também destaca um levantamento divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em dezembro de 2022.

À época, o órgão estimou que a população em situação de rua no Brasil havia crescido 38% de 2019 para 2022, superando 281,4 mil pessoas. O trabalho chamou atenção para o aumento dessa fatia da sociedade durante a pandemia de Covid-19.

O Censo Demográfico 2022, que começou a ser divulgado pelo IBGE na semana passada, contabilizou 203,1 milhões de habitantes e 90,7 milhões de domicílios no país.

Segundo o instituto, a parcela dos brasileiros que vivem em domicílios improvisados nas ruas, como barracas, entra na contagem - ou pelo menos deveria entrar. É que, nesses casos, há a presença do conceito de unidade domiciliar, por mais precária que a moradia possa ser.

"Sabe aquelas barracas que ficam embaixo de viadutos, em que ficam moradores de rua, pessoas em situação de rua? Elas todas foram recenseadas, pelo menos foi a orientação", afirmou o presidente interino do IBGE, Cimar Azeredo, no último dia 28, durante a apresentação dos dados iniciais do Censo 2022.

"A população que não estava domiciliada de alguma forma não foi [entrevistada]. Quem estava em barracas, em alguma estrutura em que pudesse se isolar das demais pessoas, cumprindo o conceito de domicílio, elas [essas pessoas] foram recenseadas", completou.

Azeredo ainda destacou na ocasião que domicílios coletivos com moradores também entram no levantamento. Nesse caso, ele citou exemplos como o de presídios e hotéis com a presença de moradores fixos.

DOMICÍLIOS SEM RESPOSTAS

Há situações em que o IBGE localiza domicílios ocupados, mas não consegue fazer as entrevistas com os responsáveis. A diferença dessas pessoas em relação aos moradores de rua sem domicílios é que elas entram na contagem do Censo por meio da técnica de imputação. Trata-se de uma estimativa, que leva em conta diferentes critérios e é comum em recenseamentos devido às dificuldades na coleta.

Da população de 203,1 milhões em 2022, quase 8 milhões de pessoas foram imputadas pelo IBGE. O montante equivale a 3,92% do total. As demais 195,1 milhões tiveram informações contadas diretamente pelo instituto.

No Censo anterior, de 2010, a parcela resultante do processo de imputação havia sido de 2,8 milhões, segundo o IBGE. Foi menos de 2% do total à época (190,8 milhões).

Segundo Azeredo, a imputação não prejudicou o resultado geral em 2022. "Hoje, a gente tem total certeza de que a população é essa que está colocada, os 203 milhões", disse na semana passada.

O IBGE indicou que, ao longo da coleta, encontrou dificuldades para ingressar em domicílios de bairros de alta renda. A taxa de não resposta ao Censo 2022 foi de 4,23% no país todo. É o percentual de domicílios onde o IBGE constatou que havia moradores, mas não conseguiu fazer as entrevistas. Já a taxa de recusa alcançou 1,38%. Trata-se do percentual de domicílios onde as pessoas negaram o fornecimento das informações.