Mais de 55 mil mulheres foram vítimas de estupro no ano passado em todo o Brasil, 5.174 no Paraná. Os dados constam no Anuário Brasileiro de Segurança Pública que reúne informações coletadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto às secretarias estaduais e órgãos responsáveis pelos registros dos crimes.

Imagem ilustrativa da imagem Paraná registra um caso de estupro a cada duas horas
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Em 2018, o Paraná registrou um total de 5.380 vítimas, considerando apenas mulheres. Apesar da leve redução, as estatísticas do ano seguinte apontam para a ocorrência de um estupro a cada duas horas no Estado. Porém, a média é calculada somente com base nos dados oficiais obtidos apenas quando a vítima encontra forças para denunciar e buscar ajuda.

Em Londrina, muitas são atendidas pelo programa Rosa Viva, ofertado na maternidade municipal. “As mulheres chegam aqui bastante sensibilizadas e até com dificuldades de se reconhecerem como vítimas da situação. A gente faz todo um trabalho emocional, social e psicológico de acompanhamento para que elas tenham essa visão de não culpabilização pelo que ocorreu. Reforçamos essa busca pela mulher que ela é, com todas as potencialidades, e estimulamos a retomada dessa autoestima, na maioria das vezes, perdida depois dessa experiência vivida”, conta a psicóloga Daisy Oliveira Menck que atua no programa.

O Rosa Viva está em funcionamento desde 2001 e atende mulheres vítimas de violência sexual a partir dos 12 anos. No local, elas são acolhidas e recebem o apoio de psicólogos, assistentes sociais, médicos e enfermeiros. As vítimas são examinadas e têm acesso a medicamentos de emergência relacionados à contracepção e à profilaxia de infecções sexualmente transmissíveis como a Aids.

Mulheres de todas as idades já passaram pelo programa. “Algumas nem conseguem conversar com a família sobre os fatos. A gente faz todo um trabalho para que ela se fortaleça, se reconheça como vítima e restabeleça esse contato social, inclusive, familiar, para que ela possa se sentir mais fortalecida para olhar para essa situação com menos angústia, com menos sofrimento e poder restabelecer a vida que tinha antes”, completa.

O programa tem duração de seis meses, período necessário para o acompanhamento dos exames para a detecção de doenças sexualmente transmissíveis. Após esse prazo, se necessário, os atendimentos continuam na rede básica de saúde.

“É importante procurar ajuda para que ela tenha um apoio profissional. Ela não precisa enfrentar isso tudo sozinha. Às vezes, nesse momento, ela não sabe o que fazer, nem o que pensar de si e da situação. A gente aqui dá esse suporte e faz os encaminhamentos necessários”, frisa Menck.

Preferencialmente, a procura pelo serviço deve ser feita em até 72 horas após o abuso sexual para aumentar a eficácia dos medicamentos ofertados. No entanto, a vítima também pode buscar ajuda após esse prazo. O programa funciona 24 horas na maternidade municipal. A procura pode ser feita a qualquer momento, sem a necessidade de agendamento prévio.

O levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que as principais vítimas de estupro no Brasil são meninas com idade entre 13 e 15 anos. Em 84% dos casos, o crime é cometido por uma pessoa conhecida pela vítima. No primeiro semestre deste ano, 2.090 mulheres sofreram abuso sexual no Paraná. O Brasil registrou 22.201 ocorrências.

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A cada 30 minutos, uma mulher sofre violência doméstica

Mais de 17 mil casos de lesão corporal em decorrência de violência doméstica foram registrados em 2019 no Paraná, um aumento de 22% em relação ao ano anterior. No primeiro semestre deste ano, em meio à pandemia, 9 mil denúncias foram formalizadas.

A divulgação dos canais de denúncia e das ações das redes de apoio às mulheres tem contribuído para o encorajamento das vítimas. No entanto, não é possível afirmar se houve mais agressões em 2019 ou menos mulheres silenciadas. O fato é que muitos casos nem chegam às estatísticas oficiais.

A assistente social Lucimar Rodrigues é gerente do CAM (Centro de Referência e Atendimento à Mulher) em Londrina e responde interinamente pela Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres. O centro de referência foi inaugurado em 1993. Rodrigues ocupa o cargo de gerente há 15 anos e, nesse período, acolheu centenas de mulheres que decidiram buscar ajuda.

“Algumas vivem essa situação por dez ou 15 anos e têm a falsa impressão que um único atendimento é suficiente para que ela esteja fortalecida e tome uma decisão. Em um único dia de atendimento, ela não vai conseguir refletir, botar uma capa e sair como ‘Mulher Maravilha’ por aí. [...] A equipe não vai dizer qual caminho ela tem que seguir, mas vai trabalhar junto com ela para que ela decida de que forma pode romper com esse ciclo de violência, quais atitudes pode tomar na vida para colocar um fim nisso, com ou sem ele”, destaca. A equipe do CAM oferece orientação jurídica, atendimento psicológico e assistência social.

A Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher foi instituída em Londrina em 2011 e envolve juízes, promotores, profissionais do IML (Instituto Médico-Legal), hospitais, a Delegacia da Mulher, o Numape (Núcleo Maria da Pena) e outros órgãos que atuam na cidade. O município também conta com uma casa abrigo que pode ser utilizada pelas vítimas nos casos de maior gravidade.

“A gente está aqui no CAM não para separar os casais. Eu não quero separar ninguém. A gente só quer que a vítima entenda toda essa complexidade da violência que pode chegar a um feminicídio e que ela não pare de procurar e continuar os atendimentos. Ainda que ela volte com o companheiro, se assim desejar, mais do que nunca ela vai precisar ser acompanhada para que realmente possa ter uma vida sem violência. Esse é o nosso desejo: que ela tenha o direito de ter uma vida sem violência”, finaliza.

Além da agressão física, a violência doméstica também pode ser caracterizada pela violência psicológica, patrimonial, sexual ou moral. O CAM (Centro de Referência e Atendimento à Mulher) fica na Avenida Santos Dumont, 408. O telefone para contato é o (43) 3378-0132. Os atendimentos são realizados de segunda à sexta, das 8h30 às 17h30, com intervalo entre 12h30 e 13h30 para higienização do espaço como medida de prevenção à Covid-19.

Mais ligações durante a pandemia

A quantidade de chamadas para o número 190, da Polícia Militar, relacionadas a casos de violência doméstica saltaram de 15.606 (no primeiro semestre do ano passado) para 16.933 (no primeiro semestre deste ano) no Paraná. Em Londrina, os primeiros meses da pandemia impactaram em queda no número de ocorrências registradas na Delegacia da Mulher. No entanto, segundo a delegada Magda Hofstaetter, a procura continuou por telefone.

“A queda já era esperada em razão do isolamento. A violência continuou acontecendo, só não estava chegando ao nosso conhecimento. Na delegacia se observou uma queda, mas houve aumento nas ligações demonstrando que as pessoas não podiam sair de casa, mas estavam fazendo as suas denúncias.”

Hofstaetter afirma que, de uma forma geral, Londrina está entre as cidades que mais registram ocorrências de violência contra a mulher, tanto em situações de flagrante quanto nas que são necessárias medidas protetivas. Entre as mais solicitadas estão medidas para evitar a aproximação do agressor e a manutenção do contato por qualquer meio, o encaminhamento do agressor para grupos reflexivos, o afastamento do agressor para que a vítima possa ficar na residência e a prestação de alimentos para os filhos.

Ainda conforme a delegada, a cidade possui dois projetos voltados à conscientização dos agressores. Eles participam de palestras e atividades para refletir sobre os crimes cometidos. “Não basta a gente acolher essa mulher e dar toda a proteção a ela e, posteriormente, esse agressor continuar praticando esses crimes com outras mulheres, seja da família ou de outros relacionamentos que ele venha a ter. Ele é responsabilizado pelo ato que já praticou, mas também é feito um trabalho para que ele não repita esses atos futuramente”, explica.

“As mulheres estão sendo vítimas de violência cada vez mais cedo e muitas não aguardam o agravamento da situação. Algumas ainda acreditam que a violência precisa deixar marcas, mas não. Ela começa muito antes, de uma maneira bastante silenciosa.”

Os boletins de ocorrência podem ser registrados por meio do site da Polícia Civil (https://www.policiacivil.pr.gov.br/servicos), mas a solicitação de medidas protetivas precisa ser feita pessoalmente na Delegacia da Mulher. Orientações e agendamentos podem ser feitos por meio do WhatsApp da delegacia (43) 3322-1633.

Denúncias podem ser feitas por meio dos telefones Disque 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência), 181 (Disque Denúncia da Polícia Militar do Paraná), 190 (Polícia Militar para situações de flagrante) e 153 (Guarda Municipal de Londrina para situações em flagrante).