Para especialistas, exigência de curso superior não representa menor letalidade
Projeto que eleva o nível de escolaridade para ingresso na Polícia Militar tramita na Assembleia Legislativa
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 24 de outubro de 2023
Projeto que eleva o nível de escolaridade para ingresso na Polícia Militar tramita na Assembleia Legislativa
Douglas Kuspiosz - Especial para a FOLHA
Tramita na Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) o projeto de lei n° 850/2023, de autoria do governo do Estado, que busca aumentar a escolaridade para ingresso na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros. Se aprovado, os soldados precisarão ter no mínimo curso superior em qualquer área. Já os oficiais da PM precisarão ter graduação em Direito. No caso dos Bombeiros, qualquer curso superior.
O texto avançou na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) com relatório do deputado Hussein Bakri (PSD), que é líder do governo. Antes de seguir para o plenário, deve passar pela Comissão de Segurança Pública.
O professor Cleber da Silva Lopes, do Departamento de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina), que é coordenador do LEGS (Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança), vê como positiva a medida, uma vez que “aumenta a possibilidade de você recrutar profissionais com mais conhecimento e que, portanto, qualificam a mão de obra que está entrando na corporação”.
No entanto, o especialista acredita que a exigência apenas o curso de Direito para oficiais não é o melhor caminho. Ele cita que a área das Ciências Sociais pode contribuir para o trabalho desses agentes.
“As Ciências Sociais ajudam a compreender, a fazer o policiamento, seu planejamento e sua supervisão mais do que o Direito”, destaca, apontando que o cenário ideal seria uma graduação em Criminologia, aos moldes do que acontece nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Inclusive, Lopes lembra que o último Plano Nacional de Pós-Graduação tinha como meta criar uma área dessa natureza no Brasil, voltada à segurança pública e criminologia. “Justamente para formar e qualificar profissionais nessa área. O diagnóstico é que há muitos problemas de formação e qualificação dentro das corporações policiais.”
Mas, enquanto não se existe um curso específico, o especialista aponta que as Ciências Sociais podem colaborar. Em Londrina, por exemplo, não são poucos os policiais militares com pós-graduação nesta área.
O professor Cezar Bueno de Lima, da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), acredita que, de antemão, é necessário entender as múltiplas razões que levam ao crime. É por isso que não é possível “querer resolver um problema social grave, que é a violência na sociedade, utilizando o apelo acadêmico, o mero diploma”.
“Você pode preparar os quadros técnicos sem necessariamente exigir uma formação de graduação”, opina, pontuando a importância de oferecer condições de trabalho e remuneração digna aos policiais. “E preparar a corporação muito mais para a prevenção do que para a ação direta de confronto.”
Lima vê a exigência do curso de Direito para oficiais “muito mais como uma medida populista” do que realmente algo que vai resultar em uma eficácia real. “Eu não entendo porque a exclusividade do Direito, se não é um apelo muito forte de caráter corporativo. Poderia ser o Direito, mas ser aberto a outras”, diz, citando os cursos de Administração e de Ciências Sociais.
LETALIDADE
O professor da UEL também ressalta que não acredita que uma maior escolaridade na corporação signifique uma menor letalidade. Um levantamento do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) indica que 50 pessoas morreram em confrontos policiais com a PM em 2022; foi o segundo maior índice do Paraná, atrás apenas da capital Curitiba, com 121 mortes.
“Não conheço nenhum estudo que aponte que a escolaridade afeta as taxas de letalidade das forças policiais. Eu acho que isso tem a ver com outros fatores, como melhorar o treinamento em ações operacionais, adoção de táticas e protocolos para uso da força, melhor supervisão do tratamento das polícias, e maior controle da sociedade, das ouvidorias e, especialmente, do Ministério Público”, avalia.
Na mesma linha, Lima acredita que as medidas não devem alterar o cenário da letalidade policial, e que é preciso criar indicadores sociais para acompanhar a eficácia da medida. “Eu diria que, pelo que está posto em relação a esses pontos, é prematuro e é bem provável que a gente não vá efetivamente resolver e alterar o curso atual da letalidade da polícia no Paraná”.
“Este projeto já era esperado há algum tempo pelos policiais e bombeiros e é um investimento no futuro da segurança pública. Hoje, o Paraná já tem a melhor Polícia Militar e o melhor Corpo de Bombeiros do Brasil. A partir do momento em que novos soldados e oficiais chegarem com a formação superior já completa, vão trazer mais conhecimentos profissionais e uma experiência de vida maior, até mesmo para as funções de comando. Isso vai tornar ainda melhor a prestação de serviços para a sociedade”, avalia o presidente da CCJ, deputado Tiago Amaral.
“Eu sou favorável, esse é um anseio da corporação de algum tempo atrás. A PM do Paraná talvez seja uma das últimas do Brasil que não cobra ingresso de nível superior para soldado, de qualquer curso, e de Direito para oficial da PM. Isso é um avanço para a corporação e principalmente para a população. E a médio e longo prazo isso vai repercutir e muito de modo positivo para a corporação policial militar, mas, sobretudo para a população do Paraná e da região, quando falamos de Londrina”, opina o tenente-coronel Marcos Tordoro, comandante do 5º BPM (Batalhão de Polícia Militar).