Para Lino Macedo, é importante que os alunos saibam o motivo de estar fazendo ou aprendendo tal conteúdo
Para Lino Macedo, é importante que os alunos saibam o motivo de estar fazendo ou aprendendo tal conteúdo | Foto: Ricardo Chicarelli



A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) determina conteúdos que devem ser ensinados em todas as escolas do País. Até 2020, gestores de educação e professores do ensino infantil e fundamental devem elaborar os currículos com base na nova diretriz, que já está em vigência desde dezembro de 2017. Embora a base seja única e se refira a toda educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), somente as duas primeiras etapas foram homologadas pelo MEC (Ministério da Educação) até agora.

A nova base define que, ao longo da educação básica, os alunos desenvolvam competências gerais que assegurem uma formação humana para a construção de uma "sociedade justa, democrática e inclusiva". O professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), Lino Macedo, foi consultor do MEC para a criação da nova base. Presente em Londrina na última sexta-feira (20) para participar de congresso de apresentação da BNCC para os professores da região, ele resumiu as ideias principais do novo currículo: educar para o mundo novo, com temas integradores, com ênfase nos direitos humanos e formas de viver em sociedade.

Com aspectos alusivos às relações humanas, empatia, autocuidado e o saber de cooperar, foi formada a BNCC. "Não é como você prepara o aluno para a escola seguinte, mas para a vida que segue. O jovem se torna adulto e o adulto se torna velho. A escola tem que oferecer oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento para as competências da vida", disse Macedo. Ainda que a base busque uma formação mais humanitária com ideias de responsabilidade social, em 2017, o MEC retirou do texto menções a "identidade de gênero" e "orientação sexual".

Não é só a forma que os professores lecionam que terá de ser adaptada a partir da nova base. "Agora a gente praticamente não tem livros didáticos sobre muitos aspectos da BNCC", expressou o professor. A nova base é adequada ao mundo tecnológico, propondo relações com o meio digital. Não se trata de alfabetizar pela tela do smartphone, mas levar em questão o aparelho no aprendizado. "É mais do que usar o celular", alertou. Para Macedo, é importante que os alunos saibam o motivo de estar fazendo ou aprendendo tal conteúdo. "Um aluno aborrecido está falando algo para os professores", explicou.

"A base é uma referência, espera-se que os professores levem em conta o que está proposto nela", pontuou Macedo, que se define como um leitor criterioso do novo currículo. Uma crítica que se faz à base é que ela é analítica demais, com muitos detalhes. Segundo ele, a base comum em outros países é mais sintética. "Poderia ser mais enxuta, por outro lado, se não é pormenorizado podem pairar dúvidas", acrescentou.

A BNCC estabelece para a primeira etapa da educação básica – a educação infantil – condições de aprendizado para interações e brincadeiras de acordo com as faixas etárias. Para a palestrante Mara Bergamo, tais interações nos anos iniciais devem ser pensadas com base na equidade: dar mais a quem tem menos.

Já o consultor educacional Lauri Cericato destacou as competências específicas para a matemática no ensino fundamental. Segundo o docente, é importante reconhecer a matemática também como uma ciência humana, fruto das necessidades e preocupação de diferentes culturas. "A nova base contempla mais da aplicação da matemática no cotidiano", expõe. A BNCC torna obrigatório o ensino da educação financeira e educação para consumo, o que para Cericato é de extrema importância já que grande parte dos brasileiros estão endividados.

APRESENTAÇÃO
O congresso de exposição da BNCC, promovido pela Somos Educação, reuniu 50 professores da Secretaria Municipal de Educação de Londrina e representantes das cidades de Arapuã, Colombo, Guapirama, Jardim Alegre, Lunardelli, Nova Fátima, Nova Olímpia, São Carlos do Ivaí e Sertanópolis.

A rede municipal de Londrina voltou às atividades nesta semana após o recesso escolar e os professores já podem aplicar as técnicas aprendidas. Aliny Perrota trabalha com a formação pedagógica dos professores na Secretaria Municipal de Educação e participou do evento, que reuniu cerca de 400 professores. "Acredito muito nessa nova perspectiva [da BNCC] de oportunizar todos de uma maneira igualitária", disse.

"Vamos conseguir unificar o ensino. Quando muda de um Estado para outro se sente muito essa mudança", disse a professora de educação infantil Patrícia Rodrigues, de Guapirama (Norte). "Acredito que a nova base vai melhorar o desempenho da educação no Brasil porque será falada uma língua só."

Cristiane Queiroz, assessora pedagógica da Somos Educação, que organizou o evento, relata que a troca de experiência e de informações faz a diferença no dia a dia do professor. "Faz com que o aprendizado seja melhor desenvolvido", declarou.

ENSINO MÉDIO
Uma possível alteração em textos da BNCC para o ensino médio foi suscitada nos últimos dias. O documento ainda passará por audiências públicas no próximo mês em Belém e em Brasília antes de ser encaminhado para aprovação do CNE (Conselho Nacional de Educação).

A previsão era para que a aprovação do texto ocorresse ainda em 2018. Segundo o MEC, a discussão da etapa final da educação básica foi postergada devido à reforma do ensino médio. Além disso, a parte do ensino médio tem sido criticada por não apresentar detalhadamente conteúdos das áreas de ciências humanas e da natureza, já que algumas disciplinas seriam optativas.

A revisão do ensino médio define que 60% das 3.000 horas de aula que os estudantes devem ter em três anos seja destinada para disciplinas obrigatórias estabelecidas na BNCC. As outras 40% ficariam flexíveis.

O ensino médio é o maior gargalo do ensino brasileiro, com altos índices de evasão e reprovação de estudantes. Após a última audiência pública da nova base, os relatores darão novo parecer. No entanto, tudo indica que o texto relativo ao ensino médio passará por reajustes.

Deborah Trevisan, assessora do CNE (Conselho Nacional de Educação), explica que o MEC acompanha a discussão para alinhar com o CNE onde estão as manifestações e pedidos de mudança. No entanto, não houve mudança oficial no processo ou no cronograma da aprovação da base do ensino médio.

Por meio de nota, o MEC afirmou que "uma vez que o documento se encontra ainda na fase de audiências públicas, não há definição pelo CNE sobre quais pontos podem ou não ser alterados". "O MEC permanece em diálogo junto ao CNE e à sociedade para fazer os ajustes que forem necessários e que respeite a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). A previsão é que o documento continue em discussão e que assim que for aprovado no CNE seja encaminhado ao MEC para a homologação pelo ministro Rossieli Soares até o fim deste ano", completa a nota.

Para o consultor Lino Macedo, a BNCC para o ensino médio poderia ampliar a desigualdade entre os Estados porque muitos alunos não têm alta capacidade de abstração. Assim, optar por certas disciplinas pode deixar a educação defasada. "É uma conta que não fecha. É complicado", disse.

Conforme o professor, os melhores professores vão para a iniciativa privada – como em cursos pré-vestibular. "Não adianta ter uma porta aberta se você não tem muitas escolhas disponíveis. Há esse problema estrutural, no ensino médio supõe que o aluno tenha pensamento formal, capacidade de raciocínio hipotético dedutivo, uma capacidade de abstração que em média os alunos não têm", alegou.

No último Pisa, que é um programa internacional de avaliação da educação básica, 61% dos brasileiros não conseguiram chegar até o final da prova. O baixo desempenho mostra como a educação está falha. "O Pisa é uma prova que supõe pensamento formal, tem uma capacidade de simulação, de raciocinar em segunda potência, lidar com grandes abstrações e o nosso aluno não tem essa capacidade de modo geral. Isso vem da base. Tem a ver com a desigualdade política, econômica e social", justificou Macedo.

Já o professor Lauri Cericato acredita que o principal problema dos estudantes é a língua portuguesa, já que os dados do Pisa mostram que os alunos não terminam a prova, seja por falta de compreensão ou de interesse. "Os resultados do Pisa não são bons, mas os brasileiros estão melhores em matemática do que em língua portuguesa. Ganhamos a medalha de bronze na olimpíada mundial de matemática. Os alunos não terminam a prova do Pisa. Talvez a dificuldade esteja na linguagem e na matemática", pontuou.

Mas Lino Macedo garante que a problemática da desigualdade social não atinge o aluno só em questões monetárias. "A pobreza não é só de dinheiro, é de tudo, de contato com leitura, com raciocínio, matemática, pensamento crítico. É difícil, mas tenho esperança".

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