Pais gostariam de mais tempo com filho recém-nascido, mas 1/4 não tira licença
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quinta-feira, 07 de novembro de 2019
Brenda Zacharias, Heloísa Scognamiglio e Marcela Coelho, especiais para o Estado
A maioria dos homens (82%) quer se envolver nos cuidados do filho nas primeiras semanas de vida, mas um quarto deles (27%) com direito à licença-paternidade não tira nenhum dia de folga. Esses são alguns dos resultados da pesquisa da organização não governamental (ONG) Instituto Promundo e da Dove Men+Care, feita com 1.709 homens e mulheres no Brasil.
Entre os pais, conforme o estudo, 19% tiveram de um a três dias de licença, 32% tiraram um três a cinco dias e apenas 16% ficaram um mês fora do trabalho. O medo da perda de emprego e de prejuízos à carreira é um dos principais empecilhos, relatam os entrevistados.
A legislação brasileira prevê cinco dias de licença-paternidade. O Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) criou a possibilidade de estender o período para 20 dias a funcionários de empresas que façam parte do programa Empresa Cidadã ou do setor público - com a condição de que o pai participe de algum tipo de programa de orientação sobre paternidade.
A pesquisa do Promundo aponta que 75% dos pais entrevistados acreditam que homens deveriam tirar licença em prol do relacionamento com os filhos.
Raphael Melo, de 38 anos, é um dos que valorizam a licença-paternidade. Ele não abre mão do tempo que passa junto dos filhos. Pai de Luísa, 12 anos, do primeiro casamento, e de Gabriel, de 7 meses, do atual matrimônio, ele acredita que "todas as empresas poderiam se preocupar mais com a licença-paternidade".
Quando o caçula nasceu, Melo trabalhava como gerente de negócios em uma grande seguradora do Rio, que oferecia a extensão da licença de cinco para 20 dias. Em suas palavras, "era uma empresa maravilhosa".
Para ele, porém, os benefícios não foram suficientes.
"Eu precisava ter mais tempo com meus filhos", afirma. Com isso, após a licença estendida, negociou sua transferência para outra empresa. "Eu tinha a carteira assinada, horários muito cronometrados, o que me tolhia a flexibilidade. Agora (como consultor financeiro autônomo), posso levar e buscar meus filhos na creche e no colégio, conciliando isso com o trabalho."
O fato de a mãe da filha mais velha ter morrido em um acidente de carro, segundo Melo, contribuiu para que ele tentasse um equilíbrio maior entre trabalho e família.
"Daí essa minha preocupação de estar junto, de querer aproveitar os momentos com minha família. A gente nunca sabe quando vai dizer o último 'Eu te amo' ou o último 'Boa noite'."
Pressão velada no trabalho é um problema, diz especialista
O objetivo da pesquisa era traçar um perfil da paternidade no País e compreender os motivos por que tantos homens não envolvam na criação dos filhos como afirmam desejar. Segundo Daniel Costa Lima, psicólogo e consultor do Promundo, é possível identificar que a preocupação com a carreira está entre as principais razões pelas quais pais e mães não tiram licença.
"Os pais dizem que o maior empecilho para tirar essa licença na íntegra são pressões perceptíveis dentro do (ambiente de) trabalho. Algumas vezes é uma pressão direta. Em outras, pensam que o chefe não vai gostar", afirma Lima. "E há cada vez mais homens na informalidade, sem direito a licença alguma."
Ilustrador tira ano sabático para curtir família
O ilustrador paulistano Rodrigo Bueno, de 41 anos, tirou um ano sabático para cuidar das filhas Margarida e Iolanda, que nasceram em 2012. Ele, que na época trabalhava em um projeto de oficinas culturais, aproveitou férias atrasadas e horas acumuladas para curtir o primeiro ano das crianças com a mulher, Grasi, em casa.
No fim desse período, foi ela quem recebeu uma nova proposta de emprego, que exigia mudar de São Paulo para o Rio. Pouco confortável com a ideia de deixar os bebês com terceiros, Bueno optou por um caminho ainda pouco convencional para os homens: ficar em casa e cuidar das meninas.
Não era uma tarefa extremamente complicada, diz ele - exceto pela privação de sono, normal com pais de primeira viagem. O maior conflito, na verdade, foi em se reconhecer como tal.
"Entendi na prática que a paternidade é envolvimento. Vai além da mão na massa, das tarefas rotineiras."
Depois, superou alguns conflitos pessoais.
"Minha família ficou preocupada, como se eu estivesse me arriscando. Fiquei me perguntando por que é tão arriscado, como uma aventura, para o homem. Não devia ser. Se a gente vivesse em um mundo equilibrado, eu seria mais um a fazer isso", afirma.
Ainda hoje ele continua em casa, trabalhando também como ilustrador freelancer. Em 2015, ele e o também ilustrador Victor Farat lançaram a Bebegrafia, com cartuns que ilustram os primeiros meses como pais. Agora, Bueno prepara o lançamento do livro Diário Ilustrado da Paternidade, ainda em fase de captação de recursos.
Papel do pai passa por mudanças, diz psicóloga
Segundo a psicóloga Elizabeth Monteiro, autora do livro Cadê o pai dessa criança?, há uma mudança na visão de papel de pai.
"Estão muito mais participativos. Vemos muitos pais dedicados, apaixonados, carinhosos. Ainda não chegou onde deveria chegar, mas está mudando."
Para ela, a pausa do pai no trabalho poderia estender o tempo que o bebê fica em casa e evitaria que crianças fossem levadas ainda muito novas para a creche.
Se o pai pudesse tirar uma licença na sequência da mãe, seria ótimo, para ajudar e criar o vínculo com o bebê", defende.
O contato do homem com o bebê tem efeitos, segundo ela, até a adolescência e fase adulta do filho.
"As crianças que têm vínculo afetivo forte com os pais geralmente são adolescentes mais equilibrados, sem tantos conflitos", diz Elizabeth. ( Colaborou Adriano Cirino, Especial Para o Estado)