O primeiro bispo missionário brasileiro, dom Pedro Carlos Zilli, foi ordenado no sábado em Ibiporã (14 quilômetros a leste de Londrina), em cerimônia que reuniu 12 bispos de vários Estados e do exterior, cerca de 100 padres e centenas de fiéis de cidades da região. Zilli, 46 anos, do Pontifício Instituto das Missões Exteriores (PIME), é o primeiro bispo da diocese de Bafatá, cidade do interior de Guiné Bissau, país da África ocidental, de língua portuguesa. Participaram da cerimônia o arcebispo de Londrina, dom Albano Cavallin, e dois bispos, de Guiné Bissau e de Milão, na Itália.
Paulista de Santa Cruz do Rio Pardo (SP), dom Pedro foi ordenado padre em Ibiporã, em 1985. Segundo ele conta, no mesmo ano foi enviado para a África, onde esteve durante 13 anos, como vigário em paróquias nas cidades de Bafatá e Suzana, em Guiné Bissau, onde os cristãos são minoria entre a população. A maioria, informa, professa o islamismo e religiões animistas, com manifestações próprias das religiões africanas. Em Bafatá, onde exercerá o episcopado, cerca de 10% dos 490 mil habitantes são católicos.
Dom Pedro Zilli conta que em 1998 foi mandado de volta ao Brasil e trabalhou na formação de futuros missionários no PIME, em Brusque (SC), até a publicação de sua nomeação, no final de março. ‘‘Não fiquei muito surpreso porque as pessoas já comentavam sobre a possibilidade’’. Ser bispo missionário em um dos países mais pobres do mundo, segundo dom Pedro, não é nenhum ato de heroísmo. ‘‘Vejo também aqui no Brasil situações difíceis que as pessoas enfrentam com coragem’’. O bispo, que pegou várias vezes malária no país, confessa que espera com ansiedade o retorno para Bafatá. ‘‘Estou voltando para casa.’’
O país para onde dom Pedro está voltando tem clima equatorial, é quente e úmido, tem uma população de 1,2 milhões de habitantes, uma expectativa de vida de cerca de 46 anos, índice de analfabetismo de 63%, avanço da epidemia de Aids e alto percentual de mortalidade infantil. Falta de serviços básicos como água, energia elétrica e telefone vai fazer parte da realidade do bispo missionário. Ele garante que tudo isso não o intimida, mas sabe que o país está com mais problemas agora do que em 1998, data de sua saída e do início da guerra civil entre governo e facções de guerrilheiros.
A missão na África, afirma o bispo, é um ‘‘chamado de Deus’’. A igreja católica, segundo ele, convive em harmonia com as demais religiões e respeita o credo e a cultura dos guineenses. Na opinião de dom Pedro, as religiões tribais africanas que não desaparecerem tendem a assumir novas formas.
O anúncio do Evangelho e o diálogo entre as religiões serão as prioridades do episcopado de dom Pedro Zilli. A ‘‘promoção humana’’, em um país com problemas graves de saúde, também não será esquecida. Segundo ele, existe um projeto de executar lá, junto com a Cáritas, órgão que coordena as obras sociais da igreja católica, um trabalho semelhante à Pastoral da Criança.
De acordo com o bispo, a reconciliação entre o povo guineense, depois de uma ‘‘guerra fraticida’’, será o ponto crítico do episcopado. ‘‘Existe muito ódio e é preciso curar os corações.’’ O lema do episcopado de dom Pedro é ‘‘o amor jamais passará.’’
Estar dividido entre duas pátrias, segundo dom Pedro Zilli, não é fácil explicar. Se por um lado ele leva a saudade da família e dos amigos, em Guiné Bissau irá reencontrar ‘‘um povo hospitaleiro e alegre, que não se deixa abater’’. ‘‘O sentimento pela pátria não é estático. Nós o incorporamos quando a assumimos’’, analisa. O bispo diz que sofre daquilo que chama de ‘‘mal da África’’, uma espécie de doação e amor voluntário pelo povo. Entre os africanos, diz, não dá para sentir solidão. ‘‘Eles transmitem um calor humano muito grande.’’
Os guineenses, segundo o bispo missionário, sabem pouco do Brasil, e não conseguem compreender bem o tamanho do território brasileiro. Apesar de ter pouco acesso à televisão, eles admiram o futebol e simpatizam mais com os brasileiros do que com os europeus.
Muito da obstinação dos missionários, segundo dom Pedro Zilli, vem do exemplo do Papa João Paulo II. Todas as viagens realizadas pelo sumo pontífice, com todos os problemas de saúde que ele acumula, ‘‘são missões’’. O bispo não concorda com alguns religiosos que declararam que o chefe da igreja católica, que visitou três vezes o Brasil, deve renunciar. ‘‘Ele está lúcido e seria muito estranho escolherem outro Papa com João Paulo II vivo.’’
No dia 10 de agosto dom Pedro Zilli chega ao continente africano e no dia 19 é empossado bispo em Bafatá. Nos primeiros dias ele diz que ‘‘vai se aclimatar’’. O bispo missionário assegura que está pronto para assumir a missão e que a determinação vem de Deus. ‘‘E eis que estarei convosco’’, diz, citando um versículo bíblico.