Na madrugada de quinta-feira (5), um voo trouxe 140 venezuelanos ao Paraná, na leva mais recente de refugiados daquele país. Eles decolaram do aeroporto de Boa Vista (RR) e chegaram a Curitiba. A estratégia de interiorização faz parte da Operação Acolhida, criada pelo governo federal com apoio de agências da ONU (Organização das Nações Unidas) e organizações da sociedade civil para responder ao fluxo de venezuelanos na fronteira em Roraima.

Nos últimos quatro anos, desde abril de 2018, o Paraná acolheu 16,3 mil venezuelanos pela operação e o ápice no número de pessoas da Venezuela que chegaram ao estado, por mês, ocorreu em outubro do ano passado, quando 621 desembarcaram por aqui. Para comparar, em outubro de 2018, apenas 70 pessoas da Venezuela chegaram ao estado. Antes mesmo da viagem, as famílias buscavam informações pelas redes sociais sobre como obter a documentação brasileira, o custo da moradia, alimentos e de calendário do ano letivo.

Entre as cinco modalidades de interiorização previstas, a maioria foi por reunião social/casas de amigos (62%), reunificação familiar (17%), institucional (9%), vaga de emprego sinalizada (7%) e sem informação (5%). Em Londrina foram 406 pessoas interiorizadas desde o início do projeto, 101 delas chegaram no ano passado. Analisando as modalidades de interiorização por aqui, 64% foram por reunião social, 19% sem informação, 13% reunificação familiar e 4% institucional.

Imagem ilustrativa da imagem Operação Acolhida interioriza refugiados venezuelanos no Paraná
| Foto: Gustavo Padial/ Folha Arte

A divisão de homens e mulheres em Londrina ficaram divididas meio a meio. Na divisão por idade, de 0 a 5 anos são 24%, de 10 a 19 são 19%, de 20 a 29 anos são 23%, de 30 a 39 são 17%, de 40 a 49 anos são 11%, de 50 a 59 anos são 5% e de 60 anos ou mais são 3%.

Londrina é o oitavo município que mais acolhe venezuelanos no Estado. Curitiba lidera, com 5.992, seguido por Cascavel (1.929), São José dos Pinhais (1.083), Maringá (775), Colombo (682), Araucária (511) e Foz do Iguaçu (413). Para completar os dez municípios que mais receberam venezuelanos, Goioerê vem logo após de Londrina (406) e Pinhais (315). Entre os municípios da Região Metropolitana de Londrina, o destaque fica para Rolândia, que recebeu 307 venezuelanos, enquanto outros municípios, como Jataizinho, recebeu 6; Ibiporã, 4 e Cambé, 3.

Em todo o Brasil, 91.952 venezuelanos foram interiorizados em 896 municípios em quatro anos. A Região Sul é a que mais recebeu imigrantes venezuelanos, com o acolhimento de 48.528 pessoas. Entre os estados do Sul, Santa Catarina lidera com 18.200. O Rio Grande do Sul acolheu 14.022 venezuelanos.

Acnur

O porta-voz e assessor de comunicação do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) no Brasil, Miguel Pachioni, disse que o Paraná tem sido protagonista na recepção de novos fluxos de pessoas, não só de venezuelanos. “Quando a gente olha para a vinda das pessoas da Ucrânia em busca de proteção no Brasil é o estado, sem dúvida alguma, mais emblemático do acolhimento dessas novas populações, em especial dos ucranianos”. Ele ressalta haver registros de tantas outras nacionalidades de pessoas que buscam Paraná para o recomeço de suas vidas com dignidade, como os venezuelanos.

Venezuelanos chegam ao Brasil por Roraima:  instabilidades políticas, econômicas e sociais fazem com que as pessoas continuem a deixar o país em busca de proteção internacional
Venezuelanos chegam ao Brasil por Roraima: instabilidades políticas, econômicas e sociais fazem com que as pessoas continuem a deixar o país em busca de proteção internacional | Foto: Edmar Barros/Futura Press/Folhapress

“Em 2022, a gente atingiu mais de 100 milhões de pessoas forçadamente deslocadas em todo o mundo. É um número superlativo. A gente nunca tinha chegado a esse patamar antes e se a gente for traduzir o que esse número representa, seria o 14º país mais populoso do mundo. A gente está falando que uma em cada 78 pessoas no planeta foram forçadas a se deslocar até o fim do ano anterior. São números difíceis da gente assimilar”, declarou.

Somente este ano, 5.800 pessoas foram reconhecidas como refugiadas pelo governo brasileiro, de um total de 6.200 decisões de mérito. Os venezuelanos representaram 4.520 (72,88%). O governo recebeu pedido de refúgio de 121 nacionalidades diferentes, das quais 3.366 por grave e generalizada violação dos direitos humanos. Já as decisões sem análise de mérito foram 34.643 neste ano, das quais 30.199 foram extintas e 4.440 arquivadas.

No caso da Venezuela, Pachioni ressaltou que as instabilidades políticas, econômicas e sociais fazem com que as pessoas continuem a deixar o país em busca de proteção internacional.

Assim como ele, novos conflitos, como o da Ucrânia, e o prolongamento de conflitos já antigos, como o do Afeganistão e da própria Síria, exigem esforços coletivos para sanar o problema. “A gente olha para um cenário bastante drástico, que tende a piorar ao longo dos próximos meses em razão da não solução política desses conflitos, das tensões sociais. Em termos de doadores internacionais, acarreta um peso para que essa responsabilidade entre eles seja compartilhada. Não é papel de um único governo ou de uma única instituição, ou de uma única agência da ONU, como o Acnur, responder a esses temas na totalidade, de sanar os problemas. É preciso ter uma articulação política instrumentalizada, eficaz e coerente para evitar que essas atrocidades continuem.” Ele ressaltou ser preciso ter fundos para responder na mesma medida esse aumento de fluxo.

Cáritas

Isabella Traub trabalha com migrações na Cáritas e possui o Instituto de Políticas Públicas Migratórias e pesquisa migrações e políticas públicas em Curitiba. Ela ressaltou ser importante fazer um destaque. “Além da Operação Acolhida, a gente também tem diversas pessoas migrantes que vêm por outros pontos da fronteira e que acabam não passando por essa estratégia de interiorização.” Ela ressaltou que isso dificulta passar um dado muito preciso de quantos migrantes venezuelanos existem por aqui. “Esse é um dos principais problemas que nós temos enquanto temática migratória no Brasil. Esses dados não são repassados, então a gente tem uma estimativa de quantos, em média, podem ter.”

Sobre os 140 venezuelanos que chegaram a Curitiba nesta última leva, ela disse que não pode afirmar se eles vão permanecer aqui ou se serão deslocados para outras cidades do interior. “Não tenho como te afirmar nesse momento, mas provavelmente já tem destino fixo. Curitiba pode ser o ponto central e essas pessoas podem ficar aqui ou podem ser deslocadas para outros locais”, explicou. Há a possibilidade de que Curitiba seja apenas uma escala para a distribuição dessas famílias para Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

De professor na Venezuela a porteiro no Brasil

O advogado Bruno Camilo, da Congregação Testemunhas de Jeová, disse que de 2018 até hoje foram 82 pessoas da Venezuela que vieram para Londrina pela congregação, das quais 67 permanecem na cidade. “Entre os que deixaram a cidade, um casal foi para a Argentina, duas famílias foram para Santa Catarina, uma família foi para o interior de São Paulo, uma família mudou-se para Curitiba e uma pessoa voltou para Venezuela.”

Uma das pessoas auxiliada pela congregação é Julio Gabriel Pire Oropeza, que vive em Londrina desde 2018. Ele era professor do Ensino Fundamental na Venezuela e, no Brasil, começou trabalhando com um carro de caldo de cana, mas não deu certo, e agora trabalha na portaria de um prédio e também como motorista de aplicativo.

“Só está dando para pagar as despesas como o serviço internet, pagar o aluguel, a comida e coisas assim. Ainda fica um pouquinho de dinheiro para mandar para a Venezuela.” Mas ele se sente impotente, porque o dinheiro brasileiro é pouco para enviar para a Venezuela. “A Venezuela se tornou um país dolarizado e isso o tornou mais caro que aqui no Brasil. Se eu mando R$ 200, não adianta nada porque isso equivale a poucos dólares. Meu pai e minha mãe são idosos e o meu pai tem diabete e lá o medicamento é caro”, destacou.

Ele relatou que ao chegar ao Brasil a Congregação Testemunhas de Jeová achou uma casa onde ele pôde ficar por um ano sem pagar aluguel. “Eles me ajudaram a conseguir trabalho, alimentação e os remédios que a gente precisava. Mas a adaptação foi um pouco difícil no começo, porque a gente não falava nada de português e a cultura é muito diferente.”

Ele disse que foi bem recebido no Brasil e que recebeu doações de comida, roupas e sapatos. Ressaltou que o londrinense é acolhedor e mais aberto e receptivo em relação aos curitibanos, por exemplo. “Lá é um pouco mais fechado. Aqui tem um povo que conversa. Em Curitiba, você fala ‘bom dia’ e as pessoas não respondem.”

Venezuelanos chegam ao Brasil por Roraima:  instabilidades políticas, econômicas e sociais fazem com que as pessoas continuem a deixar o país em busca de proteção internacional
Venezuelanos chegam ao Brasil por Roraima: instabilidades políticas, econômicas e sociais fazem com que as pessoas continuem a deixar o país em busca de proteção internacional | Foto: Edmar Barros/Futura Press/Folhapress

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