SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No Brasil, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) calcula que aproximadamente 45,6 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o que corresponde a 23,9% do país.

Em meio à crise sanitária do coronavírus, a sensação dessa parcela da população é de abandono, segundo Daniela Mendes, superintendente-geral do Instituto Jô Clemente, que auxilia pessoas com deficiência intelectual.

"Notamos que muitos sentem falta de recomendações necessárias sobre a Covid-19 em relação às suas deficiências", diz Mendes. Além disso, também há queixas de falta de acesso às instituições de saúde, já que as estruturas estão focadas apenas para conter a Covid-19.

Quatro ONGs que atuam em apoio à pessoas com deficiências enfrentam uma crise financeira e, juntas, preveem uma queda em mais de R$ 75 milhões no orçamento anual, os valores correspondem até 30% da receita dessas entidades -que correspondem à redução de patrocínios, doações e até de doações da nota fiscal paulista.

É o caso Fundação Dorina Nowill para cegos, o Instituto Jô Clemente (antiga Apae de São Paulo), Derdic, que atua na educação de surdos, e a AACD, que atende pessoas com deficiência física e a que calcula um maior déficit, de R$ 50 milhões. Juntas, as entidades estimam atender cerca de 900 mil pessoas por ano.

A fim de tentar manter os atendimentos e angariar fundos, as quatro entidades se uniram no site Todos Por Um (todosporum.org.br), em que interessados conhecem melhor o trabalho de cada organização e realizam doações. O projeto foi criado em março, por isso, Mendes afirma que ainda é cedo para calcular os retornos.

Durante a pandemia, as entidades tiveram que se adaptar. Por isso, algumas consultas têm sido realizadas por meio de plataformas digitais, foram disponibilizados vídeos com atividades que podem ser feitas em casa e orientações pedagógicas por WhatsApp.

Alguns serviços essenciais foram mantidos, é o caso do teste do pezinho para recém-nascidos --a instituição é responsável por 67% desses exames realizados no estado de São Paulo. A IJC também notou um aumento nos custos, já que depende de importações de testes e, devido a crise econômica causada pela pandemia, o euro subiu muito.

"Estamos falando de uma população invisível", diz Mendes. "Pessoas com deficiência são pessoas de risco, vulneráveis são minimizadas nessa época".

Outras ONGs também notam essa invisibilidade. Maria Aparecida Valença, gestora do Instituto Mara Gabrilli, iniciou uma pesquisa para entender a situação de pessoas com deficiência na pandemia. O resultado, ela diz, foi surpreendente.

"Mães acabam desempenhando o papel de cuidadora e a maioria é sozinha, por isso temem ser infectadas pela Covid-19, pois pensam 'se eu morrer, com quem meu filho vai ficar?', outro medo é que o próprio filho seja contaminado e elas não possam ficar ao lado deles caso seja preciso uma internação", diz Valença.

A maior preocupação das mães é financeira. "Para que seus filhos possam receber o BPC [auxílio de um salário-mínimo oferecido para idosos e pessoas com deficiência que não possam se manter e não possam ser mantidos por suas famílias], elas precisam comprovar que não tem renda e acabam fazendo trabalhos informais, como de cabeleireira, faxina, venda de bolo, de produtos de catálogo, só que com a quarentena esses trabalhos pararam", relata.

Simone Vigiliato, à frente do projeto Super Mães Especiais, também percebeu que a saúde mental de mães que ela atende têm piorado. Com filhos que precisam de atendimentos especiais em casa durante a quarentena, elas acabam apresentando perda de sono, irritabilidade e ansiedade.

Viligiliato tem quatro filhos, um deles é o Luca, de nove anos, que tem paralisia cerebral, e criou um grupo em que ajuda 200 mães. Por ali, é fornecida ajuda psicológica, cestas básicas e vaquinhas para conseguir comprar remédios. Agora, durante a pandemia, ela corre atrás de EPIs, como álcool em gel, máscaras e luvas.

"Nossa vida já era um isolamento social, não era um horror, não é nada disso, mas não há um convívio, meu filho não recebe um convite de aniversário", conta ela notou que durante a pandemia a situação só piorou. "Tem mãe que me liga às 2h da manhã com medo. Elas estão doentes".

Outro problema são as crianças com autismo que, devido a quarentena e quebra de rotina, apresentam aumento de ansiedade e agressividade, exigindo ainda mais atenção e cuidados das mães.

Tetraplégica há cinco anos, Juliana Silva, 30, é atleta paraolímpica de tênis de mesa e também teve que repensar em tudo desde o início da quarentena. Sua puxada rotina de fisioterapia, condicionamento físico e treino foram adaptados para dentro de casa.

Foi um acidente de carro que a colocou na cadeira de rodas. Ela, que ficou seis meses intubada via traqual, se sente "à mercê do vírus". "Hoje, eu sei que se tiver o coronavírus e for para um hospital, vou ser entubada e não sei se saio", diz ela que explica que por viver na cadeira seus pulmões, respiração e imunidade são diferentes.

Ela lembra que o esporte após o acidente entrou na sua vida como fisioterapia e foi assim que acabou no tênis de mesa. Antes do isolamento, Juliana costumava treinar até 12 horas de segunda a sábado.

Agora, é a mesa de vidro da sala que tem sido usado para a atleta manter a prática. Apesar de ter melhorado muito a mobilidade, a atleta tem ajuda da irmã e da mãe, de 67 anos, que pela idade é considerada grupo de risco.

"Ela é que não me deixa ficar fora da rotina", diz Juliana. "Costumo dizer que ela é minha fé e minha força, nós duas precisamos muito uma da outra".