O peso e a leveza de Francisco, o 265º sucessor de Pedro
Em dias entre dois papas, católicos paranaenses avaliam as transformações dos últimos 12 anos e fazem reflexões sobre o futuro da Igreja
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Em dias entre dois papas, católicos paranaenses avaliam as transformações dos últimos 12 anos e fazem reflexões sobre o futuro da Igreja
Lúcio Flávio Moura - Especial para a FOLHA

Franziskus. Francis. François. Francesco. Orações em todos os idiomas fizeram o mundo se resignar diante do primeiro sepultamento de um Papa de fato em mais de 20 anos. As multidões presentes nas ruas de Roma e conectadas nas transmissões de TV traduziram a grandeza de Mario Jorge Bergoglio (1936-2025), que foi bebê, menino e rapaz nas ruas frenéticas do bairro porteño de Flores e um homem capaz de influenciar o mundo, celebraram mais que uma vida monumental.
Ao reverenciar Francisco, católicos e humanistas sinalizaram o clamor pela paz, pela simplicidade, pela humildade, pelo afeto aos desafortunados, pela solidariedade aos oprimidos e pela coragem típica dos reformistas. Pelo menos esta é a opinião de amplos setores do clero, de muitos vaticanistas e de quatro religiosos ouvidos pela Folha, todos ainda consternados pelo fim de um pontificado tão marcante e já reflexivos às vésperas de um conclave tão aguardado, de onde sairão as setas dos novos caminhos da Igreja.

Um jesuíta franciscano
A expectativa sobre a sucessão papal e o luto pela perda de um dos maiores divulgadores das ideias franciscanas dominam o ambiente da Fraternidade Toca de Assis, enclave de caridade e silêncio na borda oeste do Jardim do Sol, em Londrina. As orações na capela que fica no interior do prédio sóbrio onde vivem idosos pobres retirados das ruas e os frades com suas vestes características ficaram ainda mais emocionais nos últimos dias. Com o fim do pontificado de Bergoglio, quem vive ali não duvida que os últimos 12 anos foram suficientes para a consolidação de uma nova referência franciscana, curiosamente surgida das hostes jesuítas.
O religioso conhecido como Irmão Emaús Maria do Santíssimo Sacramento, integrante da fraternidade, resume com uma analogia o que este período papal significou para os franciscanos, que passam os dias circulando pela cidade distribuindo refeições para quem tem fome e cuidando de idosos em pobreza extrema.

Ele lembra que do episódio quando São Francisco já liderava um grupo de 12 “irmãos” e decidiu ir à Roma com o objetivo de pedir a aprovação do Papa Inocêncio III para continuar evangelizando a população segundo seus preceitos, de absoluta simplicidade e desapego material. No encontro, o então Sumo Pontífice teria sido tomado por profunda emoção ao se lembrar de um sonho recorrente, no qual um homem muito pobre segurava a Catedral de Roma que ameaçava ruir. “Inocêncio III havia entendido que o sonho era uma comunicação divina e que São Francisco era o personagem do sonho”, explica. Era 16 de abril de 1210 e a Ordem Franciscana estava oficialmente fundada.
“O Papa Francisco também foi este sustentáculo para a Igreja e o seu pontificado teve um enorme significado para nós. Ele honrou o nome de Francisco e também não será esquecido. A igreja sempre vai receber de Deus o que ela precisa naquele tempo. Um papa é ungido pelo Espírito Santo para fazer aquilo que a humanidade precisa, não apenas a igreja. O amor de Papa Francisco pela paz, pela simplicidade, pela pobreza evangélica, pelas quebras de protocolo, tudo isso fez ele muito humano perante os olhos do mundo. Esta foi a sua identidade. Foi o pontificado do amor e do respeito. De um modo muito claro, ele enviou uma mensagem de que a humildade nos torna mais humanos. Ele fez isso quando estendeu as mãos e pediu que orassem por ele: o detentor do ministério petrino, o guardião da fé, se ajoelhar e pedir que orem por ele é um gesto notável, que será lembrado por muito tempo”, compara.
Festa na Kombi
Sua própria experiência pessoal lembra como foi marcante a escolha do nome papal pelo Cardeal de Buenos Aires para os franciscanos da sua geração. “No último conclave, me lembro que estávamos numa estrada a caminho de Belo Horizonte, quando a fumaça da chaminé da Capela Sistina embranqueceu. Estacionamos a Kombi e festejamos. Mais tarde, quando soubemos que o novo papa era um sul-americano, também ficamos muito felizes. Mas o que veio em seguida foi o que realmente nos emocionou”, relata.
A princípio, pelo Cardeal Bergoglio ser um jesuíta, as primeiras notícias é que o nome Francisco era em homenagem a São Francisco Xavier, um santo espanhol que foi um dos fundadores da Companhia de Jesus. Mas eles logo souberam que o nome era uma referência a São Francisco de Assis, santo italiano que depois de uma vida mundana aderiu à pobreza absoluta, fundou uma ordem e aderiu à evangelização itinerante inspirada na vida de Jesus. A escolha teria sido sacramentada após um abraço logo após a nomeação. O franciscano Dom Cláudio Hummes (um gaúcho nascido em 1934 em Montenegro e falecido em São Paulo, onde foi o quarto cardeal, em 2022) contou que cochichou no seu ouvido: “Papa, não se esqueça dos pobres”.
Um projeto de Igreja
O padre Sandro Ferreira, doutor em Teologia Dogmático-Sacramentária pelo Pontifício Ateneo Santo Anselmo, de Roma, vigário na Paróquia São João Batista de Jandaia do Sul e professor do curso de Teologia da PUC Londrina concorda com Emaús.

“A escolha do nome Francisco não foi aleatória. Ele significa um projeto para a Igreja a partir da espiritualidade de São Francisco de Assis, no seu modo de ser, na sua simplicidade e no seu despojamento. Ele aplica estas características em tudo aquilo que faz no pontificado. Ele construiu uma base sólida pautada no Evangelho, nos valores cristãos, de como se deve viver um papado, de como ser fiel a Jesus Cristo”, elogia.
“Mesmo sem ser uma unanimidade dentro da Igreja, o papa se tornou uma referência quando a questão é a preocupação com os pobres, bem como todas as populações marginalizadas, especialmente a população LGBTQIA+”, lembra o padre Alexandre Alves Filho, coordenador da Ação Evangelizadora da Arquidiocese de Londrina, cargo responsável por articular as diversas pastorais para que elas executem os serviços nas paróquias.
Mergulho nas periferias existenciais
“Em um dos seus documentos, ele diz que a Igreja deve procurar as periferias geográficas e as periferias existenciais. Ir ao encontro da dor das pessoas, do sofrimento delas. E ele foi. Acolheu casais em segunda união. Mais de uma vez, lavou os pés de detentos na Semana Santa. Deixou o Palácio Apostólico, com um quarto de mais de 300 metros quadrados, e foi morar na Casa Santa Marta, em um aposento de 90 metros quadrados. Durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, ele escolheu um modelo de carro simples para se deslocar pela cidade. São exemplos de um comportamento que trouxe muita gente de volta à Igreja”, avalia o padre Alexandre.
O padre Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, coordenador da Pastoral Presbiteral da Arquidiocese de Londrina, reitor do Seminário Teológico Paulo VI e escritor, afirma que Francisco “empreendeu um caminho de resgate” dos principais valores evangélicos” e que foi “uma imitação quase literal da pessoa de Jesus Cristo, como não podia ser diferente”.
Questões em aberto
E afinal, este comportamento de Francisco e suas mensagens claras vão influenciar a Igreja de fato?
“Francisco foi um reformador não tanto de estruturas, mas de ideais. A estrutura, ela vem na sequência. Primeiro se reformam ideias e depois se reformam posturas e estruturas”, pondera padre Manuel. “Tem muitas questões em aberto, a ordenação de mulheres, o fim do celibato para os padres, uma certa democratização da igreja, a reforma na estrutura central na Cúria Romana…Essa questão das mulheres, da abertura da igreja ao mundo, do diálogo sem impor, sem condenar, sendo misericordiosa, sendo humana por excelência, eu acho que isso não tem como mudar”.
Para o padre Sandro, Francisco construiu uma base evangélica e nomeou a maioria dos cardeais que vão participar do conclave, “o que nos leva a supor que este grupo se identifica com aquilo que prega, que ele ensinou ao longo da sua vida e ajude a cristalizar este perfil no próximo papado”. E como os admiradores do 266º papa, o teólogo resume o que quer. “Uma igreja simples, humilde, pobre, não apegada ao dinheiro e nem ao poder, mas uma igreja, de fato, missionária, evangelizadora, aberta para acolher a todos”.

