Existem pessoas destinadas a fazer a diferença na sociedade e a jornalista Iara Rossini Lessa, que morreu nesta segunda-feira aos 55 anos, foi uma delas. Não haverá velório e seu corpo será cremado, conforme seu desejo. Ela deixa o marido Gabriel e seu filho Ulisses. Vítima de um câncer agressivo de ovário, ela não conseguiu o tempo necessário para se tratar. Ela sofreu uma parada cardiorrespiratória pela manhã no hospital onde estava internada havia dois dias.

No Carnaval do ano passado ela foi uma das fundadoras do bloco Lambaris-ID Londrina. Da esquerda para a direita, ela é a última do trio que está agachado.
No Carnaval do ano passado ela foi uma das fundadoras do bloco Lambaris-ID Londrina. Da esquerda para a direita, ela é a última do trio que está agachado. | Foto: Vítor Ogawa/Grupo Folha

Segundo sua sobrinha Kelly Rossini, há mais ou menos 15 dias ela ligou para a irmã dela, falando que não estava bem e que estava com tumor no ovário. “Quando ela foi colocar o cateter, avisaram que tinha dado água no intestino e aí ela não colocou.”, relatou sua sobrinha. “Eu moro em Lins, cidade natal dela, e ela fez parte da minha infância. Lembro que ela sempre foi muito carinhosa comigo”, destacou. “O pai dela (senhor Florindo) era tenente aqui em Lins e talvez por isso ela discutia muito com ele sobre política e sobre a vida. Ele tinha a opinião dele e ela também tinha a opinião dela formada, então estavam sempre criticando um ao outro”, relembrou.

Ela descobriu na adolescência que tinha uma certa intimidade com as imagens, apesar da dificuldade com riscos e traços. A mãe era professora de pintura e a adolescente se aventurou com tintas e pincéis em algumas aulas. ‘‘Foi um horror’’, disse ela em uma entrevista concedida à Folha de Londrina. ‘‘Mas percebi que tinha facilidade em agrupar os ícones e criar imagens.’’ No entanto faltava a ela descobrir qual técnica seria o seu veículo de expressão visual.

Iara desembarcou em Londrina em 1983 para cursar Jornalismo na UEL (Universidade Estadual de Londrina). Sua colega de tempos de faculdade e, posteriormente, colega de trabalho, Célia Musilli, lamentou a perda da amiga. “A gente se conheceu ainda na faculdade e depois eu trabalhei uns bons anos com ela na Folha de Londrina. Ela fazia parte do projeto Folha Cidadania. Aqueles quadrinhos que eram publicados no jornal foram uma criação dela, na época da Teresa Urban (ex-editora chefe da Folha).” Musilli ressalta que, além da Folha, ela teve uma passagem importante pela imprensa do Paraná. “Ela trabalhou no Nicolau que foi um jornal cultural muito importante de Curitiba, que era editado pelo Wilson Bueno.” O Nicolau foi um jornal cultural que foi publicado por 11 anos, de 1987 a 1998. A equipe era enxuta e tinha em seu quadro Jaques Brand, Luiz Antônio Guinski, Josely Vianna Baptista, Amilton Paulo de Oliveira, Rodrigo Garcia Lopes, Yara Rossini e Rita de Cássia Solieri Brandt e Iara Lessa. Iara ficou cinco anos no periódico curitibano e lá voltou a entrar em contato com as imagens através do ilustrador Antônio Guinski.

Ainda em Curitiba, Iara Lessa fez curso de ilustração com Eliane Prolinki. A partir daí encontrou o seu caminho na arte visual: o papel e a tesoura, que depois foram substituídos pelo computador. A técnica de colagem com xerox levou a jornalista a trabalhar cada vez mais com imagens.

De volta para Londrina, Iara Lessa, depois de passar pelo Correio Londrinense veio para a Folha de Londrina, onde começou a fazer ilustrações. ‘‘Durante uma fase da Folha Jovem eu fiz todas as vinhetas’’, contava. Se tinha uma matéria pedindo uma ilustração, a tesoura e o papel de Iara Lessa entravam em ação. As jornalistas Jackeline Seglin e Zilma Santos trabalharam com ela nessa época. Segundo Zilma, Iara era uma pessoa cheia de ideias. “Nós sempre tocamos alguns projetos juntos como a Folha Jovem. A Iara era uma pessoa divertida e criativa, além de muito crítica. Foi uma companheira mesmo, amiga de todas as horas. Caso você precisasse dela, ela estava ali sempre para te ajudar. Ela era uma pessoa muito muito firme nas posições que defendia, nas coisas que ela acreditava. E é até engraçado porque eu sou uma cristã fervorosa e ela sempre declarou que defendia o ateísmo e nem por isso a gente deixou de ser grandes amigas.”

A jornalista e produtora cultural Jackeline Seglin revelou que ela compôs a banca da sua Tese de Conclusão de Curso e depois trabalharam juntas. “A Iara foi uma das pessoas que me ensinaram muito em meu começo de carreira na Folha. Quando eu entrei tive algumas mestras e a Iara era uma delas. A gente trabalhou na mesma equipe, na mesma editoria. E por mais que o tempo passe ela é o tipo de pessoa que te marca para sempre. Ela teve uma outra passagem em minha vida muito importante que foi no grupo de teatro Boca de Baco, que está celebrando agora 30 anos de história. Quando o grupo tinha completado 10 anos, a gente lançou uma coleção de camisetas e em cada uma delas um artista criou uma imagem temática para o grupo. A Iara criou uma com um poema como artista convidada. Ela foi uma das primeiras jornalistas a fazer matérias com o grupo e ela acompanhava de fato, assistia às peças e fazia a matéria. Depois que ela saiu da Folha ela chegou até a fazer assessoria de um dos nossos espetáculos, tamanho o envolvimento que ela tinha com a cultura. Ela também participava das festas promovidas pelo Boca de Baco.”

Ela e sua colega Joice Montefeltro foram autoras do livro “FUNCART: Arte sem firula, cultura sem frescura”, publicado pela Eduel em 2003.

Engajada politicamente, Iara foi uma das fundadoras do coletivo Ideias Democráticas de Londrina, que surgiu para discutir a política local. Em entrevista para a Folha em fevereiro de 2020, ela disse que todo mundo estava muito cansado de votar no menos pior. “A ideia do grupo é que a gente possa interferir um pouco na eleição, colocar candidatos mais progressistas, quebrar um pouco essa hegemonia da direita em Londrina.”

No Carnaval do ano passado foi criado um bloco chamado Lambaris - Ideias Democráticas. O nome tem relação com o movimento Sardinhas, da Itália, que luta contra o regime fascista do País. Segundo Célia Musilli, o nome “Ideias Democráticas” foi a Iara quem criou. “Ela era administradora da página juntamente comigo e a Elvira Alegre. A gente conversava muito sobre isso pessoalmente e achou que deveria levar isso ao público, incentivando as pessoas a se manifestarem, porque o momento é muito grave. Ela foi muito participativa”, destacou.

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