O desamparo visto do alto
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quinta-feira, 06 de janeiro de 2000
Por Alceu Luís Castilho
São Paulo, 06 (AE) - Sobre seus barcos, nas ruas das cidades mais atingidas pelas enchentes, as pessoas acenam para o helicóptero. Não podem saber que se trata de reportagem. O aceno mostra curiosidade, mas também desamparo. Em Aparecida, no Vale do Paraíba, na cidade que costuma clamar por Nossa Senhora, o poder público não apareceu na mesma intensidade que as chuvas. De tanto se esforçar para ser notado, um grupo de quatro pessoas caiu do barco e teve de nadar na piscina de asfalto.
A reportagem percorreu hoje inúmeras cidades de São Paulo, Rio e Minas e viu de cima o beco sem saída de uma gente que já acreditou em carros, ruas, avenidas e no conceito de estabilidade que se associa à moradia. Em muitas cidades visitadas, a água baixou. Os sinais dos números catastróficos sobre desabrigados e casas destruídas são menos evidentes do alto. Ficam por conta do barro, dos tratores e caminhões de limpeza - em São Luís do Paraitinga, a prefeitura acionou carros-pipa com água e cloro.
Esse é o caso da maioria das cidades do Vale do Paraíba, à exceção de Aparecida. Em Queluz, o movimento das águas compõe uma cena de impacto na altura da ponte, mas as áreas alagadas estão sendo liberadas e os moradores voltando. O mesmo vale no trecho até Resende, no Rio, e de cidades na divisa da Serra da Mantiqueira, como Passa Quatro, onde se observam uma ponte destruída e piscinas tomadas pelo barro - a enchente não foi só nas casas dos mais pobres. Canais - Onde a água se mantém concentrada em uma lógica de lagoa, a visão a alguns mil pés de altitude impressiona pela demolição temporária da noção de cidade (Veneza à parte): orelhões e postes tomados pelas águas, barcos e objetos pouco identificáveis transportando pessoas em canais.
Em meio ao caos, tanto as remadas como as caminhadas sobre as águas são lentas, sem desespero. Em Itajubá, em Minas, a água chega quase sobre o pescoço dos que enfrentam a água e a possibilidade de contrair leptospirose: do helicóptero, próximo dos pontos de alagamento, descortina-se um lixão a céu aberto. Em uma das ruas mais alagadas, um muro com a bandeira do Brasil - sobra da Copa do Mundo de 1998 - destaca as cores verde, azul e amarela em meio à cor de barro das águas.
Na chegada de Santa Rita do Parnaíba, uma das mais atingidas pelas enchentes, um caminhão transportando macarrão foi desmembrado em duas partes. No meio da ponte, a carga. Mais à frente, o caminhão propriamente dito, quase submerso. Aparentemente, o motorista tentou escapar sem a carga, mas não conseguiu. Ao lado da estrada ilhada não se vê a ferrovia, submersa. (Colaborou Julio Ottoboni)
