O caminho do empreendedorismo feminino compartilhado
Grupos que reúnem empresárias são uma forma de fortalecer o negócio, trocar experiências, fazer networking e aliviar pressões do dia a dia
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 06 de maio de 2024
Grupos que reúnem empresárias são uma forma de fortalecer o negócio, trocar experiências, fazer networking e aliviar pressões do dia a dia
Jessica Sabbadini - Especial para a FOLHA
Em meio aos desafios de ser uma mulher encabeçando um empreendimento, os grupos e associações que reúnem empresárias são uma forma de fortalecer o negócio, trocar experiências, fazer networking e aliviar as pressões e desafios encontrados no dia a dia.
Criadora do MEC (Mulheres Extraordinariamente Comuns), Bruna Brunieri Bortholazzi conta que a ideia de montar um grupo de empreendedoras de Ibiporã (Região Metropolitana de Londrina) surgiu por acaso durante um café com algumas colegas em julho do ano passado. Interessadas em trocar experiências e fortalecer o networking, as empresárias toparam a ideia de fazer encontros para apresentarem seus trabalhos.
O primeiro encontro oficial do MEC foi no mês seguinte, reunindo 50 empresárias. Ela explica que em cada reunião as mulheres têm a oportunidade de se apresentarem para as colegas, assim como podem mostrar o trabalho que desenvolvem em uma roda de negócios. O encontro também traz palestras, além do relato das participantes sobre a vida e os desafios do trabalho.
A consultora de negócios do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Liciana Pedroso, cada encontro desses grupos é uma oportunidade para troca de experiências, levando em conta os erros e acertos de cada uma como um aprendizado para a outra.
“Você vê que é possível ter crescimento e sustentabilidade no seu negócio a partir dessas trocas, desse envolvimento que as mulheres têm nesses grupos", aponta.
“Em Ibiporã, a gente ainda tem aquela mentalidade de cidade pequena, de que aqui não tem nada e não oferece nada, então [através do grupo] a gente começou a fortalecer o comércio local e o empreendedorismo da cidade”, detalhou Bortholazzi.
'TEM PÚBLICO PARA TODO MUNDO'
Além disso, ela aponta que o grupo auxiliou também a reduzir o pensamento de que empreendedoras do mesmo ramo não podem trabalhar juntas para fortalecer seus negócios. “A gente tinha a intenção de mudar isso [porque] não é assim que funciona, tem mercado para todo mundo, tem público para todo mundo, então todo mundo pode trabalhar junto”, afirma.
No começo, o grupo reunia cerca de 50 mulheres; agora, já são mais de 120 participantes. Com resultados positivos já nos primeiros encontros, muitas mulheres fecharam negócios ainda durante as reuniões. “Juntas a gente pode mais. Nós, mulheres, temos que nos unir e [ter em mente] que a gente não precisa ser concorrente ou inimiga uma da outra, a gente tem muito o que fazer juntas”, garante.
Muito satisfeita com os resultados até agora, Bortholazzi afirma que sempre ficou escondida atrás do marido, com quem trabalha há 12 anos, mas que o grupo também a fortaleceu e trouxe mais confiança para estar à frente do negócio. O foco, agora, é estruturar ainda mais o grupo, assim como ampliar para que mais mulheres possam participar dos encontros. “E trazer cada vez mais experiências legais para as mulheres que estão junto com a gente e para as que querem entrar”, afirma.
Marisol Chiesa é presidente da Cacinp (Coordenadoria das Associações Comerciais e Empresariais do Norte do Paraná) Mulher, que representa mais de 600 empreendedoras da Região Norte do Paraná. “É uma rede de mulheres que apoiam outras mulheres para que elas possam enfrentar toda e qualquer dificuldade”, ressalta.
PROTAGONISMO
A psicóloga Ana Paula Durante explica que "pressões internas e externas são colocadas, mesmo que de forma invisível ou velada, sobre os ombros das mulheres, afastando-as do protagonismo nos negócios". Dessa forma, as barreiras impostas às mulheres exigem que elas precisem, constantemente, provar serem capazes de empreender, tanto para si quanto para o outro.
Ela pontua que a união entre as empreendedoras é um momento em que todas podem se sentar e falar sobre os negócios e trocar experiências, contribuindo para a saúde mental e bem-estar. Segundo Durante, os grupos fortalecem a mulher enquanto sujeito, deixando de lado a concepção de que elas existem para servir ao patriarcado. “É um lugar em que elas podem ser as protagonistas da própria história, do próprio trabalho, da sua própria existência. Esses grupos ampliam o repertório de autoconhecimento de cada mulher que está ali”, afirma.
A psicóloga ressalta que, ao falar em empreendedorismo feminino, a solidariedade é o ponto-chave para encorajar outras mulheres. “É muito importante continuar esse caminho do empreendedorismo feminino compartilhando, tendo esses grupos, participando desse networking, roda de conversa e troca de experiências. Isso é a continuidade de um pensamento que causa um movimento muito bacana para as mulheres e faz com que elas alcancem a autorrealização e o sucesso”, pontua.
ACOLHIMENTO
No ramo dos produtos fermentados, Poliana Brambilla Martins de Souza, 39, é uma das mulheres que fazem a Feira da Mulher Empreendedora de Sertanópolis (Região Metropolitana de Londrina) acontecer. Realizada desde 2022, a feira ganhou agora o caráter de entidade.
O projeto começou como parte do tratamento indicado por uma profissional do município para mulheres com quadros de depressão no pós-pandemia, que foi tomando forma e ganhando espaço.
Toda quarta-feira, o encontro reúne mais de 50 empreendedoras que atuam em diversos ramos para vender os produtos e colocar o papo em dia. “O intuito nosso é, além do financeiro, o acolhimento. [A gente quer] acolher as mulheres para que elas possam mostrar o seu trabalho, [mostrar] qual o seu talento”, explica.
Caracterizando o grupo como uma família, ela detalha que uma das participantes enfrentou um grave problema de saúde nos últimos meses, o que motivou com que elas se reunissem para ajudar a colega. “É uma força que move as mulheres umas pelas outras”, afirma.
BOM PARA O NEGÓCIO E PARA ALMA
Apaixonada por carros desde a infância, Gisleide Maria Gobeti Mazur, 48, não conseguia se encontrar no trabalho mesmo tendo concluído três cursos superiores. Diagnosticada com depressão e síndrome do pânico, resolveu virar a chave e começar a empreender. A única certeza era que o negócio tinha que envolver veículos.
Em 2019, com o valor de um empréstimo em mãos, deu início à oficina Revizza, em Ibiporã. Apelidada na cidade como “a mecânica”, quem não conhece a trajetória se surpreende por ela atuar em uma profissão majoritariamente dominada por homens.
Participar do grupo de empreendedoras da cidade, para ela, foi sinônimo de clientela nova. “A primeira vez que eu fui me apresentar, ninguém sabia [que eu tinha uma oficina], mesmo Ibiporã sendo uma cidade pequena”, aponta, ressaltando que o grupo possibilitou que ela atraísse novos clientes para a oficina. “É gostoso [participar dos encontros], relaxa desse mundo empresarial difícil que a gente enfrenta, você faz amizades. É bom para o negócio e bom para a alma”, afirma.
DA SALA DE AULA PARA OS NEGÓCIOS
Com mais de três décadas de sala de aula, a farmacêutica bioquímica Aneli de Melo Barbosa Bekker, 67, resolveu se aventurar no mundo do empreendedorismo. Novata na área, o negócio começou em 2020 em um espaço de 64m² alugado dentro do bloco de inovação e tecnologia do campus de Londrina da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná).
A Beta Glucan Biotecnologia é uma startup que faz a produção da beta-glucana, uma fibra natural produzida por um fungo e que tem ativos utilizados em cosméticos, com poder antioxidante, hidratante, anti inflamatório e cicatrizante.
Caindo de paraquedas no empreendedorismo, Bekker faz muitos cursos voltados, principalmente para a venda, já que toda a renda da empresa vem dos cosméticos. “Para mim está sendo um desafio aprender a ser empresária”, afirma.
Participando do Conselho da Mulher Empreendedora, ela admite que, para quem está começando no mundo dos negócios, participar de um grupo de empresárias faz toda a diferença. “Você colabora para divulgar as empresas de outras pessoas e elas vão ajudar a divulgar a sua empresa e os seus produtos”, aponta. Para ela, a solidariedade que existe dentro do grupo é algo marcante e essencial para que o negócio possa deslanchar. “É unir para crescer [porque] sozinho ninguém cresce.”
1 A CADA TRÊS NEGÓCIOS
Consultora de negócios do Sebrae, Liciana Pedroso explica que o número de mulheres à frente dos negócios vem crescendo nos últimos anos. O aumento, segundo ela, é motivado pelo “encontro” das mulheres no empreendedorismo. Ela detalha que outro fator que também pode ter contribuído foi a pandemia de Covid, principalmente por conta da dificuldade de recolocação no mercado de trabalho formal.
De acordo com dados da PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), relativos ao último trimestre de 2023, 32% dos empreendimentos no Paraná são comandados por mulheres, ou seja, um em cada três negócios são encabeçados por elas. A porcentagem representa, aproximadamente, 560 mil empreendedoras em todo o estado, atuando em sua maioria no setor da prestação de serviços e no comércio.
Nos dois cenários, o negócio próprio passou a ser a forma encontrada de gerar renda e colocar dinheiro dentro de casa, já que, de acordo com uma pesquisa do CMEC (Conselho Nacional da Mulher Empreendedora e da Cultura) de 2023, ligada à CACB (Confederação das Associações Comerciais do Brasil), 24,5% das empreendedoras são chefes da família, enquanto que 42,2% compartilham o papel com outra pessoa. “Elas encontraram ali [no empreendedorismo] um novo caminho e acabaram não voltando para o mercado formal”, aponta.