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"Repórter que não circula perde o emprego", ensina Oswaldo Militão
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Militão e a esposa Ignez Therezinha na década de 1970



Quis o destino que um exemplar da Folha de Londrina fosse parar nas mãos de Zulmira Militão, assim que ela descesse do ônibus vinda de Bela Vista do Paraíso. "Ainda na rodoviária minha mãe comprou uma Folha na banca para procurar uma pensão para eu ficar", lembra o colunista Oswaldo Militão, que este ano está completando seis décadas de jornalismo. "Meu registro na Folha é de 15 de maio de 1956", entrega.



Nas páginas do jornal em que o filho trabalha até hoje, Zulmira encontrou o anúncio que dizia ‘procura-se um colega para alugar quarto na Avenida Higienópolis. Tratar com Walmor no Lar Hotel’. Sem imaginar, a mãe do jornalista não só deu início à uma longa amizade para o filho, como também o colocou na trilha para uma carreira com a qual ela sequer sonhava. "O sonho da minha mãe era que eu fosse advogado. Por isso me trouxe para Londrina, para que eu pudesse fazer o colegial, algo que não tinha em Bela Vista do Paraíso."

Dois anos mais velho que Militão, Walmor Macarini já era um redator estabelecido na Folha de Londrina quando publicou o tal anúncio. "Ele foi muito gentil com a minha mãe, faço questão que você escreva isso. E minha mãe, por sua vez, disse que eu era um menino bonzinho. Toda mãe acha o filho bonzinho, não é mesmo?!", relata.

Como ainda não tinha conseguido alugar o quarto na Higienópolis, Macarini ofereceu a cama extra que tinha no hotel. "Ele falou para minha mãe que ficaria mais barato tanto para ele quando para ela", diz. Algum tempo depois, o amigo confidenciou para Militão o motivo do anúncio. "Ele dizia que queria morar na Higienópolis porque era lá que estavam as mulheres bonitas", diverte-se.

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Colunista entrevista o então prefeito de Londrina, Milton de Menezes, na década de 1960



O COMEÇO
E foi um fim de semana romântico do colega de quarto que levou o colunista para o jornalismo. "O Walmor arrumou uma bonita namorada e os dois foram participar de um piquenique. Ele ficou o dia inteiro lá. E como era muito branco e pegou muito sol na piscina, no outro dia não conseguiu levantar, teve febre. Aí ele falou ‘Militão do céu, não estou conseguindo levantar. Você sabe datilografia? Então vai lá na Folha para mim, abre a gaveta e vai achar um livro de poesia, um livreto de receitas e telefones da cidade. Você vai ligar para o cinema e perguntar qual o filme de amanhã’. Como naquela época não fazia nada de manhã, porque estudava à noite, eu fui."

Dois colegas estranharam a presença do adolescente em frente à máquina de escrever. "Era uma Underwood", conta Militão, conhecido por sua impressionante memória para nomes, datas e acontecimentos. "Quando eu expliquei que o Walmor tinha ficado doente e me pediu para ir no lugar dele, um deles, o João Rímoli, disse ‘mas ele não sabe que é proibido ficar doente porque não tem quem fique no lugar?’. Eu respondi que tanto ele sabia que tinha me mandado no lugar.

O mal-estar do colega de quarto durou mais uns três dias e Militão continuou a substituí-lo. "Até que no quarto dia, alguém para me sacanear escondeu o livrinho de poesias. Eu não tive dúvidas, fiz uma minha mesmo". E na coragem juvenil, ainda assinou a poesia. De novo, o destino fez das suas. "Naquele dia, o Nilson Rímoli, que era o chefe de redação, chegou mais tarde e o pessoal da gráfica pegou os textos na mesa dele. Ninguém revisou e só foram ver meu nome no dia seguinte", conta rindo.

Ao invés de levar um bronca, Militão foi convidado a continuar na redação. "Eu ia buscar as notícias para o João Rímoli, que fazia a Ronda pela Cidade, o Quatro Cantos Quatro Fatos e escrevia o editorial", lembra. "Ia no Rotary, no Lions, nos clubes, no Tiro de Guerra, na delegacia de polícia e na prefeitura.

Em visita a Londrina, o colunista Dino Almeida, então do Diário do Paraná, deu a dica para os colegas. "Ele disse que estava na hora da Folha criar uma coluna social. Vai vender mais jornal" lembra Militão, que contextualiza: "era a época do José Tavares de Miranda, que só andava engravatado, e do Ibrahim Sued, famoso pelas Dez mais", diz. A ideia foi prontamente aceita. Só não sabiam quem iria escrever até escalarem Sady Safady, pseudônimo que encontraram para João Rímoli.

E Militão continuou "a buscar as notícias nas fontes", algo que segue fazendo até hoje. "Não uso internet, mas ouço rádio, vejo televisão e compro revistas. Para quem viaja, peço para trazer jornais de fora", avisa. "Na minha opinião, repórter que não circula perde o emprego. Você tem que ir, sair. Você encontra uma pessoa na rua e ela tem uma notícia para te dar. Modéstia à parte, se a pessoa vem conversar, eu tiro uma notícia dela", afirma.

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| Foto: Arquivo Pessoal
Em 1959, Militão e Bellini, ex-capitão da seleção brasileira, após jogo contra a equipe paraguaia, em Assunção



A COLUNA SOCIAL
Quando o titular da coluna sociedade decidiu parar, Militão foi convocado. Tinha então pouco mais 20 anos e era editor de esportes, fechando três páginas diárias. "Talvez eu tenha errado em aceitar. Era só um estudante de família pobre, então eu causei um pouco. O povo estava acostumado com Ibrahim Sued, Alvaro Americano. E aí eu apareci, quem era o Militão? É de família rica? Mas depois de algum tempo me disseram que eu fui responsável por Londrina não ter grupinhos. Isso porque eu misturei as classes, o pobre, com a classe média, com os milionários", orgulha-se.

Não fosse por uma curta temporada de um ano e meio que ficou longe da Folha, Militão poderia mudar o bordão que costuma usar para se definir. "Casado com a mesma mulher, Ignez Therezinha Goes Militão, quase sempre no mesmo emprego e só não fiquei na mesma casa porque nos assaltaram e mudei para proteger minha família", diz.

"Em 1992, uma nova diretoria me tirou daqui (Folha) porque acharam que eu já era veterano. Quando chegou a diretoria do doutor José Eduardo de Andrade Vieira e o chefe de redação Nelson Merlin, a Folha me chamou, atendendo a pedidos de londrinenses que me queriam de volta. Acabei ficando graças ao leitores e aos colegas de trabalho, que me ajudam muito. Eu acho que a Folha hoje é o principal jornal do Paraná e um dos melhores do Brasil e isso aumenta muito a nossa responsabilidade. A minha e a de todos aqui", frisa.

Aos 77 anos, o colunista não pensa em parar. "A minha cabeça não é de aposentado, embora o corpo não me ajude. Eu sinto um pouco de cansaço. Mas minha cabeça nem meu bolso são de aposentado. Não posso parar porque minha cabeça quer fazer coisas", avisa.