Londrina - Na infância, Alecsandra Oliveira Santos, de 40 anos, ouviu várias vezes do pai que ela e os irmãos só iriam trabalhar depois de formados na universidade. É desta época, também, o sonho de estudar Direito e se tornar juíza "para levar Justiça a todos que precisam". Nascida em uma família simples, porém trabalhadora, Alecsandra vivia uma situação de segurança financeira que nunca a fez duvidar que realizaria este sonho. No início da adolescência, porém, a separação dos pais e a sucessão de negativas que a vida lhe impôs colocaram em risco a realização do projeto.
É por isso que a história desta manicure e cabeleireira de Londrina emociona. Depois de abandonar a escola ainda jovem e enfrentar dificuldades típicas das pessoas que engrossam as estatísticas da evasão escolar e falta de qualificação para o trabalho, Alecsandra venceu. Retomou os estudos aos 36 anos em um curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, hoje, é a orgulhosa aluna do primeiro ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

INFÂNCIA DIFÍCIL

Alecsandra é londrinense, filha mais velha de um casal com histórico de violência familiar. "Meu pai foi ótimo para os filhos, mas péssimo marido", lamenta ela, que se mudou para São Paulo ainda bebê quando o pai recebeu uma transferência no trabalho. Na capital paulista, nasceram dois irmãos da cabeleireira. Quando sua mãe estava grávida de sua irmã mais nova, ela decidiu retornar a Londrina, trazendo todos os filhos, por medo de morrer diante da violência do marido.
"Quando criança, vi muitas coisas que não deveria ter visto", recorda a moça, que aos 13 anos acompanhou a mãe com o rosto desfigurado em um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) após mais uma das surras que sofreu. "Como meu pai não dava dinheiro, ela passou a trabalhar como diarista. Foi uma das patroas que aconselhou fazer a denúncia. Chegamos a ir ao IML, mas naquela época não tinha a Lei Maria da Penha e ela não teve coragem de manter a denúncia por medo do meu pai maltratar os filhos."
Alecsandra lembra do ano em que completou 13 anos como "o pior das nossas vidas". Sem condições psicológicas de lidar com a violência diária, ela e os dois irmãos foram reprovados na escola. "A gente não tinha a menor condição de estudar. Na hora do meu pai chegar em casa, todos tínhamos diarreia", conta, para justificar o estado de terror em que vivia.
Quando a mãe trouxe os filhos para Londrina, o pai se afastou totalmente da família e não ofereceu qualquer ajuda financeira para sustentar as crianças. Alecsandra, a boa aluna que sonhava ser juíza, começou então a assistir o desmoronamento dos próprios planos ao arrumar um trabalho para ajudar a mãe a criar os irmãos mais novos, incluindo a irmã recém-nascida.
Foi babá e empregada doméstica até completar 14 anos, idade mínima para entrar no mercado de trabalho formal no final da década de 1980. Foi admitida como fiandeira em uma empresa de fiação de seda e, dedicada, chegou a chefe de sessão. A trajetória de trabalhadora, porém, inviabilizou de vez a vida de estudante. "Parei de estudar na sexta série, com 15 anos. Gostava da escola, mas a vida nunca favoreceu meus estudos", lembra.
Sete anos após o ingresso na indústria, Alecsandra deu nova guinada. Em busca de mais oportunidades, mudou-se sozinha para São Paulo, onde trabalhava como secretária e fazia bicos de auxiliar de cozinha para sustentar a si própria e ainda enviar dinheiro à família. "Até tentei voltar para a escola, mas não dava tempo de estudar", conta.

TRAGÉDIA

E como tragédia pouca é bobagem, aos 23 anos, grávida da filha Sabrina Alecsandra, hoje com 16 anos, nossa batalhadora sofreu mais uma perda. O namorado, pai do bebê que ainda não tinha nascido, morreu em um acidente de moto, deixando a jovem gestante à mercê da própria sorte na capital paulista, onde terminou a gestação e teve a filha sozinha, sem a presença de qualquer familiar. "Sai de casa para ser uma solução, e não um problema para minha mãe. Por isso não contei que estava grávida", relata.
A mãe só soube da situação da filha quando ela começou a sofrer graves consequências por causa de complicações no parto. E foi para criar a pequena Sabrina que Alecsandra retornou a Londrina, onde fez cursos na área de estética e iniciou na profissão que mantém até hoje.

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