As salas de aulas entre quatro paredes estão mais vazias nas universidades do Paraná, enquanto o número de estudantes que acessam às plataformas digitais para graduações em cursos a distância cresceu mais de 40% no Estado entre os anos de 2020 e 2022, o que revela um êxodo do modelo presencial para o remoto na formação profissional.

Ao todo, quase 245 mil alunos estavam matriculados no ano passado em cursos por plataformas digitais no Estado, sendo que o número era de aproximadamente 165 mil paranaenses em 2020
Ao todo, quase 245 mil alunos estavam matriculados no ano passado em cursos por plataformas digitais no Estado, sendo que o número era de aproximadamente 165 mil paranaenses em 2020 | Foto: iStock

Os dados fazem parte do Mapa do Ensino Superior de 2022, levantamento feito anualmente pelo Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), que aponta um aumento de 50% de formandos no EAD no Paraná desde a pandemia, de 23.661 para 35.532 concluintes, sendo que o número de matrículas, independentemente do ano da graduação, subiu para 47% e os novos alunos ingressantes, geralmente no primeiro ano, teve uma elevação de 42% no ensino superior a distância.

Ao todo, quase 245 mil alunos estavam matriculados no ano passado em cursos por plataformas digitais no Estado, sendo que o número era de aproximadamente 165 mil paranaenses em 2020.

Na contramão, o comparativo do Mapa do Ensino Superior com os dados dos últimos dois anos mostra uma tendência de esvaziamento das salas dos cursos presenciais nas universidades do Paraná e nos outros dois estados da Região Sul, que concentram 17,5% das matrículas do ensino superior de todo o País.

Segundo o levantamento, o número total de estudantes matriculados nos cursos presenciais era de 333 mil universitários no Paraná, o que representa uma queda de 11,5% no período, que também registrou que o número de ingressantes caiu 15% no Estado, que totalizou em 2022 cerca de 100 mil novos alunos na modalidade presencial. No EAD, mais de 150 mil estudantes ingressaram no ensino remoto no ano passado.

Membro do Conselho Científico da ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância), o procurador Institucional da Unifil, Leandro Henrique Magalhães, defende que a pandemia acelerou o processo de uso das tecnologias em sala de aula, que já estava acontecendo antes de 2020, com impactos no EAD, mas também provocou mudanças de postura nas graduações presenciais.

“Hoje, os cursos que não utilizam tecnologias dentro da sala de aula vão ter dificuldades com os alunos, principalmente, porque as novas gerações fazem uso intenso dessas ferramentas, o que afeta positivamente o ensino a distância neste processo”, avalia.

Ele destaca que entre as vantagens do EAD estão as flexibilidades de tempo e espaço, com cronogramas de estudos sem necessidade de horário fixo ou de deslocamento, o que facilita o acesso de estudantes que moram em cidades grandes ou em áreas isoladas sem instituições que oferecem cursos de ensino superior.

“Isso também permite que o aluno assista e reveja os conteúdos e, ao contrário do que alguns pensam, isso ocorre com interação e colaboração entre alunos, tutores e professores-tutores”, argumenta.

Imagem ilustrativa da imagem Novos alunos crescem 42% no EAD e caem 15% em graduações presenciais
| Foto: Folha Arte/Gustavo Padial

Questionado sobre a qualidade na formação, Magalhães diz que é possível garantir a mesma qualificação com uso adequado da tecnologia, cursos bem organizados e matrizes curriculares e modelos pedagógicos estruturados. Ele ainda pondera que o EAD permite o desenvolvimento de metodologias próprias em cada universidade e que assim, como ocorre nos cursos presenciais, as graduações podem apresentar índices diferentes de qualidade.

O procurador ressalta que os últimos censos educacionais mostram a superação no número de novos alunos no EAD, em relação ao modelo presencial, e afirma que isso aponta que o mercado passou a olhar com bons olhos a formação desses profissionais.

“Por algum tempo, prevaleceu no meio acadêmico um preconceito contra o EAD e as universidades proibiam os cursos. Isso diminuiu após discussões de como a educação a distância pode favorecer o processo de ensino e aprendizagem. As instituições privadas estão na vanguarda e existe a necessidade de uma política pública para EAD no Brasil, seja na esfera federal e estadual, com medidas específicas, pois o modelo democratiza o ensino”, defende.

Além disso, Magalhães lembra que não existe uma legislação que trata do ensino híbrido, que possibilita a ampliação das atividades on-line na formação conjunta com práticas presenciais. “Quando tenho um curso na área de saúde, preciso entender quais as partes deste curso serão presenciais. Não vou ter um curso 100% EAD, mas com parte da carga horária presencial, assim como os estágios que são obrigatórios. O híbrido une o melhor dos mundos, com modelos pedagógicos mais ou menos, presenciais com práticas, laboratórios e estágios. Então, sim, é possível ter EAD em todos os cursos”, responde.

PROFESSORES

De cada 10 alunos concluintes de cursos de formação inicial para docência, como pedagogia ou licenciaturas, seis estão na modalidade EAD, aponta a organização Todos pela Educação, que faz um alerta sobre o impacto no ensino básico e fundamental no Brasil com a alta de profissionais formados por meio das graduações a distância. Além disso, dos 61 formados em um grupo de 100 novos docentes, o levantamento aponta que 57 estão no ensino a distância na rede privada.

Já nos demais cursos do ensino superior, o número é inferior a três em cada 10 (24,6%) - a participação do EAD no total de concluintes na formação inicial de professores é superior ao dobro em comparação com outros cursos.

“O EAD ganhou força na última década. Há 10 anos, o número de professores formados era de 30% no ensino a distância e esse aumento tem impacto na educação básica e fundamental no País. Isso é muito sério, pois quantos alunos vão passar por um professor durante 30 anos de docência?”, questiona Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais da organização Todos pela Educação.

Ele argumenta que a formação de professores é “essencialmente prática” com necessidade de diálogo entre a teoria e o dia a dia na sala de aula e comparou a docência com a medicina, que também possui uma formação teórica e prática, mas não possui cursos de graduação EAD. “As plataformas são frágeis, baseadas em vídeos gravados, fórum, com pouca troca entre alunos e professores e estágios com a mesma fragilidade. Não dá para entrar em uma sala de aula sem competências mínimas. O EAD foi uma exceção que virou estratégia de formação de professores no Brasil”, critica.

Gontijo pondera que a pedagogia é uma porta de entrada para muitas pessoas que optam pela docência e não dá para “culpar” quem escolhe pelos cursos EAD, que são mais baratos, sem limites de alunos e com menos professores no atendimento por uma questão mercadológica e comercial. “O professor é uma profissão de interesse público com a entrada de cerca de 80% dos matriculados no mercado de trabalho. Daqui a 20 anos, a formação de docentes será quase toda via EAD? Quais os impactos? As experiências internacionais apontam que os resultados não são positivos”, analisa.

O gerente de políticas educacionais cobrou do MEC (Ministério da Educação) a regulamentação e fiscalização dos cursos no que classifica como a “farra do EAD”, alvo de uma nota técnica da organização no ano passado. “Diante deste cenário, torna-se fundamental que o Ministério da Educação aprimore os processos avaliativos e regulatórios dos cursos de formação de professores, para que fique mais claro qual o impacto para a Educação brasileira da principal estratégia de formação de professores no país ser a expansão da Educação a Distância, modalidade que vai na contramão do que as pesquisas e boas experiências educacionais indicam ser o mais adequado”, diz o documento.

Procurado pela FOLHA, o MEC não respondeu aos questionamentos sobre a avaliação dos cursos EAD até o fechamento da reportagem.