A discussão sobre o planejamento para o retorno das aulas presenciais na rede estadual começou oficialmente nessa semana. Com a expectativa de retorno considerada “muito difícil para antes de setembro”, como já afirmou o governador Ratinho Junior (PSD), medidas como o escalonamento das turmas, aplicação de questionário para assegurar a confiança dos pais e suspensão de atividades nas escolas que registrarem ao menos um novo caso de Covid-19 estão na pauta do comitê interno formado por servidores da Saúde, Educação, Planejamento e Projetos Estruturantes e representantes da sociedade civil.

Uso de álcool em gel e distanciamento social farão parte da rotina na volta às aulas
Uso de álcool em gel e distanciamento social farão parte da rotina na volta às aulas | Foto: iStock

O diretor de Educação da Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte), Roni Miranda Vieira, assegurou que experiências colocadas em prática em outros países vão ser levadas em consideração, porém, um "modelo consolidado e ideal para o Paraná ainda está no campo das ideias".

Embora o uso obrigatório de EPIs (equipamentos de proteção individual), como máscaras, a medição de temperatura e o distanciamento mínimo de dois metros entre os alunos nas salas já tenham sido colocados pela Sesa (Secretaria de Estado da Saúde) como fundamentais nesse "novo normal" da educação, as implicações decorrentes da implementação de um modelo "europeu" de escalonamento das turmas são apontadas como "desafiadoras". "Vamos olhar muito para fora. Se discute o rodízio de estudantes, consulta às famílias. Em princípio vamos ter que seguir os protocolos orientados pela saúde em relação ao distanciamento, uso de EPIs por todos, mas ainda é prematuro", avalia.

Enquanto as dúvidas acerca deste debate ainda superam as certezas, a secretaria precisou correr para desmentir uma informação que circulou nas redes sociais. Tratada como fake news por Ratinho Junior, a informação era de que o retorno já estava confirmado para 17 de agosto.

Os professores do ensino público deverão se deparar com listas de chamadas ainda maiores no retorno às aulas. Somente na rede estadual, que conta com mais de 1 milhão de alunos, 10 mil oriundos da rede particular já solicitaram matrículas entre março e a manhã de quinta-feira (9). “É um número significativo dentro do cenário que estamos vivendo, mas é obrigação da educação pública receber este estudante. Temos vagas para absorvê-lo, mas talvez não seja naquele local que a família ou o estudante pretende”, pondera.

Segundo apurou a reportagem junto ao Núcleo Regional de Educação de Londrina, 119 solicitações foram realizadas no mesmo período. O total envolve 43 pedidos para novas matrículas de alunos da rede particular, 50 de estudantes que vieram de outros Estados e seis de fora do Brasil. Destas solicitações, 96 já haviam sido atendidas.

Professores da rede estadual do Paraná ouvidos pela reportagem apontaram dificuldades da modalidade on-line nos últimos quatro meses. O aplicativo sugerido pela pasta estaria consumindo o pacote de dados, o que acaba prejudicando os alunos que não possuem planos de internet.

Questionado, Roni Miranda Vieira afirmou que o índice geral da evasão escolar no Estado está em torno de 5%, o que seria próximo do índice registrado antes da pandemia. De acordo com o governo do Paraná, foram realizados 930 mil downloads do aplicativo Aula Paraná em plataformas Android e iOS. Além da contratação de uma emissora de TV aberta para a exibição das aulas. O sinal, porém, não chega a mais de 130 municípios. O Estado aponta ainda que as aulas no Youtube já foram visualizadas 23 milhões de vezes.

Na rede municipal de ensino, o fenômeno deve se repetir. Antes da pandemia, entre oito e dez pedidos por mês eram realizados todos os meses. Entretanto, 138 solicitações de transferência foram realizadas em maio e outras 111 até o dia 22 de junho, informou a secretária municipal de Educação, Maria Tereza Paschoal de Moraes.

Etapa vencida

Bem longe da realidade das salas de aula, uma etapa importante para a regulamentação das novas regras sobre a carga horária obrigatória e o currículo acadêmico foi vencida no Congresso Nacional. O plenário aprovou no início deste mês o texto-base da Medida Provisória 934, que trata da suspensão da obrigatoriedade de escolas e instituições de ensino superior de cumprirem a quantidade mínima de dias letivos ainda neste ano por conta da pandemia.

Conforme a medida, cuja relatoria foi da deputada federal Luísa Canziani (PTB-PR), a educação infantil está dispensada de cumprir os 200 dias letivos e carga mínima de 800 horas. O texto também prevê que as escolas de ensino fundamental e médio deverão cumprir a carga horária mínima de 800 horas, mas não necessariamente em 200 dias letivos, e permite que o conteúdo acadêmico programado para ser aplicado em 2020 possa ser aplicado em 2021.

Com o envio da medida para a aprovação no Senado, cabe ainda aos deputados votarem o projeto que garante o financiamento da educação: a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 15/15, que prevê a renovação do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), cujo prazo de validade termina no final deste ano. Conforme afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), à Agência Brasil, a PEC será colocada em pauta na semana que vem.

'Olhar diferenciado' sobre reprovações

Para a empregada doméstica Sueli Moreira dos Santos, 42, a "melhor" coisa que pode acontecer na trajetória escolar do filho, Pedro Henrique, 12, é a reprovação na série em que atravessa em plena pandemia, o 6º ano do ensino fundamental no Colégio Estadual Polivalente de Apucarana (Centro-Norte). "Prefiro que faça de novo. Ele acha que não tem a obrigação de fazer, acha que vai passar", lamenta. Preocupada, a mãe avalia que o filho não consegue manter a concentração a ponto de assimilar o conteúdo da mesma forma pela tela do celular.

Na opinião dela, o filho passou a não compreender que as aulas remotas necessitam de "ainda mais seriedade e empenho do que da forma tradicional para terem efetividade". "Eu estava conversando com ele esses dias e os amigos dele também falaram que não assistem às aulas, eles chutam as tarefas, tenho certeza que é assim. A gente trabalha fora. Como vamos ficar em cima do aluno", questionou.

O tema é outro desafio que diretores e coordenadores pedagógicos precisarão encarar neste ano, especialmente a partir da aprovação de um ofício do CNE (Conselho Nacional de Educação) nesta terça-feira (7) que pede para que reprovações sejam "evitadas” por conta do isolamento social e dos prejuízos na qualidade do ensino.

Questionado, o diretor de Educação da Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte), Roni Miranda Vieira, destacou a urgência de se aplicar um “novo olhar” sobre as avaliações, menos “classificatório” e com mais atenção sobre o “processo”. Porém, lembrou que o tema já suscitou "calorosas" discussões desde o início da pandemia. "Neste momento, a avaliação precisa ser de diagnóstico. Ou seja, muito com o olhar voltado para qual dificuldade tem apresentado o aluno. Isso é algo muito mais individualizado e é um desafio para nós, professores. Me incluo neste cenário. Temos que avaliar o estudante nas suas habilidades e naquilo que ele está se desenvolvendo dentro das suas condições e nas condições impostas a ele”, diz.

Conforme explicou à reportagem, um processo de nivelamento será colocado em prática quando do retorno das aulas e novas oportunidades de avaliação serão dadas no final do ano. Porém, é preciso olhar com "muito equilíbrio". “Nada vale promovermos o estudante para a série seguinte sem ele estar com a aprendizagem do que é essencial para seguir com sua vida escolar. Tem que ser algo com bastante equilíbrio, um olhar muito atento, demanda bastante empenho de toda a equipe da Secretaria, escola e equipe pedagógica nessa discussão", avalia.

Para a docente do curso de Pedagogia da UFPR (Universidade Federal do Paraná) na área de alfabetização, Verônica Branco, a recomendação do CNE deve ser encarada como “ordem” já que a pandemia afetou não a um grupo de estudantes, mas todos. Em seguida, o desafio das equipes pedagógicas será avaliar o que é conteúdo fundamental do currículo obrigatório e que acabou ficando para trás. “Vai ter que haver um ajuste de conteúdo. As equipes de currículo vão ter que ver o que é fundamental deste ano que não foi trabalhado para começar a ser trabalhado”, avaliou.

"Vamos ter não só o próximo ano difícil como teremos dois, três anos para encontrar uma normalidade. Não tem como caber todo esse currículo na periodicidade que temos nos dias letivos. Se tivéssemos uma escola de tempo integral, poderíamos fazer ajustes maiores, mas essas quatro horas e meia já são mínimas e não tem como colocar crianças nas escolas. As salas de aula não são multiplicáveis", pondera a docente.