Novo modelo ganha força para adequar ganhos de recicladores
Proposta combina repasses fixos com bonificações que premiam bom desempenho e deve influenciar bases do novo contrato
PUBLICAÇÃO
sábado, 26 de abril de 2025
Proposta combina repasses fixos com bonificações que premiam bom desempenho e deve influenciar bases do novo contrato
Lúcio Flávio Moura - Especial para a FOLHA

O diálogo entre Ministério Público e nova gestão da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU) sobre como adequar a remuneração das sete cooperativas de trabalhadores que operam o sistema de coleta de resíduos recicláveis domiciliar está avançando em direção a uma proposta construída por um grupo de pesquisadores voluntários de diferentes áreas do ambiente universitário.
Elaborado em 2023 por um grupo de trabalho criado pelo Ministério Público e com participação ativa do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Resíduos da Universidade Estadual de Londrina (NINTER/UEL) - composto por técnicos da Universidade Técnica Federal (UTFPR), da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e de membros da Cáritas Arquidiocesana que tem contato direto com os recicladores , o modelo utiliza indicadores de impacto social, econômico e a capacidade de autogestão das cooperativas para medir o desempenho do serviço.
A pontuação é distribuída a cada seis meses e as cooperativas são avaliadas a partir de um conjunto de 18 indicadores, que abrange nível de renda, pagamento de benefícios, esforço de capacitação, índice de rotatividade das equipes, gestão das sobras de receita, valor das vendas, produtividade, condições de trabalho, idade dos veículos coletores e alternância nos cargos diretivos.
Os cálculos são complexos e a proposta é recheada de tabelas, mas a professora Lilian Aligleri, coordenadora do Ninter, tem paciência e clareza típicas de uma pesquisadora que também se dedica ao magistério no Departamento de Administração para explicar todos os detalhes.
A verdade, porém, é que dar transparência às fórmulas de avaliação do sistema de coleta, armazenagem, triagem e comercialização de materiais que um dia foi chamado de “lixo que não é lixo” é um espécie de desafio derradeiro na reconstrução de uma engrenagem outrora premiada e hoje em busca de um choque de eficiência para reviver seus melhores tempos.
Para o Ninter, o trabalho intenso dos últimos três anos - a partir de uma tentativa do governo municipal anterior de terceirizar a coleta (na prática, excluir as cooperativas do sistema) - se justifica, sobretudo, pela construção de um novo modelo na relação do poder público com um segmento que envolve 400 famílias carentes e dependentes da reciclagem porta a porta para ter uma vida digna.
A ausência de uma planilha de custos em conformidade com a legislação trabalhista e com a legislação ambiental nunca permitiu uma remuneração justa, capaz de cobrir os custos de operação das cooperativas por parte da CMTU, afirma a líder do Ninter.
Na proposta elaborada pelo grupo de trabalho, a planilha não só garante esses recursos, mas estabelece uma remuneração variável, com prêmios para quem presta bem o serviço e até a exclusão em caso de mau desempenho. “As cooperativas que atenderem estes indicadores acima de um parâmetro estabelecido como desejável, ganharão um valor extra. Aquelas que não conseguirem ser minimamente eficientes na maioria destes medidores poderão ser excluídas do sistema”, explica Lilian. “Não pode haver coitadismo: a remuneração tem que ser justa para que a CMTU possa cobrar qualidade no serviço”.
Révia Aparecida Peixoto de Paula Luna, titular da 20ª Promotoria, especializada na Proteção do Meio Ambiente, Habitação, Urbanismo e Curadoria de Fundações, vem fazendo uma série de reuniões com o diretor presidente da CMTU, Fabrício Pires Bianchi, para adequar o próximo contrato e já apresentou o modelo do Ninter para o gestor e sua equipe.
A promotora se diz otimista e elogiou a postura da nova gestão municipal para enfrentar o problema, que já está judicializado mas com uma boa chance de solução. “A CMTU está com uma nova visão sobre o assunto e isso é perceptível. Cito, por exemplo, o fato de que a companhia tem feito visitas regulares às cooperativas, o que não estava acontecendo na gestão passada. Queremos que a CMTU já se adiante e comece a preparar o novo contrato com base nestas discussões”.
Bianchi, por sua vez, elogiou o trabalho do Ninter. Ele disse que as reuniões e as visitas aos galpões são importantes para que a nova equipe da companhia entenda o trabalho feito pelas cooperativas, como melhorá-lo e deixar o munícipe mais satisfeito. “Não podemos esquecer que temos responsabilidades no emprego dos recursos públicos. Temos que ter preocupação com eficiência e eficácia. É um desperdício que não tenham olhado para o trabalho do Ninter antes. Este conjunto de indicadores e tabelas são um presente para a CMTU para que possamos construir um novo contrato a partir de outubro”.
Lilian defende que o sistema na mão das cooperativas pode ajudar a reduzir custos, quando comparado com o modelo de contratação de empresas através de concorrência pública convencional. Ela lembra que a tentativa frustrada de terceirização ocorrida em 2022 foi estudada pelo Ninter e gerou um relatório que deixou bem claro que o plano de investimentos previstos no modelo de coleta convencional era desfavorável ao contribuinte em comparação com o modelo solidário. Além disso, sem condições de se estruturar e vencer a concorrência das empresas, as cooperativas e seus trabalhadores, apontou o relatório, engrossariam as fileiras da informalidade, causando grande prejuízo social.
Lilian prevê resistência das cooperativas se o modelo de remuneração variável for adotado no novo contrato. “Com diálogo, é possível elas entenderem que o controle de qualidade do serviço por indicadores mantém elas no jogo, reduzindo o risco futuro de terceirização. É como se disséssemos, prestem um bom trabalho, desenvolvam o empreendimento cooperativista que vocês têm na mão, com valor social e ambiental, e ganhem segurança e perspectiva”.
Não é possível prever o quanto a CMTU vai precisar investir no próximo contrato, provavelmente um valor superior ao atual por conta do ressarcimento mais justo dos custos de operação das cooperativas e dos bônus por desempenho. O diretor presidente disse que o atual rombo previsto no orçamento municipal de 2025, de cerca de R$300 milhões, vai obrigar a companhia a captar estes recursos em Curitiba ou Brasília.
No mês passado, a Itaipu Binacional entregou 50 caminhões para a coleta seletiva em Maringá e municípios vizinhos com recursos do programa Itaipu Mais que Energia, que foca em ações socioambientais e de desenvolvimento regional sustentável.
Além de eventuais emendas parlamentares, há outras fontes na mira. O financiamento com recursos da Fundação Araucária, que seleciona projetos do segmento em âmbito estadual ou ainda a busca por recursos do eixo “Cidades Sustentáveis e Resilientes” do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.
Em 2025, sete municípios paranaenses por meio de convênios formalizados com o Instituto Água e Terra (IAT), autarquia vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável, vão receber investimentos de R$21 milhões em obras que incluem reforma e construção de novos barracões para as cooperativas.
“A gente precisa e pode melhorar a coleta seletiva. Os números hoje são pífios se levarmos em conta que temos uma população mais engajada e consciente que a grande maioria das outras cidades do mesmo porte do País. Mas só vamos dar um salto se tivermos um sistema de gestão que possibilite este avanço. Isso ainda não temos”, resume Lilian, com a sinceridade de quem sabe perfeitamente as dimensões do problema e do esforço intelectual empregado para construir uma proposta viável para solucioná-lo.

