Era domingo, meio-dia. Eu tinha acabado de sair da reunião na Academia de Letras. Quando esperava a Rosângela, parado na esquina da Higienópolis com a Riachuelo, em frente ao posto de gasolina, local mais conhecido como o “cotovelo de Londrina”, um homem se aproximou de mim e disse:

— Amigo, dá uma ajuda para comprar um marmitex?

O homem tinha a voz pastosa e o hálito alcoólico.

Dei-lhe dez reais. Ele agradeceu e informou:

— Mas é pra comprar comida mesmo, viu? Tô com fome.

— Amigo, o dinheiro agora é seu. Se quiser usar para comprar outra coisa, não tem problema.

A diferença que me separa de um andarilho ou mendigo é infinitamente menor do que a diferença que me separa de Deus. E certamente eu não sou o primeiro a pensar nisso; há 1.600 anos, Santo Agostinho escreveu:

“O mendigo pede-te esmola e tu és o mendigo de Deus, porque todos somos, quando pedimos, mendigos de Deus. Todos nos prostramos diante da porta do nosso Pai, da sua enorme riqueza. E suplicamos-lhe gemendo, desejosos de receber dele alguma coisa: ora, essa coisa é o próprio Deus. Que te pede o mendigo? Pão. E tu, que pedes a Deus? Nada menos que o próprio Cristo, que disse: ‘Eu sou o pão vivo que desceu do Céu’ (Jo 6,51). Quereis ser perdoados? ‘Perdoai e sereis perdoados.’ Quereis receber? ‘Dai e dar-se-vos-á.’”

Apenas por uma graça especial de Deus eu não sou hoje um mendigo exatamente igual àquele que me pediu dinheiro na esquina. Uma decisão errada, uma oportunidade perdida, um encontro infeliz, um acidente de percurso, um revés financeiro, uma tragédia familiar — e eis que eu estaria andando pelas ruas, sem lar e sem amigos, coberto por andrajos e talvez seguido por um pobre cão.

Quando, na palestra sobre o Muro de Berlim, eu mencionei o coreto de Londrina, no qual Lula discursou em 1989, um professor amigo lembrou que o coreto foi demolido durante uma gestão do PT na Prefeitura. O motivo alegado foi que o local vinha sendo usado como abrigo de mendigos. Há poucos dias, queriam instalar grades “antimendigo” na rodoviária; felizmente a CMTU voltou atrás na decisão. Expulsar mendigos é expulsar a nós mesmos do Reino dos Céus — e isso vale para os prefeitos da região que “exportam” seus mendigos para Londrina.

Pois saibam vocês que todas as noites uma mulher percorre as ruas da cidade para proteger e amparar o sono bêbado dos mendigos, dos maltrapilhos, dos andarilhos, dos sem-destino. Limpa feridas, alivia dores, ameniza tristezas. Nossa Senhora dos Mendigos todas as noites aparece no sonho dos homens e mulheres e crianças da rua — e no sonho ela lhes mostra as feridas do seu Filho.

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