Parecer do Conselho Estadual de Educação aponta que o número de alunos matriculados na EJA (Educação de Jovens e Adultos) caiu 40% em 2020 na comparação com o ano anterior. Os dados são da Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte). Especialistas apontam que a redução ocorreu por conta do avanço de casos de Covid-19 e da implantação do sistema de ensino em blocos de disciplinas. Antes, a montagem da grade era individualizada e atendia mais aos limites de horário dos alunos.

Dificuldades de conectividade também são entraves para a continuidade dos estudos
Dificuldades de conectividade também são entraves para a continuidade dos estudos | Foto: Fábio Alcover/31-7-2017

O problema é apontado por professores e membros do Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos. A mudança, que entrou em vigor pouco antes do início da pandemia, visava, segundo o governo, atender as necessidades "dos mais variados perfis sociais, como pessoas em situação de vulnerabilidade e trabalhadores que há décadas abandonaram os estudos e idosos".

Para alunos que já ingressaram no novo modelo, o prazo para a conclusão do ensino médio passou para quatro semestres. Antes não havia limite. A Seed avalia que "o período de transição está chegando ao fim com bons resultados".

De acordo com relatório da pasta, 125 mil alunos encerraram o ano de 2019 matriculados nos ensinos fundamental II (6º ao 9º ano) e médio em todo o estado. A partir desta data, o relatório trouxe números cada vez menores do total de alunos. Em fevereiro deste ano, quando entraram em vigor as novas regras, o número passou para 99 mil. Em seguida, no final do semestre, caiu para 84,8 mil.

A evasão continuou aumentando e, em setembro do ano passado, eram 75,3 mil, o que representa 59,8% do total de alunos de antes da pandemia da Covid-19 e das mudanças no sistema.

A divulgação das informações pela Seed atendeu a uma decisão do próprio Conselho Estadual de Educação após reclamações protocoladas no colegiado pela APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), alunos e professores da EJA e pela Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina sobre o risco do novo modelo resultar na queda da oferta das aulas. À época, a mudança foi criticada por educadores ligados ao Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos.

Para eles, o modelo anterior fazia mais sentido, uma vez que respeitava o tempo e a evolução de alunos com diferentes perfis sociais e de níveis de aprendizagem, incluindo jovens em situação de vulnerabilidade ou que precisaram abandonar a escola e até trabalhadores em busca de concluírem o ensino médio por conta de exigências do mercado e idosos que estão há décadas longe da escola.

O auxiliar de produção Anderson Wachiske Ferreira, 41, abandonou os estudos aos 16 anos. Decidido a concluir o ensino médio, retomou os estudos em uma escola estadual que ofertava a modalidade, em Ibiporã (Região Metropolitana de Londrina). Em seguida, tornou-se aluno de um Ceebja (Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos), em Londrina.

Nesse meio tempo, passou a prestar serviços em uma empresa de forma terceirizada. Foram quase quatro meses de trabalho até que foi informado do desligamento. "Já estava certo que eu ia ser contratado como operador de empilhadeira. Disseram que se eu tivesse cursando pelo menos o ensino médio, eles poderiam me efetivar. Era norma da empresa", lamenta.

Ferreira acredita que foi prejudicado pela mudança no sistema de ensino. Em 2020, ele estava pronto para dar início aos estudos nas quatro disciplinas que faltavam para concluir o ensino fundamental - Ciências Biológicas, Geografia, Artes e Língua Estrangeira. No entanto, só pôde avançar em duas disciplinas ao longo de todo o ano passado por conta dos horários das aulas. "Caiu em um bloco diferente. Aí você tem que estudar em outro horário e eu não tinha condição porque trabalhava das 7h às 16h20", explica.

Para Ferreira, o novo sistema, mais "engessado", acabou prejudicando também colegas dele no Ceebja do centro de Londrina. A reportagem apurou que o total alunos caiu de cerca de 1,5 mil em 2020 para 600 em 2021.

O auxiliar de produção também faz parte de um grupo de 166 alunos da unidade que não se adaptaram ao ensino remoto e seguem buscando o material impresso. "Eu só tenho o celular, então busco o material e entrego lá. Já vem as perguntas os resumos, e você responde. Estou fazendo assim. Por celular para você ir pesquisando fica complicado", declara.

Educadora que integra o Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos, Kyamani Moreno, afirma que proposta inicial da Seed era de uma mudança gradativa, com o currículo de 2019 e 2020 em vigor de foram concomitante até que todos os alunos concluíssem os estudos, explica. No entanto, na prática, isso não teria acontecido. "Eles não fizeram isso. Eles passaram todo mundo, tentaram adequar o pessoal que estava no currículo de 2019 para o ano de 2020 e isso foi um grande prejuízo", lamenta.

Docente da modalidade, Moreno avalia que as dificuldades de conectividade também foram entraves para a continuidade dos estudos. "A nossa maior oferta é de material impresso para realização dos estudos dentro do nosso levantamento. Poucos acessam o Google Meet, o Google Classroom. Se tem, muitos não sabem utilizar. Temos que lembrar que são pessoas já excluídas da sociedade e do processo educacional e que, ao retornarem, têm suas lacunas a serem supridas. Por isso, o Fórum defende uma EJA 100% presencial", afirma.

De acordo com o parecer aprovado pelo Conselho, o maior grupo de alunos matriculados até o início do segundo semestre de 2020 era o formado pelos que tinham entre 18 e 29 anos. Estes representavam 47,7% do total. Já o segundo era o formado por uma parcela de 36,3% de alunos, com idade entre 30 e 59 anos. Jovens de 15 a 17 anos representavam 14,7% e idosos, 1,2%.

O maior centro de Educação de Jovens e Adultos do município está localizado na avenida São Paulo, 294, no centro. O telefone é (43) 3324-7199. A cidade também conta com o Ceebja Herbert de Souza, na Vila Nova, e cujo telefone é (43) 3328-3747. Outros seis colégios estaduais ofertam a modalidade de ensino.

Conselho estadual classifica resultado como "satisfatório"

Para os relatores do Conselho Estadual de Educação Jacir José Venturi, Oscar Alves e Ozélia de Fátima Nesi Lavina, o resultado da taxa de abandono da EJA (Educação de Jovens e Adultos) no Paraná entre 2019 e 2020 é considerado “satisfatório”, uma vez que devem ser levados em consideração os desafios impostos pelo ano atípico da pandemia.

Conforme o documento, a taxa de abandono caiu de 29,7% em 2019 para 14,4% e 11,2% no primeiro e segundo semestres de 2020, respectivamente. Em relação aos aprovados, as taxas foram apresentadas com base no número total de estudantes e cresceram de 9,1% em fevereiro de 2019 para 42,3% um ano depois e 49,5% em julho de 2020.

Para o Fórum Paranaense de Educação de Jovens e Adultos, o parecer mostrou que 65% dos matriculados entraram e não concluíram o processo de escolarização no período, seja por abandono ou reprovação. A entidade também chama a atenção para a redução no número de matrículas entre um período e outro, o que considera ser causada pela ausência de uma chamada pública abrangente pela Seed.

A desistência também teria sido ocasionada por "burocracia física e tecnológica" e a constatação do aluno de que "não terá condições de cumprir um cronograma congelado nos cinco dias da semana diante das necessidades e obrigações que a vida impõe".

Para a integrante da entidade Kyamani Moreno, não é possível fazer uma comparação entre os resultados já que apontam duas realidades distintas em relação ao sistema de matrícula. “Quando o aluno saía (em 2019) era ‘concluinte’, então não tinha essa questão buscar os dados de aprovação pela disciplina, que era enorme. (O relatório) usa a mesma medida para duas coisas diferentes, o que não cabe”, lembra.

Para Seed, queda de alunos é 'dado irrisório'

Para o coordenador da EJA (Educação de Jovens e Adultos) no Paraná, Anderson Muniz Canizella, a queda no número total de alunos é um dado "irrisório" quando se leva em consideração o aumento da taxa de aprovação dos matriculados.

Questionado sobre as vantagens do modelo anterior, Canizella sustenta que a flexibilidade e ausência de uma perspectiva de terminalidade acabavam "incorrendo em um círculo vicioso", fazendo com que muitos deixassem as escolas para procurar exames como o Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos) ou provas on-line.

"E a gente sabe que a avaliação dentro de um exame às vezes não agrega tanto a questão do conhecimento e do processo de ensino e aprendizagem. Hoje, ele vai ter todo o processo pedagógico de acompanhamento da carga horária e conteúdos básicos dentro do contexto disciplinar e consegue desenvolver o conhecimento básico. Fazemos a conscientização para que ele dê continuidade e procure um curso técnico ou faculdade", afirma.

De acordo com ele, a Seed também vai apresentar uma proposta para que os alunos consigam concluir o ensino médio em ainda menos tempo, três semestres, o que não representa o processo de "aligeiramento" do processo de aprendizagem, pois em nada será alterada a carga horária, sustenta. "As mesmas 1.200 horas de antes de 2020, justamente para a gente motive esse aluno a ficar dentro do espaço escolar e não procure exames", afirma.

Ainda segundo o coordenador, o próximo passo é instituir, também, um sistema semi-presencial de ensino para atender alunos que não podem estar na escolas todos os dias. Porém, a medida ainda está sendo desenhada com o Conselho Estadual de Educação.