São Paulo, 08 (AE) - A bolsa eletrônica americana Nasdaq
que reúne ações de tecnologia, roubou a cena do noticiário mundial desta semana, ao despencar 13,6% durante o pregão de terça-feira. Mas há muito tempo vem roubando os investimentos em bolsas destinados aos países emergentes, incluindo o Brasil. Alguns dados contribuem para ilustrar essa tendência do capital financeiro, que contraria o fluxo positivo recorde de investimentos diretos no setor produtivo.
O estoque dos recursos de fundos americanos dedicados a papéis de empresas latino-americanas somava US$ 1,7 bilhão, no início de abril, segundo dados do ING Barings. No fim de setembro de 1997, antes das crises financeiras globais afugentarem o capital para portos mais seguros, o estoque era quase três vezes maior, ou US$ 4,7 bilhões.
O movimento da entrada de capital estrangeiro na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), por meio do Anexo IV, mostra a perda de fluxo desde a primeira crise, com alguns períodos de exceção. "Muitos investidores migraram para as bolsas americanas e certamente boa parte para a Nasdaq", confirma o vice-presidente do Banco Itaú, Alfredo Setubal. "Como aumentou o risco dos países emergentes, o investidor americano vai preferir correr o risco do mercado que ele já conhece."
A aplicação em títulos de dívida de países emergentes também perdeu espaço no mercado global, embora menos do que nas bolsas. O estoque dos recursos de fundos americanos dedicados a bradies (títulos da dívida externa renegociada), eurobônus e outros, caiu 26%, de US$ 5,8 bilhões no fim de setembro de 1997 para US$ 4,3 bilhões no início de abril.
"As crises da ásia e Rússia tiraram a atratividade desses mercados, ao mesmo tempo que as bolsas americanas passaram a assegurar ganhos cada vez maiores", observa o economista-chefe para as Américas do ING Barings, Arturo Porzecanski. Ele recorda que, até quatro anos atrás, as economias emergentes acenavam com taxas de crescimento acima de 5% ao ano, enquanto as dos países desenvolvidos ficavam na média dos 2%. "Nos últimos tempos o que se viu foi o contrário, e quem cresceu 4% foram os EUA; por isso o vigor de suas bolsas", explicou. Mas não é só. A Nasdaq, em especial, acabou substituindo as bolsas emergentes pelo seu potencial de retorno rápido. Mas o risco também existe.
O motivo é a volatilidade, explicam os executivos do mercado. Volatilidade é o grau de oscilação de um índice do mercado acionário. Quanto mais rápido ele sobe e desce, mais ele é volátil e, obviamente, os investidores estão de olho nas oscilações que garantam ganhos, as altas. Três dias depois do pregão em que o Índice Nasdaq chegou a cair 13,6%, a bolsa eletrônica fechou com valorização de 4,19%. Na quinta, as ações de biotecnologia deram forte impulso à bolsa, depois que a norte-americana Celera Genomics anunciou um grande passo para mapear o genoma humano. As ações da Celera chegaram a subir mais de 80% em dois pregões consecutivos. O fato é que a Nasdaq tem várias Celeras, Yahoo!s e muitas outras empresas do setor de tecnologia e informática com grande potencial de valorização. E de risco também.
Para David Gotlib, diretor-executivo do Deutsche Bank Investimentos, no entanto, o grosso do dinheiro investido na Nasdaq é de origem americana, que não viria para cá, mesmo sem as crises. Mas ele reconhece que o capital mais especulativo, que poderia migrar para o Brasil, acabou indo para lá. E a bolsa brasileira em 99, especialmente no último trimestre do ano, foi sustentada pelo dinheiro local, que migrou da renda fixa em busca de rendimentos maiores. Os estrangeiros poderiam retornar ao Brasil, caso o Nasdaq se estabilizasse da mesma forma que o Índice Dow Jones, que reúne as empresas da chamada velha economia, há quase um ano oscilando entre os 10 mil e 11 mil pontos. O Nasdaq já superou os 5 mil pontos e pode ficar entre os 4 mil e 4,5 mil pontos.
Enquanto o Nasdaq não se estabilizar, muitos investidores sequer vão olhar para a América Latina muito seriamente, destaca Porzekanski. Talvez no segundo semestre as coisas mudem um pouco com a economia americana menos aquecida e o Brasil confirmando um bom ritmo de crescimento. Setubal é menos otimista. Para ele, o dinheiro externo deve voltar só no segundo semestre do ano que vem. Até lá, a bolsa vai depender do fluxo de investidores locais, que devem continuar migrando da renda fixa por causa da queda das taxas de juros.