Brasília - O ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro, foi à Câmara dos deputados nesta quarta-feira (17) e negou que tenha havido "ordem de cima" para trocar questões do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) por critérios ideológicos. Segundo ele, qualquer alteração no conteúdo foi decidida pela equipe técnica.

Em meio à crise, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta semana, em  que o Enem estaria, agora, com "a cara do governo"
Em meio à crise, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta semana, em que o Enem estaria, agora, com "a cara do governo" | Foto: Alan Santos/PR

Servidores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) denunciam assédio moral para alterar o exame e retirar, durante a elaboração da prova de 2021, itens que desagradam ideologicamente o governo. Às vésperas do Enem, que começa no domingo (21), 37 servidores entregaram seus cargos de chefia no instituto, citando "fragilidade técnica e administrativa" da atual gestão.

"Não há controle ideológico, porque as perguntas fazem parte de um conjunto de questões que nem foram feitas pelo nosso governo. O que tenho pautado minha fala, e não abro mão, é que a prova do Enem tem de ser técnica no sentido direto", disse. "Não houve supressão, houve um colegiado [de técnicos]. E o colegiado decide", disse o ministro. "Em nenhum momento liguei para algum diretor ou qualquer um da direção do Inep. Quem fez foi os órgãos próprios e que escolheram as questões."

Ribeiro reafirmou que não houve interferência no conteúdo, em contraste com declarações dele mesmo. O ministro tem repetido que não permitiria questões consideradas inadequadas e prometeu que olharia a prova pessoalmente, e depois recuou. A frase contraria até iniciativas que já vieram à tona, de veto a determinados temas, como a ditadura militar, e qualquer menção a homossexuais.

Em meio à crise, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse nesta semana, em que o Enem estaria, agora, com "a cara do governo". A fala foi considerada por parlamentares como confirmação das denúncias dos servidores. Na terça (16), Ribeiro contradisse Bolsonaro, como também fez o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), no exercício da Presidência. Agora, na Câmara, Ribeiro disse que um Enem com a cara do governo teria relação com "competência honestidade e seriedade".

A frase causou indignação dos parlamentares, que a consideraram irônica e sem pertinência com a crise atual. A presença de Ribeiro na Comissão de Educação da Câmara nesta quarta foi uma surpresa para a maioria dos parlamentares. A previsão era votar um requerimento de sua convocação. Mais cedo, a Comissão de Fiscalização da casa já havia aprovado a convocação.

O objetivo dessa presença, segundo relataram parlamentares governistas, foi esvaziar o peso político de uma nova convocação. A oposição já havia anunciado, inclusive, a iniciativa de convocá-lo a prestar esclarecimento no plenário da Câmara.

Ribeiro disse que não teve acesso à prova e desafiou os deputados a esperarem a prova para depois criticarem. "Não podemos fazer o julgamento de um conteúdo da prova que os senhores e nem eu conhecemos". Servidores do Inep detalharam pressão para alterar ao menos 20 questões de uma primeira versão da prova deste ano. Parte delas voltou à prova para manter a calibração de dificuldade do exame.

Os itens, segundo a denúncia, tratavam de temas da história recente e contexto sociopolítico ou socioeconômicos. A declaração apareceu em reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, e foi confirmada pela Folha de S. Paulo. As lideranças do instituto teriam ainda ampliado o acesso à minuta da prova para avaliação da pertinência ideológica da prova, conforme publicado nesta quarta pelo jornal O Estado de S.Paulo.

O presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro, disse também nesta quarta que é normal a troca de questões durante a elaboração do exame, sob o argumento de que tudo foi ancorado em critérios técnicos. Ele esteve na Comissão do Futuro do Senado, no mesmo horário em que Milton Ribeiro apareceu na Câmara.

Os dois mantiveram discurso de que os pedidos de demissões ocorreram por desconforto com relação a interrupção no pagamento de gratificações para preparação e aplicação de exames. Parlamentares questionaram essa motivação financeira, uma vez que, entre outras coisas, a entrega de cargos representa redução de ganhos. O governo não acatou os pedidos de exoneração dos cargos até agora.

Parlamentares questionaram ainda a entrada de um policial federal em uma sala segura onde os exames do Inep são elaborados e cujo acesso é restrito. A entrada teria ocorrido no dia 2 de setembro de 2021.

Integrantes do governo têm tentado minimizar as denúncias e defendem de que se trata de uma movimentação política. Metade dos demissionários foram alçados a cargos de chefia pelo atual governo. Ribeiro disse não haver qualquer problema na prova e que a aplicação está garantida. Neste ano, 3,1 milhões de inscritos são esperados para fazer o Enem nos dias 21 e 28 deste mês.