Embora faça parte da rotina de profissionais de saúde e esteja em foco com maior frequência desde o surgimento da Covid-19, o debate sobre os riscos de vivenciarmos o aumento do número de mortes causadas por bactérias e microrganismos mais resistentes precisa ser feito de forma constante, defendem pesquisadoras ouvidas pela reportagem. Apontada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como uma das maiores ameaças à saúde pública contemporânea, a resistência microbiana também vem se tornando alvo de grande preocupação para quem cuida da saúde financeira de hospitais. Isso porque cerca de US$ 42 milhões são gastos anualmente em decorrência de erros na medicação, informou a OMS.

Imagem ilustrativa da imagem Na guerra contra as superbactérias, gestão medicamentosa é arma contra novas pandemias
| Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Paralelamente, instituições públicas, como a UEL (Universidade Estadual de Londrina), vêm investindo esforços tanto no aperfeiçoamento de mecanismos de prevenção à transmissão de bactérias no ambiente hospitalar quanto no desenvolvimento de antibióticos mais eficazes contra as chamadas superbactérias. Atualmente, pesquisa em fase de testes em camundongos vem demonstrando resultados promissores contra uma das mais conhecidas superbactérias presentes em ambulatórios de todo o País, a Klebsiella pneumoniae.

À FOLHA, a coordenadora da CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar) do HU (Hospital Universitário) de Londrina, Claudia Carrilho, confirma que a diretoria da instituição teve que otimizar o uso do medicamento utilizado no tratamento de pacientes acometidos pela superbactéria, que desde 2009 vem sendo controlada no local, porém sem nunca ter sido erradicada completamente. O aumento da demanda pela droga foi registrado em todo o mundo, "e houve alguma restrição em consegui-lo, mas o HU conseguiu manter um estoque", explica Carrilho.

"Otimizamos o uso através do controle individual, com o apoio da farmácia clínica e CCIH, e não houve falta aos pacientes. Esses patógenos são endêmicos hoje nos hospitais e aumentaram mais ainda com a pandemia devido ao grande número de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) necessários para a condução da pandemia”, concluiu por e-mail. Ainda de acordo com Carrilho, embora a demanda pelo medicamento tenha aumentado em todo o mundo, o HU de Londrina não registrou “surto” durante a pandemia da Covid-19.

Exemplo mais conhecido por ter ocasionado a suspensão do Pronto Atendimento do HU por mais de uma vez, a superbactéria surgiu em Londrina por meio de um paciente que veio transferido de Goiás, em 2009. À época, a unidade de pronto atendimento estava passando por reforma e os pacientes eram atendidos em um local adaptado. “Nosso laboratório detectou a resistência, isolamos o paciente, que teve boa evolução na época, mas nunca foi possível eliminar totalmente a bactéria, que pouco depois foi isolada em outros hospitais da cidade”, lembra Carrilho.

Após a constatação, a unidade foi submetida a uma desinfecção geral e a Anavisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), comunicada. Em seguida, as equipes médicas passaram a coletar culturas de vigilância de todos os pacientes admitidos nas UTIs. “Separamos os infectados e colonizados, utilizamos as precauções de contato, incremento da limpeza, desinfecção, mas nunca foi erradicada pois é muito difícil conseguir isso, principalmente por conta da superlotação", explica.

RESISTÊNCIA E DEPENDÊNCIA

Com o passar dos anos, a Klebsiella foi se espalhando a ponto de chegar ao topo do ranking das bactérias mais prevalentes nas infecções relacionadas à assistência em saúde. Pacientes tratados com Polimixina passaram a não responder ao tratamento devido a um novo padrão de resistência adquirido pela bactéria.

“No início, usávamos a Polimixina, um antimicrobiano antigo, descoberto na década de 1940, e que já vinha sendo utilizado em infecções por outras bactérias resistentes. Há alguns anos, passamos a contar com uma droga mais dirigida ao tratamento das bactérias produtoras de KPC”, explica Carrilho.

Além disso, pesquisadores de Londrina também relataram um caso inédito no Brasil em que uma superbactéria se adaptou ao antibiótico evoluindo a ponto de adquirir dependência do medicamento. "Então, o antibiótico fazia com que a bactéria crescesse mais do que se não tivesse antimicrobianos no organismo do pacientes", explica a autora da tese de mestrado pela UEL que abordou o tema, Gilselena Kerbauy Lopes.

Após relatar o caso, Lopes decidiu trabalhar com a bioprospecção de novos fármacos antimicrobianos. Em seu doutorado pela UEL, passou a pesquisar uma molécula que possui ação antibiótica contra superbactérias, como a KPC. "O meu doutorado foi com a KPC resistente à polimedicina, que é uma cepa bem complexa e de difícil tratamento", afirma.

À época, uma pesquisa para o desenvolvimento de um antibiótico com maior capacidade de resposta encontrava-se com as pesquisas em fase inicial. Hoje em dia, essa pesquisa está em fase de testes em camundongos, explica a pesquisadora, que é docente da área de infectologia da UEL.

"Esta pesquisa, capitaneada pelo professor Galdino Andrade iniciou-se há 20 anos, com a prospecção de antimicrobianos para controle de fitopatógenos (doenças em plantas). A partir de 2011, iniciarem-se os testes em patógenos humanos, multirresistentes aos antimicrobianos disponíveis no mercado. Os testes em camundongos avaliam se a molécula antimicrobiana, produzida pelo Laboratório de Ecologia Microbiana, terá ação em um organismo vivo com infecção controlada em laboratório", explica.

Questionado sobre a importância de que a resposta para este problema venha de uma instituição pública, o professor Galdino Andrade avalia que os ganhos seriam imensos, tanto do ponto de vista da promoção da saúde quanto da economia no tratamento. A afirmação leva em conta o resultado de pesquisas realizadas por mestrandos da UEL orientados pela professora Gilselena Kerbauy Lopes, que demonstraram terem sido maiores o custo do tratamento de crianças e pessoas acometidas por bactérias, como a KPC.

“Um antibiótico brasileiro, utilizado pelo SUS, seria um ganho imenso. Teríamos uma economia importante falando em custo hospitalar, tratamento, inclusive salvando vidas. Se esse antibiótico chegar à fase clínica e for positivo em humanos, teremos um antibiótico para o controle de bactérias multirresistentes, que matam as pessoas internadas por septicemia, infecção generalizada. No Covid, também estamos vendo muitos óbitos por infecções causadas por essas bactérias e também comorbidades, de pacientes que ficam mais tempo do que o necessário”, explica Galdino à FOLHA.

Entretanto, tudo depende de investimento. Até agora, o professor teve projetos aprovados no PPSUS (Programa Pesquisa para o Sistema Único de Saúde: Gestão Compartilhada em Saúde), que teve origem em um convênio entre o Ministério da Saúde e a Fundação Araucária. "Então, recebemos dois projetos, os valores não foram importantes, mas deu para tocarmos as pesquisas. Também conseguimos projetos do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e também temos um terminando agora em dezembro e que conseguimos R$ 400 mil que deu para avançar bastante", explica.

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