Além de todo o estigma e de já ter sido considerado como uma ‘sentença de morte’, o câncer é uma doença que afeta a autoestima dos pacientes, principalmente das mulheres, já que muitas perdem o cabelo, sobrancelhas e cílios durante o tratamento. Quando se fala em câncer de mama, o mais comum entre as mulheres no Brasil, na maioria das vezes os seios também precisam ser retirados para conter qualquer vestígio da doença.

Na busca do resgate da autoestima e do bem-estar das mulheres, o “Mutirão do Bem - Preciosas Guerreiras” realiza há oito anos de forma gratuita uma ação durante o Outubro Rosa para auxiliar as mulheres que sofreram algum tipo de mutilação no tratamento da doença.

Neste ano, o mutirão foi realizado na segunda-feira (16) e atendeu 15 mulheres que já estão curadas ou em fase de cura da doença. O evento é organizado por duas profissionais da área da estética e da beleza que, junto com uma equipe de voluntárias, faz a micropigmentação da sobrancelha das que tiveram a queda durante o tratamento, assim como da reconstrução da aréola da mama nos casos em que os seios precisaram ser retirados.

Luciane Torres, 53, é micropigmentadora e uma das idealizadoras da iniciativa, que existe desde 2015. Ela conta que, em 2009, quando começou a trabalhar com a micropigmentação, tinha muita vontade de fazer algo em prol da comunidade. Com isso em mente, percebeu que poderia doar o seu tempo e seu trabalho e fazer um projeto voltado para a micropigmentação paramédica.

Torres foi para São Paulo se especializar na área já com a ideia de que queria trabalhar com mulheres que tiveram câncer e que, de alguma forma, foram mutiladas durante o tratamento. Teve o apoio da amiga e esteticista Elisangela Scremin, que cede o espaço e o material utilizado no trabalho.

A micropigmentadora se especializou na área de aréolas, que muitas mulheres perdem durante a cirurgia para retirada da mama. No início, começou a atender gratuitamente algumas mulheres em sua clínica até que, em 2015, ela e Scremin reuniram diversas profissionais da área para fazer um mutirão durante o Outubro Rosa. Em sete anos de trabalho - que não parou durante a pandemia -, 90 mulheres receberam a micropigmentação das aréolas ou das sobrancelhas.

Neste ano, foram mais 15 mulheres, ultrapassando a marca de cem “vidas transformadas” através da união de forças e da doação de tempo e amor. “A [micropigmentação de] aréola ainda é uma área muito pouco explorada no Brasil porque a gente considera paramédica, então não são todas as pessoas com habilidade e psicológico para isso”, explica.

Segundo ela, a aréola da mulher representa a feminilidade, então quando ela a perde por conta de uma doença grave, como o câncer, se sente mutilada e amputada. “Assim como quando a gente vê uma pessoa sem sobrancelha na hora a gente já pensa que ela está doente, então quando a mulher se olha no espelho e vê um seio sem aréola ela sempre vai se lembrar da doença”, explica. Ao passar por esse procedimento de reconstrução, é como se o ciclo da doença se fechasse na vida da paciente.

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Para Torres, existem muitas ações de prevenção ao câncer de mama durante o Outubro Rosa, mas poucas tratam do pós-câncer, cujo objetivo é proporcionar qualidade de vida para que a mulher possa retomar a rotina de antes do diagnóstico.

“Às vezes você acha que não vai conseguir, mas quando a gente vê a reação da paciente percebe que todo o esforço e trabalho valeram à pena”, afirma. A equipe reúne voluntárias que, além do procedimento, fazem o retoque da micropigmentação após 30 dias.

As pacientes chegam ao grupo por meio do CAPC (Centro de Apoio ao Paciente com Câncer) e da Instituição Rosa dos Ventos, que trabalham com pessoas em tratamento e no pós-câncer. Para passar pelo micropigmentação de sobrancelha, as pacientes não podem estar fazendo quimio ou radioterapia por conta da queda na imunidade. Então o procedimento tem que ser feito antes, nos intervalos (de pelo menos dois meses) ou após a conclusão do tratamento. Já a reconstrução da aréola só é possível após a finalização do trabalho e de autorização médica. “Por isso o sentimento de fazer a aréola é diferente, já que ele remete à cura”, destaca.

“Uma vez um médico falou uma frase para mim que resume tudo o que a gente fez até hoje: ele me disse que eu tenho uma missão, que é colocar sorrisos em rostos que já choraram demais.”

Scremin conta que o marido morreu de câncer há alguns anos por conta de um câncer e que isso a fez abraçar ainda mais a causa. Outra ação da dupla é a distribuição de leques de papel com uma foto e um pouco da história de mulheres que tiveram câncer de mama e que fizeram ou ainda vão fazer a micropigmentação da sobrancelha ou da aréola. A iniciativa foi batizada de “Laço que Fortalece”. “A gente recebe muito mais do que a gente dá ao ver elas saindo daqui com um sorriso. É muito satisfatório”, ressalta.

VIDA NOVA

Em outubro do ano passado, a auxiliar de produção Cléa Barbosa dos Santos Góis, 44, sentiu um caroço na mama durante o autoexame. Depois de alguns exames e da biópsia, veio a confirmação da doença em 16 de janeiro de 2023.

“Agora é vida nova, é experiência nova”, celebra Cléa Góis
“Agora é vida nova, é experiência nova”, celebra Cléa Góis | Foto: Jéssica Sabbadini

Duas semanas depois, iniciou o tratamento no Hospital do Câncer de Londrina. A terapia terminou em julho e em setembro ela passou pela cirurgia de retirada das mamas.

No primeiro momento, o sentimento ao receber o diagnóstico “foi de morte”, mas Góis conta que o médico a tranquilizou e disse que o carcinoma tinha sido descoberto ainda no início, com pouco mais de dois centímetros. “Eu nunca me deixei abater, coloquei Deus na frente de tudo e segui a jornada”, afirma.

Segundo ela, a quimioterapia foi desgastante e fez com que ela perdesse os cabelos dez dias após a primeira sessão. A sobrancelha, os cílios e algumas unhas também caíram.

“O primeiro impacto é bem difícil e abala porque você não está esperando aquilo”, conta, com lágrimas nos olhos. Hoje, o cabelo da auxiliar de produção já está crescendo, assim como os cílios, e ela foi realizar a micropigmentação das sobrancelhas. “Sempre tive vontade de fazer, mas nunca tive coragem porque achava que ia doer”, pontua.

Antes de entrar para o procedimento, Góis se mostrava ansiosa. Depois de pouco mais de uma hora, o sorriso no rosto já adiantava o sentimento ao se ver no espelho. “É bem natural, como eu queria, ficou lindo. Agora é vida nova, é experiência nova”, afirma.

EMOÇÃO

Curada de um câncer de mama há 17 anos, Ângela Maria Palopole Miranda, 56, passou pelo procedimento de reconstrução da aréola da mama esquerda. Em 2005, aos 38 anos, enquanto tomava banho, sentiu um caroço do tamanho de um ovo no seio, o que a deixou assustada.

Miranda procurou um médico e realizou os exames, que constataram que era um nódulo benigno, mas que ela sentia que não era verdade. “Eu sentia dentro de mim que tinha alguma coisa [errada]”, relembra, explicando que entrou em contato com a sua mastologista de Curitiba, onde morou por três anos, e pediu para que a biópsia fosse refeita. O exame confirmou o carcinoma.

Ela retornou para a capital no dia 25 de novembro de 2005 e fez a cirurgia de retirada da mama esquerda no dia 7 de dezembro, que utilizou a gordura da barriga para reconstruir o seio. A quimioterapia também foi um processo doloroso.

Miranda conta que chegou a fazer a reconstrução da aréola há alguns anos, o que desbotou com o tempo. O problema não a incomoda tanto, mas optou pelo procedimento para melhorar a aparência. Ela diz que o resultado ficou melhor do que o esperado. “Quando a gente faz, a gente vê que valeu a pena. Foi emocionante me olhar no espelho, ficou perfeita.”