"Chega de violência." "Não é não." "Pela vida." As frases proclamadas em um só coro cobravam o fim da violência contra as mulheres. A luta é pelo direito de ir e vir, de se vestir como quiser, pela igualdade de salários e de direitos. A luta é pela vida e pelo direito de vivê-la. Dezenas de pessoas se reuniram nesta segunda-feira (22) em frente à Catedral de Londrina para protestar pelo fim do assassinato de mulheres.

Organizada pela Semipi (Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa), a 2ª edição da Caminhada do Meio-Dia foi realizada simultaneamente em mais de 90 municípios, 20 a mais do que no ano passado. O objetivo central foi conscientizar a população sobre um tipo de crime que tirou a vida de pelo menos 69 mulheres apenas nos seis primeiros meses de 2024 no Paraná, de acordo com o relatório divulgado pelo Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídios).

Diretora executiva da Semipi, Deise Tokano afirma que é fundamental envolver na luta pelo fim da violência contra as mulheres. “É uma responsabilidade de todos porque quando uma mulher morre, todos são afetados”, afirma.

Ela aponta que ações educativas e de conscientização vêm sendo realizadas em todo o Paraná desde a criação da pasta, no ano passado, mas reforça que é necessária uma mudança cultural. “As crianças têm que crescer sabendo que a violência não é o caminho”, reforça.

Encabeçando a organização do ato em Londrina, a deputada estadual e procuradora da Mulher Cloara Pinheiro (PSD) aponta que o Paraná já conta com 162 Procuradorias da Mulher, que auxiliam na garantia de defesa dos direitos das paranaenses.

Além disso, segundo ela, o Paraná também conta com 61 “salas lilás”, alocadas nas centrais de Flagrantes como forma de garantir a acolhida de mulheres vítimas de violência após o horário de funcionamento das delegacias da Mulher. Em Londrina, a sala começou a operar em maio.

"Nada é mais poderoso do que a união de mulheres. Juntas somos muito mais fortes e, juntas, por uma causa tão importante como o combate ao feminicídio. É de fundamental importância essa união para que, juntas, a gente possa construir um país, um estado e uma cidade onde nenhuma mulher seja violentada, seja vítima de qualquer tipo de violência”, pontuou a deputada federal Luísa Canziani (PSD).

“A gente paralisa”

As marcas físicas e psicológicas que ainda a fazem lembrar do dia em que sofreu uma tentativa de feminicídio, há cerca de quatro anos, nunca foram embora. A empresária Vanessa Romero, 42, relata que os dois filhos presenciaram a sessão de espancamentos cometida pelo ex-marido contra ela.

Ao falar pela primeira vez da violência, o objetivo é que as pessoas entendam que esse tipo de crime pode acontecer em qualquer família. Vanessa é filha de Zilda Romero, juíza que atua há mais de uma década na proteção das mulheres.

Vivendo na época no Mato Grosso, a mais de dois mil quilômetros de distância de Londrina, ela não teve coragem de contar para a mãe o que tinha sofrido ao retornar para casa. “Muitas vezes as mulheres não têm coragem de denunciar, a gente não sabe o que fazer, a gente paralisa”, conta.

Hoje, Vanessa ainda realiza tratamentos para se recuperar das sequelas físicas deixadas pelo ataque. Ela e o filho mais velho têm acompanhamento psicológico contínuo em busca de recuperação.

10 anos de ameaças

Quando tinha 17 anos, Regina de Freitas, hoje com 52, começou a namorar um homem cinco anos mais velho. No começo do relacionamento, tudo ia bem. Entretanto, após o casamento e o nascimento do filho do casal, as coisas mudaram. “Foi quando ele começou a se mostrar como um homem violento”, relata.

Ele a agredia de maneira psicológica, emocional, física e financeira. “Eu não podia sair no portão, não podia ter relacionamento com a família, era só violência verbal e física”, diz. “Esses traumas a vítima leva para a vida.”

Freitas só conseguiu sair do relacionamento após o ex-marido ir para o exterior e ela conseguir um trabalho como cabeleireira. “Quando ele descobriu, me ameaçou de morte, falou que ia furar os meus olhos. Era uma ameaça constante”, desabafa.

Operação Mulher Segura

Por meio de nota, a Sesp (Secretaria de Segurança Pública do Paraná) informa que, apesar do aumento no número de casos de feminicídio no estado, os municípios onde foi implementada a Operação Mulher Segura apresentaram redução de 33% nesse tipo de crime.

Hoje, a operação está presente em 17 cidades. Desde o lançamento, em abril, já resultou em 1.191 prisões, alcançou mais de 11 mil pessoas por meio de eventos e palestras e quase 14 mil mulheres vítimas de violência receberam visita dos agentes.

Presente na caminhada, o comandante do 5°BPM (Batalhão da Polícia Militar) de Londrina, Ricardo Eguedis, reforçou que a Operação Mulher Segura está baseada em um tripé de ações: aumentar o número de mandados de prisão, promover uma maior investigação dos casos e levar educação e orientação para homens e mulheres para reduzir os índices. Na cidade, já foram realizadas mais de 20 palestras em órgãos públicos e empresas com o direcionamento para o tema da violência contra a mulher.

“A violência doméstica é um ciclo e que muitas vezes acaba no feminicídio”, ressalta, complementando que a mulher precisa se sentir amparada e acolhida para que possa denunciar o agressor, assim como outras pessoas da família, amigos ou vizinhos podem fazer a denúncia. “A partir do momento em que os policiais confirmarem a situação, vai haver uma série de encaminhamentos que só podem ser tomados com esse primeiro passo, que é a denúncia”, afirma.

A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia. São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher.

O PAPEL DA EDUCAÇÃO

Chave para a resolução de muitos problemas da sociedade, a educação também é primordial no que diz respeito ao combate ao feminicídio. De acordo com dados catalogados pelo Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídios), o Brasil registrou 905 casos de feminicídio consumado e 1.102 tentados no primeiro semestre de 2024. No Paraná, de janeiro a junho, foram 168 ocorrências, sendo 69 consumados e 99 tentados, ficando atrás apenas de São Paulo, com 283, em relação ao número de casos.

Dentre as cidades, Curitiba lidera com 12, seguida de Cascavel e Toledo, com 7, e Araucária, com 6. Já Londrina fechou o primeiro semestre com dois casos de feminicídio, sendo um tentado e outro consumado.

Coordenadora do Lesfem, Silvana Mariano explica que a maioria dos casos de feminicídio acontece no contexto da violência doméstica e familiar, sendo que mais de dois terços dos crimes são cometidos por parceiros ou ex-parceiros da vítima. Segundo ela, o que está por trás desse cenário é um conjunto de culturas e práticas machistas, em que os homens se veem como “proprietários” das mulheres.

Na maior parte dos casos de feminicídio, a mulher quer pôr fim ao relacionamento, não quer reatar a relação entre eles ou recusa uma investida amorosa. “Todo esse conjunto forma uma visão de posse dos homens sobre as mulheres e é isso que mais gera feminicídios no Brasil”, afirma.

A pesquisadora do Lesfem afirma que é necessário educar a sociedade para que exista o respeito e a igualdade entre homens e mulheres. “Nós estamos falando, fundamentalmente, de uma desigualdade, de um poder superior que os homens exercem sobre as mulheres”, esclarece, complementando que essa relação de poder precisa mudar, o que começa pela educação e por trabalhos de prevenção.

Ela reforça ainda a importância dos equipamentos de proteção para que as mulheres tenham onde recorrer em busca de segurança.

Silvana Mariano destaca que banalizar a violência ou agressão sofrida pelas mulheres é contribuir para que o feminicídio aconteça. “Ele não acontece de uma hora para outra, é a continuação de um processo violento que culmina no fim da vida da mulher ou na tentativa de colocar fim”, ressalta.

De acordo com os dados do Lesfem, em cerca de 10% dos casos de feminicídio, a mulher já havia feito uma denúncia prévia. “Esses são casos em que o fracasso do Estado e das políticas públicas em proteger as mulheres fica mais evidente”, garante o pesquisador Cleber da Silva Lopes, já que o caso de violência já era conhecido por toda a sociedade.

A maior parte dos casos de feminicídios acontece nos finais de semana, apontou o relatório do Lesfem, o que indica a necessidade de avanço em políticas públicas e na garantia do acesso à rede de segurança por parte das mulheres em tempo integral.

Das 21 Delegacias da Mulher espalhadas pelo Paraná, apenas a de Curitiba funciona ininterruptamente, de acordo com a Polícia Civil. Ao ser questionada se existe a possibilidade de expansão, a Polícia respondeu apenas que após o horário de expediente, das 8h30 às 18h, o atendimento às mulheres é prestado nas centrais de Flagrantes e que a confecção de Boletins de Ocorrência podem ser feitos de maneira on-line por mulheres vítimas de violência.

“A violência contra a mulher se manifesta especialmente naqueles dias e horários em que a mulher não dispõe dos equipamentos em que ela poderia recorrer em busca de proteção”, aponta Mariano.