"Se houvesse uma vara exclusiva para atendimento contra a violência doméstica, o atendimento seria bem mais célere", destacou a juíza Zilda Romero
"Se houvesse uma vara exclusiva para atendimento contra a violência doméstica, o atendimento seria bem mais célere", destacou a juíza Zilda Romero | Foto: Marcos Zanutto/9-5-2017



O atendimento às vítimas de violência doméstica foi alvo de discussão na Câmara e no Senado. O projeto de lei nº 7/2016, aprovado neste mês, aguarda posicionamento do presidente Michel Temer para sanção ou veto. Enquanto isso, representantes de entidades e de órgãos públicos que atuam diretamente no combate à violência contra a mulher divergem sobre as mudanças aprovadas no Congresso Nacional.

A proposta autoriza delegados a concederem medidas protetivas em caso de risco à vítima ou aos dependentes. A intenção é agilizar a análise dos pedidos que hoje ficam sob responsabilidade exclusiva da Justiça. Para o vice-presidente da Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Paraná), Daniel Fagundes, a alteração na lei beneficia toda a sociedade, já que "protege com mais efetividade as vítimas de violência doméstica". As medidas abrangem, entre outras ações, proibir a aproximação e o contato do agressor com a vítima.

Em defesa da proposta, Fagundes cita o caso de uma moradora da cidade da Lapa, na Região Metropolitana de Curitiba. Enquanto atuou como delegado na cidade, o vice-presidente da Adepol atendeu uma vítima de agressão que solicitou medida protetiva. "Eu não esperei as 48 horas. Reuni toda a documentação e enviei para o Fórum. Liguei para a juíza na época por entender que se tratava de um caso grave, mas até o caso chegar nas mãos da juíza, até o Judiciário despachar, até deferir ou não a medida protetiva, até a decisão chegar para o oficial de Justiça, até ele localizar e intimar o agressor... Isso tudo demora dias ou meses. Nesse caso, dois ou três dias depois, o agressor matou a vítima com 18 facadas em frente ao pai e à irmã dela. O agressor fez uma tocaia e, quando ela estava saindo, matou a ex-mulher por não aceitar a separação", lamentou.

Fagundes argumenta que a falta de delegacias especializadas no atendimento às vítimas de violência e a escassez de profissionais da Polícia Civil em todo o Estado não podem se tornar empecilho para a implantação da mudança. Segundo ele, quando a mulher perceber que o atendimento não foi realizado da forma adequada, poderá recorrer ao Ministério Público. O vice-presidente da associação lembra ainda que, mesmo com a concessão da medida protetiva pelos delegados, caberá aos juízes a decisão final pela manutenção ou não da medida. "Não são poucas as mulheres que estão morrendo com uma folha de papel na mão e uma promessa de medida protetiva", criticou.

A representante da ONG MaisMarias, Maria Letícia Fagundes, também é favorável à proposta de alteração na Lei Maria da Penha. "Sob um ponto de vista muito objetivo, a medida protetiva sendo expedida imediatamente vai beneficiar essas mulheres. Quando a vítima não consegue essa medida, ela volta para casa e lá está o agressor", destaca. A ONG atua desde 2010 no atendimento às mulheres e realiza trabalho de conscientização para combate à violência.

Maria Letícia trabalha como médica legista na capital paranaense e convive diariamente com histórias de agressão contadas pelas vítimas. "A alteração na lei deve até diminuir os índices de feminicídio. O número real dos crimes nós ainda nem conhecemos", considerou.

Muitas ONGs e associações nacionais são contrárias ao projeto. A própria Maria da Penha, que dá nome à lei criada em 2006, teme que a alteração coloque "em risco a proposta que foi construída com o acúmulo das lutas dos movimentos de mulheres há mais de 40 anos". A juíza da Vara Maria da Penha em Londrina, Zilda Romero, acredita que as delegacias não oferecem atendimento especializado para as vítimas de agressão. "Entendemos que a concessão de medidas protetivas é uma atribuição do juiz que analisa caso a caso. As delegacias não têm essa especialização na área para fazer essa avaliação", afirmou.

Aproximadamente, 180 vítimas por mês têm pedidos de medida protetiva concedidos pela Justiça em Londrina. A juíza destaca que as mulheres denunciam a agressão e deixam a delegacia já com horário marcado para ir ao Fórum. Os atendimentos são feitos todas as sextas-feiras por meio de um projeto especializado. Em média, de 30 a 50 pessoas por semana participam da reunião com psicólogas, assistentes sociais e assessores que explicam como funcionam as medidas protetivas. "Quando a vítima está sofrendo algum risco iminente, a medida é deferida de imediato. As demais medidas demoram até cinco dias", garante.

Conforme Romero, o Fórum Nacional de Juízes da Vara de Violência Doméstica e Familiar e a Coordenadoria Estadual de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar do TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná) também são contrários às mudanças. "Como vai ficar o acesso da vítima ao Poder Judiciário? Quanto tempo isso vai demorar nas delegacias até chegar nas mãos de um juiz?", reforçou. Em vez de alterações na lei, ela afirma que deveria haver investimento em equipes capacitadas para atuar junto às vítimas e também junto aos agressores.

Em nota, a ONU Mulheres afirma que "observa com preocupação o processo de revisão da Lei Maria da Penha". Outras propostas de alteração ainda tramitam no Congresso Nacional. "Tais projetos de lei podem trazer avanços e retrocessos à aplicação da Lei Maria da Penha. Se forem analisados de forma fragmentada e sem consulta pública, podem desconfigurar seu caráter integral, multidisciplinar e especializado e a sua efetividade no enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil", ressalta. O documento é assinado pela representante da ONU Mulheres Brasil, Nadine Gasman. Contrários e favoráveis aguardam o posicionamento do presidente Michel Temer.(Com Agência Brasil)