O governo federal decidiu retirar do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) a atribuição de divulgar de forma oficial os dados oficiais sobre alertas de incêndios e queimadas em todo o País.

Imagem ilustrativa da imagem Mudança em dados de queimadas provoca preocupação
| Foto: Sesp/AEN/Arquivo

O órgão federal faz esse trabalho há décadas, divulgando diariamente dados técnicos sobre o avanço do fogo no País, uma ferramenta crucial para orientar o avanço dos incêndios, bem como o volume queimado em cada região. Agora, a função está a cargo principalmente do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Apesar da mudança, o professor do Departamento de Economia Rural e Extensão da UFPR e coordenador do curso de pós-graduação em Direito Ambiental da universidade, Paulo de Tarso de Lara Pires, explica que qualquer pesquisador pode continuar recorrendo aos dados do Inpe.

“A falta de uniformidade na divulgação de dados e o descompasso entre os órgãos do governo é um problema endêmico no Brasil. O Inpe por anos tem sido referência e fonte confiável de informações relacionadas ao clima e aos incêndios florestais no Brasil”, destaca.

O docente acrescenta que o Paraná conta com um sistema próprio de alerta de incêndios, o do IAT (Instituto Água e Terra), órgão ambiental responsável que atualmente utiliza os dados do Inpe para a prevenção e combate a incêndios florestais.

“Ao que parece, estamos a tratar mais de uma questão política do que técnica. Em parte, numa tentativa de alcançar uma uniformidade na divulgação dos dados oficiais e, em parte, por uma necessidade de controlar a forma como as informações são divulgadas para a população”, pontua.

SEM ALTERAÇÃO

Por meio de nota, o IAT informa que a divulgação dos dados sobre desmatamento, agora de responsabilidade do Ministério da Agricultura, não altera o trabalho já realizado no Estado do Paraná.

“O mais importante é que os dados sejam transmitidos de forma fidedigna e com transparência, independentemente de quem realiza a divulgação. Esses dados são facilmente atestados, atualmente, com imagens de satélites”, destacou.

O IAT ressalta ainda que o Paraná continuará cumprindo sua obrigação de aplicar a Lei de Crimes Ambientais, punindo quem pratica o incêndio criminoso.

“Vale destacar que estamos em um período crítico, com geadas e clima seco, em que todo cuidado é pouco quando se trata de incêndios ambientais. A prática consciente de queimada é proibida neste período e ocasiona efeitos nefastos para a poluição do ar, causando gravíssimos danos à saúde humana, às edificações, às florestas, e afeta nossos animais”, conclui.

DEVASTAÇÃO

Enquanto a sistemática de divulgação dos dados oficiais sobre incêndios e queimadas mudou, a devastação de grande parte da vegetação de Mata Atlântica no Paraná segue a passos largos. “A situação do Estado é crítica”, destaca o professor Paulo de Tarso de Lara Pires.

De acordo com o levantamento divulgado pela Fundação SOS Mata Atlântica, o Estado do Paraná foi o terceiro com maior área desmatada em 2020, com 2.151 hectares, ficando atrás apenas de Minas Gerais (4.701 hectares) e da Bahia (3.230 hectares).

“O que aparentemente é uma área diminuta em relação ao tamanho do Estado, mas muito significativa se considerarmos o estágio gravíssimo de degradação em que se encontram as florestas paranaenses. Estamos na UTI, passamos por um momento crítico e não podemos dispor de um hectare sequer da nossa cobertura de vegetação natural.”

O Estado do Paraná, por meio do IAT, tem como meta divulgar um novo mapa do desmatamento do Estado até o final de 2021.

Sobre o alto índice de devastação da Mata Atlântica no Paraná, Pires aponta que o crescimento populacional e a expansão dos grandes centros urbanos, aliados ao crescimento do agronegócio, são um enorme fator de pressão.

“A pandemia trouxe um efeito para o qual poucas pessoas estão atentas. Muitos estão buscando áreas rurais para comprar como uma alternativa à vida caótica e à aglomeração dos centros urbanos. O resultado é o crescimento de condomínios de chácaras e a especulação imobiliária em locais que, por suas características de solo e declividade, são impróprios para agricultura, mas que mantinham importante remanescente de floresta. Tudo isso, associado à necessária transformação da infraestrutura de transporte no Estado, traz forte pressão sobre as já combalidas florestas paranaenses.”

COMBATE

Para frear o avanço do desmatamento, Pires considera urgente o reaparelhamento dos órgãos ambientais por meio da contratação de profissionais capacitados para trabalhar na fiscalização, no monitoramento e no controle ambiental.

“Adicionalmente, é fundamental a criação de instrumentos de incentivo à conservação e uso sustentável dos recursos naturais, com políticas que tragam alternativa de renda ao proprietário rural, a exemplo do Pagamento por Serviços Ecossistêmicos”, exemplifica.

Segundo ele, o manejo florestal sustentável é uma prática consagrada e que tem se mostrado eficiente na recuperação de florestas em países como Alemanha e Canadá.

“Quando bem feito e conduzido por profissionais habilitados, permite harmonizar a conservação com o desenvolvimento econômico e pode ser uma alternativa fundamental não apenas para a conservação das áreas florestais remanescentes, mas para o aumento das florestas de araucária. O pinhão, as essências naturais, os frutos são recursos disponibilizados pelas florestas. Cabe a nós aproveitarmos de forma adequada”, conclui.

Mata Atlântica é alvo de incêndios

Incêndios têm devastado áreas de Mata Atlântica no Paraná. A ocorrência mais recente foi em setembro do ano passado, quando cerca de 2 mil hectares do Parque Nacional de Ilha Grande foram incendiados. O parque está localizado no Noroeste do Paraná, na divisa com o Mato Grosso do Sul.

A área corresponde a 2 mil campos de futebol oficiais. O tamanho da extensão mobilizou, na época, bombeiros de Umuarama e de três cidades do Mato Grosso do Sul para controlar o fogo.

Segundo analistas ambientais do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), instituição responsável pelo parque, não houve registro de animais feridos na época, mas os bombeiros que trabalharam no combate ao fogo no local relataram terem visto animais fugindo das chamas.

Um ano antes, em agosto de 2019, um incêndio muito mais devastador foi registrado no Parque Nacional de Ilha Grande: na época, mais de 60% da área de proteção foi consumida pelo fogo. Ao todo, o parque conta com 76 mil hectares.(L.C.)

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