O Ministério Público do Paraná ofereceu nova denúncia à Justiça contra José Tiago Correia Soroka, 33, homem que confessou ter assassinado três homossexuais e que ficou conhecido nacionalmente como “o serial killer” de Curitiba. A denúncia apresentada nesta segunda-feira (21) à 12ª Vara Criminal de Curitiba narra os fatos que culminaram na morte do enfermeiro David Junior Alves Levisio, 28, morto por asfixia no dia 27 de abril em sua casa. Para o Ministério Público, Soroka cometeu um latrocínio, crime contra o patrimônio que pode resultar na morte da vítima, tendo utilizado meio cruel e se aproveitado da confiança da vítima, desconsiderando a suposta motivação homofóbica conforme aponta o laudo psicológico produzido pela Polícia Civil.

Advogados ouvidos pela reportagem avaliaram que a ausência da qualificação dos crimes motivados por ódio é um fator que dificulta o enfrentamento desta violência por meio de políticas públicas específicas. Conforme o laudo psicológico concluído no dia 28 de maio, a motivação para as mortes “tem forte significado homofóbico”, concluiu o perito Guilherme Bertassoni da Silva. Ele sustentou que vários fatores colaboram para a defesa da tese de que Soroka foi guiado pelo ódio que sente contra homens homossexuais.

No documento, o homem que negou em entrevistas ter sido motivado por ódio, é apontado como portador do Transtorno de Personalidade Antissocial, quadro que não define individualmente uma pessoa como criminosa, no entanto, é recorrente em pessoas que sofreram abusos sexuais durante a infância, caso de Soroka. O documento também narra crimes contra o patrimônio cometidos a partir de 2010, quando o acusado tinha 22 anos, além de sua vida militar e relacionamentos que manteve com mulheres e com um homem, concomitantemente. Mais tarde, ele, segundo o documento, passou a usar substâncias como álcool e cocaína.

“À esta manifestação de homofobia subjaz um conflito intrapessoal de Tiago que quer manter sua bissexualidade (especialmente a parte homossexual) desconhecida. A manifestação dele nos crimes, pelo modus operandi e assinatura acima apontados referenciam essa simbologia: matar no outro aquilo que quer manter escondido em si”, anotou o perito. Ele também apontou que o laudo não pode ser analisado separadamente dos outros elementos da investigação e serve de apoio na condução do inquérito policial e na preparação da denúncia pelo Ministério Público.

Após ter sido preso, há três semanas, Soroka concedeu entrevistas nas quais negou motivação homofóbica e disse ter escolhido as vítimas pela “facilidade” em acessar suas residências. No três casos, as vítimas conheceram o acusado através do aplicativo "Grindr", direcionado ao público gay.

A reportagem entrou em contato com o advogado Paulo Cesar Carneiro, sócio do escritório Carneiro, Vicente e Colli - Advocacia Humanista. Ele reafirmou que o apontamento da motivação homofóbica está claro também nos depoimentos à polícia. No entanto, “o MP e outras instituições do judiciário têm grande dificuldade em aceitar a realidade da LGBTfobia no País”, avaliou.

Para ele, o fenômeno vai ao encontro de uma cultura nacional própria, “que tenta apagar a existência de LGBTS, onde muitos se manifestam no sentido de que não se pode tocar no tema nas escolas, na TV. O maior problema desse 'apagamento' é não poder contabilizar essa violência”, lamentou.

À frente da 6ª Promotoria de Prevenção e Persecução Criminal de Curitiba, a promotoria Karla Giovanna da Silva Freitas Violato preferiu não conversar sobre o tema. A reportagem apurou que o Ministério Público do Paraná também já ofereceu denúncia contra Soroka pelo assassinato do estudante de Medicina Marcos Vinício Bozzana da Fonseca, 25, cometido em 4 de maio. No entanto, não foi possível apurar se o Ministério Público de Santa Catarina já o denunciou pelo assassinato do professor universitário Robson Olivino Paim.

No final do ano passado, o Senado aprovou o aumento da pena para crimes motivados por racismo e homofobia. A inclusão do motivo "orientação sexual" no projeto de lei foi feita após pedido do senador Fabiano Contarato (Rede-ES). No entanto, o tema ainda não foi aprovado pela Câmara dos Deputados, deixando o tema ainda na dependência da "subjetividade das instituições", avaliou o advogado Paulo Cesar Carneiro.

"Em 2019 a LGBTfobia foi equiparada ao racismo e nós, operadores do direito, até agora encontramos dificuldade em fazer a lei ser aplicada. Juízes e promotores desobedecem o mandamento do Supremo Tribunal Federal por se tratar de uma interpretação do mesmo e não uma lei. Mas o STF somente fez essa interpretação pela inércia dos legisladores em criar uma lei específica", comentou.

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