Enquanto a ONU (Organização das Nações Unidas) reconhece o 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, outra data também faz parte do calendário de lutas contra o racismo provocando reflexão sobre o ato que, para muitos negros e negras, não surtiu o efeito desejado. Assinada no dia 13 de maio de 1888 pela princesa Isabel, a Lei Áurea colocou um ponto final no complexo processo de abolição da escravidão no Brasil.

No entanto, mesmo tendo perdido um pouco de espaço para o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o 13 de Maio também foi marcado por manifestações de repúdio à violência policial. Em Londrina, familiares de pessoas mortas em confrontos e jovens ligados ao movimento negro ergueram bandeiras, pintaram cartazes e distribuíram panfletos no Calçadão no final da tarde desta quinta-feira (13). O comandante do 5º Batalhão da Polícia Militar de Londrina, tenente-coronel Nelson Villa, disse que a instituição respeita todo o tipo de manifestação, desde que pacífica.

Familiares de pessoas mortas em confrontos e jovens ligados ao movimento negro ergueram bandeiras, pintaram cartazes e distribuíram panfletos no Calçadão
Familiares de pessoas mortas em confrontos e jovens ligados ao movimento negro ergueram bandeiras, pintaram cartazes e distribuíram panfletos no Calçadão | Foto: Isaac Fontana/FramePhoto/Folhapress

Para a gestora municipal de Promoção da Igualdade Racial de Londrina, Maria de Fátima Beraldo, o movimento negro não considera o 13 de Maio como uma data de libertação porque “não houve libertação, houve o encarceramento da população negra”, avaliou. Beraldo estava presente no ato que foi organizado por grupos como a Coalização Negra por Direitos, o MNU (Movimento Negro Unificado) e o coletivo Black Divas.

“Houve sim a segmentação da população negra. Não houve nenhuma política de inserção da população negra no pós-abolição e o Brasil precisa fazer essa reparação. Se ele se pensa em ser uma nação democrática, que pensa na justiça, ele precisa fazer essa justiça”, afirmou.

Dezenas de jovens negros e brancos estiveram presentes. Usando máscaras como medida de combate à transmissão da Covid-19, os manifestantes lembraram de jovens como Cristiano da Silva Rodrigues de Jesus, cuja morte completou um mês nesta terça-feira. A mãe do jovem, morador da região do Jardim Califórnia (zona leste), estava presente, porém preferiu não conversar com a reportagem.

Em abril, Londrina viveu dias tensos marcados por conflitos entre amigos, vizinhos e familiares do jovem e a Polícia Militar. A equipe que realizou a abordagem disse que Cristiano de Jesus deixou o local às pressas e entrou em uma casa. Dentro da residência teria havido uma troca de tiros entre o jovem e a PM, versão que é contestada pelos moradores. A polícia isolou a residência e, mais tarde, apresentou uma arma que seria do jovem.

No início da tarde desta quinta-feira, os familiares estiveram no Ministério Público para cobrar agilidade nas investigações. Diretores do Movimento Nacional dos Direitos Humanos também estão acompanhando o caso.

O jovem Matheus Evangelista, morto em março de 2018 em uma abordagem da Guarda Municipal contra a perturbação do sossego, na zona norte de Londrina, também foi lembrado. O principal acusado ainda não foi julgado pelo Tribunal do Júri em razão da pandemia da Covid-19.

“Essa manifestação lá no Ministério Público foi para acentuar estes casos de Londrina e este aqui no Calçadão foi simultaneamente em todo o Brasil pelo fim do genocídio da população negra”, disse Beatriz Batista Silva, 30, uma das organizadoras. Críticas contra o governo do presidente Jair Bolsonaro foram feitas e o ato também repudiou os resultados da operação que terminou com 28 pessoas mortas no Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro. Dentre elas, um policial civil.

O advogado Isnaba Lopes Crima esteve presente no ato ao lado da esposa e dos dois filhos. Nascido em Guiné Bissau, Crima lembrou que o racismo que está "entranhado na sociedade brasileira" faz parte de um processo de exclusão que acomete, também, grupos sociais como os imigrantes e os homossexuais.

Questionada pela reportagem se foram bem recebidos em Londrina, a esposa do imigrante, Lucia Helena Mendonça, avaliou que "receptividade" não seria a palavra mais adequada. "Não tem esse negócio de receptividade. Acho que o que tem é uma tolerância, mas não que receba bem. Meu marido é estrangeiro, é africano, e ele sabe bem como é o olhar que as pessoas olham para ele”, lamentou.

O calendário de manifestações contra o racismo também conta com uma data no mês de julho. A ocasião é para exaltar a líder quilombola Tereza de Benguela. "É o 25 de julho. Ela é do Mato Grosso do Sul, liderou um quilombo no século XIX", explicou Maria de Fátima de Beraldo.

Lucia Helena Mendonça disse esperar que, no futuro, seus filhos Helena e Isnaba possam viver em uma sociedade mais tolerante e menos racista. “Que as pessoas possam olhar para eles sem diferença, pelo que eles são. Eles têm muito a oferecer. Colocar diferença pela cor da pelo é algo muito pequeno”, disse.