São Paulo, 10 (AE) - Certa vez ele tentou associar-se num clube que não admitia atores no seu quadro. Quando lhe negaram o acesso, foi categórico: "Tenho 28 filmes para provar que não sou ator". A piada acompanhou Victor Mature a vida toda. Ele morreu na quarta-feira da semana passada em San Diego, na Califórnia, mas a notícia só foi divulgada ontem. Há controvérsia quanto à sua idade. Segundo diferentes fontes, teria 82, 84 ou 86 anos. Morreu de câncer.
Pode ser que ele não fosse mesmo um ator. Nove entre dez críticos não hesitariam em classificá-lo como canastrão e o décimo, depois de pensar um pouco, provavelmente chegaria à mesma conclusão. Mas Mature faz parte do imaginário do espectador do século 20. Sua carreira possui alguns títulos de nobreza. Ele foi o Sansão de Cecil B. De Mille, traído pela Dalila de Hedy Lamarr, que o cineasta, naquele que talvez seja seu melhor filme, tratou como uma pantera amorosa. Mais tarde, fez o pai do herói no remake para a TV. Mais ainda: Mature foi o Doc Holliday de John Ford num clássico indiscutível: "Paixão dos Fortes", que foi como se chamou, no Brasil, "My Darling Clementine".
Mature era inesquecível como o jogador bêbado que recitava trechos de Shakespeare em pleno oeste americano. "Paixão dos Fortes" é de 1946. Seis anos antes, Mature atingiu o estrelato vestindo uma pele de mamute em "Um Milhão de Anos antes de Cristo". Foi como o caçador pré-histórico Tumak que ele virou astro. Os lábios carnudos, a força física, as roupas exóticas que usou na maioria das produções de que participou, o sorriso devastador (e um tanto cínico), tudo contribuiu para fazer com que fosse considerado um homem sexy, um dos mais sexys de Hollywood nos anos 40 e 50.
Os papéis históricos marcam sua carreira. Fez "O Egípcio", com direção de Michael Curtiz, O Manto Sagrado, de Henry Koster, e a sequência daquela saga dos tempos de Cristo, "Demetrius", o "Gladiador", de Delmer Daves. Mas é possível que, depois do western de Ford e da fantasia bíblica de De Mille
a obra-prima de sua carreira seja outro bangue-bangue: "O Tirano da Fronteira", que Anthony Mann dirigiu em 1956.
O canastrão assumido era um homem preguiçoso que adorava sorvetes e detestava exercícios, o que não o impediu de manter sempre invejável forma física, na tela e fora dela. Chegou a dizer um dia que era a maior fraude da história de Hollywood. Fez ao todo 55 filmes, casou-se cinco vezes e ganhou US$ 18 milhões, que aplicou sabiamente. O dinheiro multiplicou-se e ele era um homem rico. Para quem desprezava o cinema, acumulava experiências que considerava positivas. O filme talvez não fosse muito bom: "O Fino da Vigarice", mas ele adorou fazer a comédia de Vittorio De Sica com Peter Sellers que tratava justamente do universo do cinema.