Representantes do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, do Movimento Negro, do Conselho Municipal de Transparência e parentes do jovem Cristiano Rodrigues de Jesus procuraram o Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado), órgão ligado ao Ministério Público, na tarde desta quarta-feira (14), para denunciar suposta força excessiva de policiais militares contra moradores do Jardim Califórnia (zona leste). A denúncia foi feita após uma onda de protestos desencadeada em razão da morte do rapaz de 20 anos no último domingo (11 e também por conta de uma abordagem policial feita no dia seguinte, que acabou com moradores feridos com disparos de bala de borracha.

Um dos atingidos com três balas de borracha foi Fernando Alfradique Scanferla
Um dos atingidos com três balas de borracha foi Fernando Alfradique Scanferla | Foto: Guilherme Marconi

A morte do jovem está sendo investigada pela Policia Civil, com inquérito conduzido na Delegacia de Homicídios. A Policia Militar alega que Cristiano estava armado e foi morto após reagir a abordagem no domingo. Entretanto, os moradores do bairro têm organizado ao longo da semana protestos negando a versão policial e afirmam que o rapaz foi executado, sem chances de defesa. Cristiano de Jesus, que usava tornozeleira eletrônica, respondia em liberdade por participação em um assalto ocorrido em 2019.

Na segunda-feira, logo após o enterro de Cristiano de Jesus, a PM voltou ao bairro em abordagem filmada por alguns moradores e que circula nas redes sociais. Segundo moradores, houve bate-boca e duas pessoas foram presas. Segundo o coordenador estadual do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Carlos Henrique Santana, que estava no bairro, os PMs estavam sem máscara e abordaram adolescentes, exigiram que eles desbloqueassem os celulares e retirassem galhos da rua. Uma mãe e outro morador bateram boca com os policiais quando um deles reagiu com balas de borracha. "Houve uma morte neste bairro, depois uma incerta da PM e a população se inflou e ao invés deles bateram em retirada, foram para cima", relatou.

Um dos atingidos com três balas de borracha foi Fernando Alfradique Scanferla, autônomo e que faz trabalhos sociais na comunidade. Em depoimento ao delegado do Gaeco, Ricardo Jorge Pereira Filho, Scanferla mostrou os ferimentos, contou sua versão dos fatos e foi orientado a fazer exame de corpo delito no IML (Instituto Médico Legal). "Estou com medo de ser retaliado, me sinto ameaçado por essa corporação que anda armada. Meu trabalho ali foi ajudar a comunidade que quer ser ouvida. A gente se mobiliza em várias causas na cidade. Sou trabalhador, estudante universitário, não agrido ninguém. O que ocorreu com o Cristiano me chocou. Ele cometeu alguns erros no passado, estava trabalhando e eu acho todo mundo merece uma segunda oportunidade, mas ele não teve."

Representantes do Movimento Nacional dos Direitos Humanos e de outras entidades foram ao Gaeco
Representantes do Movimento Nacional dos Direitos Humanos e de outras entidades foram ao Gaeco | Foto: Guilherme Marconi

Segundo o representante do MNDH, só em 2019 foram 36 mortes de jovens em confrontos com Polícia Militar. "A maioria era de negros, moradores de periferia e citado como marginais. Estamos aqui para que autoridades investiguem. Estamos aqui porque acreditamos na Justiça e acredito que ela seja feita. Queremos paz, estamos falando de seres humanos. Isso tem que mudar. Essas abordagens policiais precisam ser filmadas, um promotor precisa acompanhar o inquérito" cobrou Santana.

O pai do rapaz, o motoboy Adenilson Rodrigues de Jesus, já foi ouvido pela Polícia Civil. Em entrevista à FOLHA, disse que o filho é inocente e que foi alvo de uma execução. "Foram ouvidos cinco disparos, três deles em órgãos vitais. Ele foi executado porque tiro no tórax e abdômen não é para conter reação de quem estivesse correndo. Ele foi tirado da gente de forma brutal e só depois de horas eles [policiais militares] levaram a suposta arma do crime. Peço uma perícia neste revolver que não pertence ao meu filho."

Para Robsmar da Silva, membro do Conselho Municipal da Igualdade Racial, a morte do jovem após abordagem rotineira foi fruto de uma ação com força desproporcional. "A gente entende isso como uma situação que já transgrediu a questão do racismo. Além disso, as pessoas têm o direito de protestar.A gente enxerga que essa situação precisa ser levada à Secretaria Estadual de Segurança Pública."

O delegado do Gaeco informou que a denúncia de lesão corporal ocorrida no confronto será encaminhada para apuração do Ministério Público. "Ouvimos uma testemunha, juntamos as imagens e fotografias da lesão. As providências devem ser tomadas pela Corregedoria da Polícia Militar investigar administrativamente e para Vara da Justiça Militar para apurar a questão criminal", disse Pereira Filho.

Procurado pela FOLHA, o comandante do 5º Batalhão da PM, tenente-coronel Nelson Villa, disse que os conselhos e os moradores estão no direito em buscar o Gaeco. "Nós confiamos no Ministério Público e de que as medidas apropriadas serão tomadas. A Policia Militar tem agido com toda transparência e apurações dos fatos serão feitas de acordo com o código de processo penal e no âmbito do direito disciplinar."