Moradores de Pouso Alegre tentam retomar rotina
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segunda-feira, 10 de janeiro de 2000
Por Luciana Garbin
Pouso Alegre, MG, 10 (AE) - Sob sol forte, os moradores das áreas atingidas pela enchente em Pouso Alegre, no Sul de Minas Gerais, tentam retomar a rotina quebrada pelas águas. A grande maioria passou os últimos dois dias lavando paredes, tirando lama e móveis estragados de dentro das casas. Algumas ruas do bairro São Geraldo, dos bairros mais afetados pela inundação, continuam alagadas. Segundo estimativas do Corpo de Bombeiros, havia na cidade cerca de dez mil desabrigados no fim de semana. Cinco mil moradores já se cadastraram NA prefeitura para receber ajuda. Centenas deles estão em escolas, creches e igrejas.
Nas conversas, os assuntos são os prejuízos da última semana e o que fazer para recomeçar. Alguns casos, como o da dona de casa Francisca Maria Josias, de 58 anos, que teve a casa destruída, são mais graves. Os moradores de Pouso Alegre contam os dramas vividos por eles mesmos ou por conhecidos.
O comerciante Antônio Claret de Carvalho foi uma das vítimas da enchente. Dono de uma mercearia, ele passou uma semana em cima da laje tomando conta dos negócios. Temia saques. "Foi sofrido, fiquei dias sem fazer a barba ou tomar banho e, depois de 30 anos sem chorar, chorei de desgosto", disse.Hoje, enquanto lavava garrafas e punha os freezers para secar do lado de fora da mercearia, ele lamentava também ter bebido cachaça durante a enchente. "Já fui alcoólatra e estava há dez anos sem beber, mas fiquei revoltado ao ver tudo debaixo da água e não aguentei."
A doméstica Adriana Aparecida Rodrigues, de 26 anos, era mais uma a lamentar a situação. Um corpo de cavalo foi trazido pelas águas para a frente da porta de sua cozinha. Quando a família voltou para casa no fim de semana, não pôde entrar, pois o animal obstruía a passagem. "Além de perder tudo, ainda tenho de aguentar esse bicho cheio de moscas e com cheiro horrível", protestava. "Já estou pedindo há três dias para a Prefeitura retirá-lo, mas ninguém faz nada."
Como Adriana, o industriário Jorge Celso Jordão, de 47 anos, também queixava-se que tinha perdido tudo com a inundação. Conformado, fazia planos para recomeçar. "Vou ver se consigo dinheiro emprestado de parentes." Sua vizinha Isaura Cristina Chagas Ribeiro, de 34 anos, tentava animar os conhecidos, afirmando que o pior já passou. "Deus dá, Deus tira", dizia a dona de casa. "É revoltante, chorei muito, não tenho onde pôr a roupa dos meus filhos, mas o importante é estar vivo."
Para alguns a tragédia se agravou por falta de competência da administração municipal. "O que depende do povo foi feito, mas a Prefeitura está deixando a desejar: é preciso que eles tirem o lixo e desinfetem as ruas logo", dizia o comerciário José de Carvalho Mendes, de 51 anos. Em dezembro, ele gastou R$ 7 mil para reformar sua casa e comprar móveis novos. Ao voltar depois da enchente, encontrou a pintura danificada, batentes das portas descascados, massa do teto solta. "O que não está estragado, foi roubado; ainda não tenho idéia de quanto vou gastar para refazer tudo, mas minha preocupação maior agora é voltar para casa e ao trabalho."
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Pouso Alegre informou que, desde sábado, dez equipes de limpeza com 20 homens cada estão limpando a cidade. Outros 50 funcionários estão percorrendo os bairros de Santa Cecília, Faisqueira, Foch II, Jardins Olímpico e Yara, Parque São Camilo e São Geraldo para desinfetar as ruas. Neste último, o trabalho está mais lento, segundo a assessoria, pois ainda há ruas alagadas. Nos locais que servem como abrigo, as famílias recebem alimentação, roupas vindas de doações e, quando necessário, assistência médica.
Abrigo - A ajudante de cozinha Juraci dos Santos Borges, de 38 anos, era uma das cerca de 400 pessoas abrigadas hoje na Escola Estadual Vinícius Meyer. Ela estava visitando a mãe em outra cidade no réveillon e só soube que sua casa estava alagada quando voltou. "Perdi tudo e vim para cá, mas aqui também há problemas", diz. "Eles, por exemplo, separam as melhores roupas e os colchões para quem é amigo." Por causa da enchente, o filho Gabriel, de 10 anos, teve problemas de saúde. Não foi o único.
Muitos moradores já estão se queixando de mal-estar, inchaços, picadas de mosquitos e problemas de pele. Alguns já receberam vacina antitetânica. A orientação é para que os que sofreram cortes ou beberam água da enchente procurem os postos médicos.
A Prefeitura já avisou que a campanha de vacinação em massa deve começar só depois da limpeza das ruas, retirada de entulho e cadastramento das pessoas para o atendimento de emergência.
No sábado, agentes municipais começaram a visitar as áreas atingidas para verificar as necessidades das famílias. Professoras da rede pública foram chamadas para atuar como assistentes sociais. A extensão do auxílio, todavia, não foi definida. "Pedimos o cadastramento para que posteriormente a Prefeitura dê a ajuda que for possível aos moradores", diz assessora de comunicação Ana Paula Ferreira Farago. " E isso vai depender de recursos dos governos estadual e federal, ainda não anunciados."
Sobre as denúncias de que a prefeitura teria sido omissa quanto à questão das enchentes, a assessora disse que o prefeito Jair Siqueira (PPB) já havia explicado que as obras anti-enchente ainda não estavam prontas. "A Prefeitura inaugurou a Avenida Dique 1, que serve como barragem do Rio Sapucaí Mirim, mas falta terminar a Avenida Dique Dois, que seguraria as águas do Rio Mandu."