Curitiba - Dezenas de estrangeiros fizeram neste domingo (13) a prova de conhecimentos gerais e redação do vestibular para migrantes com visto humanitário e refugiados da UFPR (Universidade Federal do Paraná), em Curitiba. Pouco mais de 80 candidatos tiveram inscrição homologada para o processo seletivo, que disponibiliza dez vagas suplementares por ano.

A prova teve questões de matemática, física, química, biologia, história, geografia, filosofia, sociologia, língua portuguesa e estrangeira, além de redação, em fase única. O resultado deve ser divulgado no dia 31 de janeiro. Os dez mais bem posicionados poderão escolher o curso em que serão matriculados,
pela ordem. A cada escolha, a opção deixa de figurar na lista de cursos da instituição.

A FOLHA esteve no local da prova, realizada no campus Jardim Botânico, das 9h às 14h. A maioria dos candidatos ouvidos pela reportagem é do Haiti. Suas razões para vir ao Brasil e buscar estudo são diversas, e a língua é uma das principais barreiras, tanto para os estudos quanto para o mercado de trabalho.

Cliphe François planeja cursar psicologia ou letras
Cliphe François planeja cursar psicologia ou letras | Foto: Rafael Costa



Cliphe François, 24, planeja cursar psicologia ou letras. Ele chegou de Porto Príncipe há cerca de um ano e meio. Ele já havia feito um intercâmbio em Cuiabá (MT). Seu interesse em morar no Brasil é cultural. "Queria saber mais sobre uma nova cultura, e aprender mais uma língua", contou.

"Vim em busca de oportunidades para a minha vida", resumiu Jacqueline Doresthan
"Vim em busca de oportunidades para a minha vida", resumiu Jacqueline Doresthan | Foto: Rafael Costa



Já Jacqueline Doresthan, 37, chegou em 2014 depois de enfrentar dificuldades no Haiti. Ela vivia em Aquin, no sul do país. Formada em ciências da educação na UPSAC (Universidade Pública do Sul em Cayes), ela veio ao Brasil depois de obter um visto humanitário, atendendo ao chamado de um de seus três irmãos, que já havia se mudado. Ela fez cursos técnicos de segurança do trabalho e administração, mas atualmente está sem emprego. Apesar da crise no Brasil, Doresthan acredita que tem chances melhores aqui. "Vim em busca de oportunidades para a minha vida", resumiu. "Sempre quis
um futuro melhor. Saí do meu país para ver se as coisas mudam para mim", acrescentou. Para ela, uma formação superior no Brasil é fundamental para ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho.

Essa também é a motivação de Jossie Sánchez, 27, que deixou a Venezuela há cerca de três anos para fugir da alta inflação, instabilidade e insegurança crescentes. Formada em direito na Universidade Fermín Toro, na região central da Venezuela, ela pretende cursar psicologia na UFPR. "É uma oportunidade para procurar estágios, emprego, conhecimento e aprender melhor o português", contou.

Ela disse que não encontrou condições de concorrer a vagas para advogados no Brasil. Apesar de formada, disse que a abertura ocorre principalmente para funções de menor qualificação. "Quando a pessoa é formada em outro país, há um pouco mais de receio", explicou. "A gente tem de procurar muito mais para ter resultados bem menores", disse.

Com apenas 17 anos, Betchyne Vil não veio ao Brasil por escolha própria. Seus pais se mudaram para cá em 2014. Ela diz, no entanto, que o plano é continuar no Brasil, e que o processo seletivo para migrantes oferece uma chance para "crescer e evoluir" no País.

Já Rony Remy, 33, disse que se mudar para outro país e apenas trabalhar para pagar as contas não é suficiente. "Você tem de manter a sua vida, mas também precisa estudar, voltar com alguma coisa a mais do que você tinha antes", explicou. "A maioria dos haitianos que estão aqui é jovem. O estudo é muito importante para nós", disse.

Para Widerson Mesilas, 25, também do Haiti, a UFPR demonstra compreensão sobre a vulnerabilidade e a necessidade de inclusão de imigrantes e refugiados com a iniciativa. Ele defende, no entanto, que os estudantes brasileiros também ganham com a abertura para estrangeiros. "Acho que nós temos bagagem para trocar com os estudantes nativos. Essa diversidade de conhecimentos é muito boa, tanto para nós quanto para eles", observou.

INCLUSÃO
A criação do vestibular foi aprovada em novembro de 2018 como desdobramento do Programa Política Migratória e Universidade Brasileira, uma ação de acolhimento a refugiados e migrantes que atua dentro da cátedra Sérgio Vieira de Mello, criada em 2013 em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.

Para o reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, as ações são importantes para que as universidades mantenham "vivo o eixo de inclusão e cidadania". Na sua avaliação, ainda que se tratem de poucas vagas, o vestibular indica a vocação da universidade para dar atenção a "mazelas" da sociedade e dar resposta a uma questão urgente no plano internacional e também no Brasil.

"É algo com que, a meu ver, todas as universidades têm de se comprometer sempre", disse o reitor à FOLHA. "As universidades têm de ser um polo de qualidade, porque nós, universidades públicas, somos o lugar principal de produção de conhecimento do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, vivendo no tipo de sociedade em que vivemos - e sendo a universidade pública -, temos que, a todo momento, estar atentos a essa profunda necessidade de inclusão", declarou.

ACOMPANHAMENTO
A UFPR informou que, para garantirem a vaga, os aprovados deverão fazer o curso de Acolhimento Linguístico e Acadêmico, organizado pelo projeto de extensão Português Brasileiro para Migração Humanitária, entre 4 de fevereiro a 16 de março. Com o início das aulas, os alunos deverão ser acompanhados mensalmente por um professor-tutor ou colega-tutor, além de frequentar a disciplina "Português como Língua de Acolhimento para Fins Acadêmicos", indicada pelo PBMIH.