São Paulo - Fundadora da Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal), a advogada Margarete Brito foi nesta segunda (17) às redes sociais da entidade a fim de tranquilizar famílias e pacientes que se tratam com canabidiol (CBD). O motivo da preocupação é a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que tornou ainda mais restritiva a indicação da Cannabis medicinal em relação à norma anterior, de 2014.

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Embora só autorizasse o uso da Cannabis medicinal para tratamento de epilepsia, a resolução anterior do CFM não era categórica em proibir a prescrição para outros casos
iStock Embora só autorizasse o uso da Cannabis medicinal para tratamento de epilepsia, a resolução anterior do CFM não era categórica em proibir a prescrição para outros casos | Foto: iStock

"Estou aqui para dizer que isso não vai afetar a distribuição dos óleos da Apepi nem os agendamentos com nossos médicos parceiros", disse Brito.

Publicada na última sexta (14), a resolução 2.324/22 restringe a prescrição do canabidiol a tratamentos de epilepsias bem específicas de crianças e adolescentes "refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa".

Porém há, atualmente, indicações de CBD e outros derivados da Cannabis para mais de 20 condições médicas, entre as quais dor crônica, fibromialgia, Parkinson, Alzheimer e depressão. A prescrição ocorre no modo "off-label" -o médico avalia o risco-benefício e assume a responsabilidade pela indicação.

Criada em 2016, a Apepi tem 4.500 associados, dos quais 80% não são contemplados pela nova resolução do CFM, segundo a fundadora. Localizada no Rio de Janeiro, a associação ganhou neste ano na Justiça o direito de plantar, manipular e fornecer extrato de Cannabis a associados. Até então, atuavam em "desobediência civil", como Brito costuma dizer.

"Tudo vai continuar como sempre foi. Os médicos que prescrevem o canabidiol disseram que vão continuar prescrevendo, a Apepi vai continuar fornecendo os óleos. Trabalhamos com médicos muito corajosos, que nunca se curvaram aos absurdos do conselho e que disseram que vão continuar batendo o pé", disse a advogada à reportagem.

Fundadora da Cultive - Associação de Cannabis e Saúde, Cidinha Carvalho afirma que o trabalho vai continuar. A entidade atende 200 pacientes em São Paulo e também tem autorização judicial para plantar maconha e produzir óleo.

"Essa é uma resolução inconstitucional, que fere o direito fundamental à saúde", disse ela, referindo-se ao artigo 196 da Constituição. "Não vamos mudar nada, até porque o CFM sempre restringiu [o acesso ao canabidiol], sempre ignorou a ciência."

Embora só autorizasse o uso da Cannabis medicinal para tratamento de epilepsia, a resolução anterior do CFM não era categórica em proibir a prescrição para outros casos. A nova norma diz que a indicação só pode ocorrer em estudos clínicos autorizados pelo sistema formado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e Conselhos de Ética em Pesquisa (CEP/Conep). Além disso, o texto de 2014 autorizava apenas médicos psiquiatras, neurologistas e neurocirurgiões a prescrever CBD, algo que foi derrubado pela nova resolução.

Advogado da Rede Reforma, que reúne juristas pela revisão da política de drogas no Brasil, Emilio Figueiredo afirma que a nova resolução do CFM viola a autonomia profissional.

"O médico tem a liberdade de, junto ao seu paciente, decidir o melhor tratamento. Essa resolução viola isso. Se o Conselho Federal de Medicina ou os conselhos regionais forem para cima dos médicos com base nessa nova resolução, terá de haver uma ponderação sobre o que é mais importante, a autonomia do médico ou o controle das práticas médicas pelo CFM. Aí é difícil prever quem vai ganhar, mas a autonomia profissional do médico é um conceito reconhecido há muitos anos", disse ele.

A respeito da nova resolução, o CFM declarou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os casos de não cumprimento são avaliados de forma individual e que entre as penalidades estão advertência e cassação do registro profissional.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que autoriza a importação e já liberou 18 medicamentos à base de Cannabis em farmácias e drogarias brasileiras, disse que nada muda. "A Anvisa manterá a atual regulamentação para fins de autorização dos produtos da Cannabis para fins medicinais, independente da Resolução do CFM", diz nota da agência enviada à reportagem.

Na avaliação da neurologista Natasha Consul Sgarioni, ao restringir o uso do canabidiol a crianças e adolescentes, a resolução do CFM deixa pacientes sem opção. "Como ficam esses pacientes quando se tornarem adultos? Suspendem a medicação?", questionou ela.

Sgarioni disse que continuará prescrevendo a substância. "Tenho muitos pacientes com dores crônicas, com epilepsia, em tratamento oncológico, com Parkinson, Alzheimer, que necessitam do composto. Não tenho como deixar essas pessoas desassistidas."

Assim como ela, a neurocirurgiã Patrícia Montagner considerou a resolução um retrocesso ao ignorar avanços científicos e ferir a autonomia médica na forma de tratar e julgar as opções mais convenientes para cada caso. Ela afirmou que também pretende manter as prescrições, mesmo sabendo que pode sofrer retaliação. "Não temo por fazer o que está ao meu alcance para ajudar o paciente portador de doença grave, incapacitante e refratária, dentro de todos os preceitos éticos da profissão."

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